sexta-feira, 29 de abril de 2011

De beca e à bo(r)la

É natural que haja magistrados que gostem de jogar à bola: uns, no campo; outros, na secretaria. São exercícios de convívio social ou de actividade cívica. A lei não os proíbe nem seria razoável que os não permitisse. Foi oportuno e clarividente o esclarecimento que o Presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, um dia destes, prestou ao “Público”: «Estatutariamente, os juízes só estão proibidos de exercer cargos remunerados, mas não estão impedidos de exercer cargos nos órgãos jurisdicionais das federações desportivas.» Mas foi mais longe e mais pertinente: «Pelo contrário, a participação de magistrados nesses órgãos pode contribuir para credibilizar as suas decisões.»
A verdade desportiva é uma das que está nas preocupações da sociedade. Ainda que invocando-se razões diversas, a dita verdade tornou-se o motivo de discursos inflamados, de causas litigantes ou de imputações indecorosas. Uma verdade tão importante que o legislador, entidade que vela pelo nosso destino, decidiu dar a forma de crime à mentira desportiva.
Tudo estaria bem e seria pacífico se os jogos da bola não fossem também jogos de compras e vendas, de activos e passivos, de cheques e percentagens. Enfim, um negócio. Um imenso negócio sem rei nem roque e, dizem, com gritantes fugas ao fisco.
Os tais órgãos jurisdicionais da bola, quando decidem, decidem também, e não tão indirectamente como se poderia argumentar, sobre um negócio ou a possibilidade dele. Creio não ser necessário exemplificar. O que se questiona, neste panorama, é se a moral e a deontologia aconselham e avalizam as palavras atrás transcritas.
Mas escrito tudo isto, ainda não disse ao que venho. E ao que venho é à procura de um esclarecimento cabal por parte da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional:
Quanto custam a estas duas instituições os seus órgãos jurisdicionais?
Quanto pagam aos seus membros pela participação em cada reunião?
E pelo alojamento?
E por cada quilómetro quando viajam em carro próprio?
E pelo almoço?
E pelo jantar?

É preciso pôr estes dados, e outros conexos, em cima da mesa. Para que a bola não fique no ar e a borla na suspeita.

In Os Cordoeiros, 29 de Abril de 2004. Recuperado pelo António Maria em Renascer!...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Eficácia, dignidade

Num país onde o segredo de justiça está ao preço da uva mijona e a ressonância ética da sua violação é inexistente, a utilização, na investigação criminal, dos meios mais invasivos da privacidade deverão merecer uma particular atenção. É aí que a responsabilidade dos magistrados do Ministério Público se torna mais óbvia já que lhes cabe a direção do inquérito. O equilíbrio entre a eficácia e a dignidade é um valor que não pode ser descurado.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Escutas, por partes VI

Noticiou-se que, em 2010, teriam sido iniciadas, diariamente, 27 interceções telefónicas, o que rondará, no fim do ano, 9855. Se admitirmos, em cálculo que não é ousado, que cada aparelho intercetado terá, durante o período da interceção, um número de interlocutores que não será inferior a 10, será óbvio concluir que, em 2010, pelo menos cerca de cem mil cidadãos viram a sua privacidade violentada e a sua voz gravada algures.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Escutas, por partes V

Questões idênticas às suscitadas no âmbito do processo "Face Oculta" tinham já sido colocadas no âmbito do processo "Apito Dourado", em 26 de Abril de 2004, em Os Cordoeiros.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O discurso dos Quatro

Ouvi-o sem sobressalto e sem esperança. O que foi dito não traz novidade nem entusiasmo. O que lhe esteve subjacente, envergonhadamente subjacente, foi o reconhecimento de que a desaprovação do PEC IV, entre leviandades e mentiras, é a desrazão política da crise.

25 de Abril

O 25 de Abril, hoje, é continuar a racionalização do Serviço Nacional de Saúde, o estímulo da investigação científica, a opção pelas energias alternativas, o desenvolvimento da inovação tecnológica, o alargamento da modernização administrativa, o reforço da diplomacia portuguesa no mundo, o aumento qualitativo das exportações, não esquecendo nunca a determinação democrática no exercício do poder político.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Asfixia democrática

Às 23 horas, António Costa na Quadratura do Círculo, SIC-N, para uma audiência de cerca de cinco mil cidadãos, metade dos quais com sono.

Pluralismo

Às 21 horas, na RTP 1, António Barreto; às 22 horas, na RTP 2, Vítor Bento.

Sem medo das palavras

A primeira página do I é abjeta: um insulto para Telmo Ferreira e para cada um dos leitores. Se aquilo é o jornalismo de referência, então a impunidade jornalística atingiu o seu estupor.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Uma aliança improvável

As insinuações, sobre o CDS e sobre Paulo Portas, do candidato primeiro do PSD por Viana do Castelo, não podem deixar de afetar, com certeza definitivamente, qualquer entendimento político à direita. Seja qual for a ideia que, politicamente, se possa ter de Paulo Portas, é de fazer-lhe a justiça de uma coerência que não se compadece com a indignidade. Aliás, a escolha daquele candidato já era, antes de o ser, uma afronta ao CDS.

Os aldrabões

Há os aldrabões da miséria e a miséria dos aldrabões. Compreendo os primeiros, repudio os segundos. A miséria estimula a artimanha, os aldrabões favorecem as desigualdades. A crise não veio pela mão dos primeiros, chegou-nos pela sábia aldrabice dos segundos.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O lado obscuro do ADN

Se há perfis de arguidos já contabilizados, continua por saber-se se há perfis desenhados a partir de elementos recolhidos na cena do crime. Sem estes, todo o discurso sobre a importância do ADN na investigação criminal cai por terra. Seria razoável que o Ministério da Justiça, que tutela, pelo menos, as finanças do ADN, prestasse um conjunto de esclarecimentos sobre a matéria, de modo a tirar dúvidas e atestar credibilidades.
Quantos perfis pagou, desde a entrada em vigor da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro, respeitantes a vestígios recolhidos na cena do crime?
O que foi feito dos perfis obtidos ou dos vestígios recolhidos antes da entrada em vigor da referida Lei?
A estas perguntas, um governo de gestão não está impedido de responder.
A esta já o estará:
O tempo decorrido é suficiente para uma avaliação da bondade da Lei ou da necessidade de alguns remendos?

Uma jurisprudência perigosa

Pelo Acórdão nº 110/2011, de 6 de Abril, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação das normas dos artigos 355.º, n.º 1, 327.º, n.º 2, e 340.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que o tribunal pode apoiar uma decisão condenatória num documento incorporado nos autos desde a fase de inquérito, mas não incluído expressamente na indicação de prova constante da acusação do Ministério Público, nem apresentado e discutido na audiência de julgamento.
Trata-se de uma decisão que pode ter algum sentido prático no caso concreto que foi objeto de análise mas que também pode ser absurdamente desastrada em casos mais complexos.
Sem dúvida que o seu conteúdo faz prevalecer o inquisitório sobre o acusatório e desonera o Ministério Público de uma obrigação legal a que não dá muita importância: a da indicação da prova de um modo exaustivo e esclarecedor.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O ADN do preço

Já há cerca de cento e poucos perfis de ADN em armazém respeitantes a arguidos condenados e cuja inserção foi judicialmente determinada. Quando as previsões apontavam para uns bons milhares nesta altura do campeonato, não deixa de ser insólito que se venha dizer que o preço do desenho dos perfis tem sido um obstáculo ao sucesso da lei. Então não se sabe/sabia que em situação de monopólio os preços são sempre exagerados?

Boletim Bibliográfico

O Boletim Bibliográfico da Biblioteca da Procuradoria-Geral da República é um excelente instrumento de trabalho para quem anda à volta com os direitos e similares. Saíu o nº 4 (Abril de 2011). Para ser recebido por e-mail basta solicitá-lo através do endereço Biblioteca.PGRBoletim@pgr.pt.

sábado, 16 de abril de 2011

Trivialidades

Viegas está para a literatura assim como Moedas para a economia: triviais na gramática e na contabilidade. É o preço da interioridade.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Escutas, por partes IV

Vivemos pendurados em telemóveis. A crescente parte da nossa vida em que a conversa é telefónica, e há quem quase só saiba conversar ao telefone, tornou as escutas mais invasivas do que o eram há 20 anos. Escutar já não é apenas investigar; é também devassar. Controlar o conteúdo das escutas possibilita um poder que é socialmente incontrolável. Um poder cuja perigosidade continuamos a (querer?) ignorar.

Frases que ficam 2

Ouço-a desde pequenino: Mentir é muito feio.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mea culpa

Julguei-os uns vidrinhos, saíram-me uns vidrões.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A tentação da nobreza

Desde um defunto projeto de revisão constitucional à candidatura mais simbólica de umas eleições para a Assembleia da República, a de primeira figura pelo Círculo Eleitoral de Lisboa, parece haver uma magia nobiliárquica que é tida por antídoto da crise. Como sempre, a plebe, ao longe, vê – mas não se revê.

Cartas

O António Maria, no seu Renascer!..., tem vindo a transcrever a correspondência entre José Rodrigues Miguéis e José Saramago. Textos comoventes num quotidiano de cinzas, valem mais para o conhecimento da nossa história recente do que muitas dissertações.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O elogio da coragem

Sócrates tem sido o alvo da mais ordinária campanha que o país conheceu em democracia. Se a democracia serviu para isso, então é tempo de refletirmos sobre esta doença do carácter que parece epidémica. Tudo serviu, mentira sobre mentira, insinuação sobre insinuação, para assassinar a dignidade do cidadão e a determinação do político. A sua reeleição, num quadro em que o não pareceria expectável, estimulou a mesquinhez, degradando o discurso político da oposição, colada que estava aos devaneios corporativos que, paulatinamente, vinham a ser desalojados. À revelia dos interesses do país, em coligação, mais do que negativa, ad hominem, empurraram-no para a demissão. É este político demissionário que continua a ter a responsabilidade de enfrentar as dificuldades. Com eleições apenas em Junho, é com a sua coragem que teremos de continuar a contar.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Alternativa

Uma comunicação social catastrofista, ignorante e insolente não pode ser o berço de uma alternativa democrática. Mas há quem pense que isso lhe(s) é suficiente.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Até a Suécia

Por onde pa(i)ra essa cambada que só debitava escárnio sobre o Magalhães? Deve andar à procura do FMI...

Às cavalitas

Governar às cavalitas do FMI deve ser um descanso para quem não sabe governar ou não tem coragem para o fazer.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Oportunismo, oportunidade

O artigo da Professora Fernanda Palma, aqui transcrito, traduz uma síntese expressiva sobre as questões que se suscitam no âmbito da Justiça Penal.
Destacaria, de momento, uma dessas questões:
O princípio da oportunidade e o alcance das prioridades na prevenção e na investigação penal merecem, igualmente, uma ponderação atenta.”
Em 23 de maio de 2006, foi publicada a Lei Quadro da Política Criminal, estabelecendo objetivos, prioridades e orientações nesse âmbito.
A Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, veio trazer a sua concretização para o período de 2007/2009, e a Lei nº 38/2009, de 20 de julho, para o período de 2009/2011.
Com os referidos diplomas pretendeu dar-se coerência à prevenção e à investigação criminal, evitando a dispersão das opções e a insegurança dos procedimentos.
Ao oportunismo contrapôs-se a oportunidade.
A oportunidade tem a ver com a gestão dos meios, a hierarquização dos fins e a articulação dos diversos atores.
O que antes se tinha, eram escolhas com critérios obscuros.
O que hoje se tem, é um propósito legal que define e baliza a atuação de magistrados e polícias.
Sendo verdade que não é fácil realizar esse propósito num mundo em que a prevenção e a investigação criminal assumem, pelo menos, o protagonismo de dois ministérios, de um procurador-geral da República, de um secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, e de outros sujeitos menos visíveis, ainda que muito atuantes, não é menos verdade que o caminho traçado é inelutável.

domingo, 3 de abril de 2011

Governo de gestão

Um governo de gestão é isso mesmo: um governo sem capacidade para assumir compromissos. Está nos livros, é o que se aprende nas escolas. Pretender o contrário, depois da imprudência de uma decisão cujas consequências não poderiam ser desconhecidas, não é um equívoco, é uma doença.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Novas mães

O Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, revolucionou as relações jurídicas familiares, sendo um diploma emblemático das significativas transformações trazidas com o 25 de Abril.
Ao artigo 1864º do Código Civil, que passou a ter por título paternidade desconhecida, deu a seguinte redacção:
Sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai.
A partir daí, divulgou-se a ideia que deixaria de haver crianças sem paternidade legalmente definida.
Não foi nem é assim.
Continuam a existir crianças relativamente às quais não tem sido possível determinar, por falta de prova, a paternidade, ainda que seja manifesto que esse número é cada vez menor.
Os actuais meios de prova, eficazes na sua precisão científica, resolvem a questão quando podem ser utilizados: ou excluindo ou afirmando a paternidade.
Mas há situações em que não podem ser realizados porque inexistem pretensos ou indigitados pais.
Comparem-se os elementos estatísticos respeitantes a 1995 e 2002.
Em 1995, foram registados 4197 processos de averiguação oficiosa de paternidade, terminando por perfilhação 2318; 1056 foram declarados inviáveis por falta de prova, e para propositura de acção de investigação, dado ter-se entendido haver elementos de prova, foram remetidos 941.
Em 2002, foram registados 2491 processos, terminando por perfilhação 2114;750 foram declarados inviáveis e para propositura de acção contabilizaram-se 516.
Verificou-se um decréscimo significativo dos processos registados, a que corresponde um significativo declínio do número de crianças sem que do respectivo assento de nascimento conste a paternidade.
Por outro lado, em termos de percentagem, subiu significativamente o número de casos em que ocorreu a perfilhação e decresceram os processos arquivados por falta de prova.
Decresceu também o número de acções a propor.
Para além destas diferenças numéricas, que traduzem uma melhor situação para as crianças no que diz respeito à paternidade, parece-me que o que também se tem vindo a alterar são as razões para essas situações em que inexistem provas sobre os pretensos ou indigitados pais.
Os 1056 de 1995 e os 750 de 2002, poderão ter leituras diferentes.
Digo-o empiricamente.
Pelo que me fui apercebendo nos anos mais recentes, começaram a aparecers situações em que as mães estão decididas a não partilhar a criança com um pai.
Recusam-se a prestar declarações ou a indicar quem seja o pretenso pai.
As restantes diligências mostram-se inúteis.
Recordo-me, em processo recente, que a avó da criança declarou: Sei que a minha filha queria engravidar, engravidou, tenho um neto, não sei quem é o pai nem isso é importante para nós.
Seria interessante, para além dos números, que o Ministério Público pudesse fazer uma aproximação qualitiva a estas realidades, fornecendo elementos que melhor nos ajudassem a compreendê-las.

Publicado em OS CORDOEIROS, em 1 de Abril de 2004

Recordado pelo António Maria no Renascer!...

Irei atualizá-lo, logo que possível.