terça-feira, 15 de outubro de 2024

A dúvida

A Inquisição julgava os mortos. No século XXI, será possível julgar quem, não estando morto, já não consegue ser entre os vivos?

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Para quem defende mais presos e mais prisões

The Dutch prison population has fallen by more than 40% – and awareness of the harms of harsh sentencing could explain why.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

A verdade dos factos

"A verdade dos factos, conceito que nem os juristas usam sem que um sorriso lhes traia o pensamento oculto, é a camada mais desinteressante da existência, a coutada das pessoas sem imaginação. "

Bruno Vieira Amaral, As primeiras coisas

sábado, 5 de outubro de 2024

"... quem não deve também tem de temer"

Do artigo de Rui Rio, Sobre a reforma da Justiça, no Diário de Notícias:

"Logo à cabeça, podemos identificar a revoltante lentidão dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os fracos resultados do Ministério Público no combate aos crimes de colarinho branco, agravados pelos abusos que, com o beneplácito de muitos juízes de instrução, se vão cometendo com demasiada frequência. Desde a quebra do segredo de justiça, com o consequente julgamento dos cidadãos na praça pública, até às buscas de duvidosa necessidade, às habituais prescrições, às escutas telefónicas prolongadas ou aos terramotos políticos provocados ainda na fase de investigação, não escasseiam razões para sustentar a necessidade de uma profunda reforma neste pilar essencial do Estado de Direito Democrático.
E o mais grave é, em minha opinião, a perda do tal respeito natural que antes existia e que atravessou gerações. As referidas atitudes desrespeitosas, o corporativismo, a degradação do rigor e do saber, a promiscuidade com certa comunicação social, as sentenças demasiadas vezes incompreensíveis, e mesmo o comportamento social de alguns protagonistas do sistema, conseguiram arruinar o respeito de que legitimamente usufruíam. E destruíram, também, a velha máxima de que “quem não deve não teme”, porque se tem visto que, circunstâncias há, em que quem não deve também tem de temer."

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Falácia

No último semanário Expresso, para defender que o número de escutas telefónicas realizadas não seria excessivo, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sustentou que esse número não seria superior a pouco menos do que 2% do total de inquéritos. Creio que estaria a reportar-se a números de 2023.
Esta percentagem induz o leitor a engano dado que faz pressupor que em todos os inquéritos a utilização desse meio de obtenção de prova seria possível. E não o é.
A lei condiciona significativamente os casos em que as escutas telefónicas se podem realizar. Por isso mesmo, o valor dessa percentagem só terá significado com referência, não ao número total de inquéritos, mas apenas ao número de inquéritos passíveis dessa utilização.

domingo, 29 de setembro de 2024

Fraca memória

Já não se devem lembrar da guerra que fizeram ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro, pelo facto do seu vice-procurador-geral da República, Mário Dias Gomes, ir atingir a idade de 70 anos no exercício daquelas funções e nelas pretender continuar.
A guerra foi tão persistente que obrigou à cessação de funções deste e levou Pinto Monteiro a, contra a sua vontade, propor um novo vice-procurador-geral da República.

sábado, 28 de setembro de 2024

Nota política

Nas sucessivas nomeações de procuradores-gerais da República, o PSD mostrou-se, politicamente, mais eficaz do que o PS.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A ler

Les modes alternatifs de résolution des conflits sous l’empire de l’ordonnance criminelle : la loi et la doctrine




Resumo:
Au cours de l’été 1670, la commission en charge de la rédaction de l’ordonnance criminelle – qui sera promulguée quelques semaines plus tard – se réunit pour son ultime conférence. La séance du jour est notamment dédiée à l’examen de trois articles consacrés aux différents modes de résolution des litiges, amiables et judiciaires. Le projet initial se veut restrictif en interdisant les transactions au « grand criminel » tout en les autorisant en revanche dans les autres cas. Les parquets ont même l’interdiction de poursuivre dans cette dernière hypothèse, la voie amiable se voit ainsi renforcée au petit criminel. Les échanges entre les membres de la commission conduisent même ces derniers à élargir le champ des transactions et des cessions de droit en les autorisant pour tous crimes, y compris les « crimes capitaux ou auxquels il écherra peine afflictive » dans la mesure où les procureurs ont l’obligation de poursuivre dans cette hypothèse. Toutefois le nouvel article 19 du titre XXV de l’ordonnance ne précise pas ce qu’il entend par « crime capital » et ouvre ainsi la voie à un contentieux. La doctrine quant à elle se montre bien plus restrictive que le texte et en restreint le domaine d’application.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Um exemplo: à tragédia da vida junta-se o drama da justiça

"A Maria morreu, alegadamente por negligência médica, num Hospital público, ao dar à luz a segunda filha.
A bebé sobreviveu. O António ficou viúvo com as duas filhas.
Procurou que se fizesse justiça e deu entrada com uma ação no Tribunal Administrativo.
Passaram 14 anos e o processo ainda nem tem audiência prévia marcada.
Por este andar vão passar outros tantos anos até que conheça a sentença definitiva sobre o trágico acontecimento que lhe revirou a vida."

Do artigo de Mónica Quintela, O ´Manifesto 50´: da vida das pessoas, no Diário de Notícias

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O(a) novo(a) procuradora(a)-geral da República

Não irá resolver os problemas da justiça, mas, ainda que não sendo fácil, poderá contribuir.
A gestão do Ministério Público é partilhada pelo procurador-geral da República e pelo Conselho Superior do Ministério Público. Sendo o Conselho uma assembleia de membros com proveniências diversas e com diversas agendas, a convivência entre estas duas cabeças não é fácil, como a história o ilustra.
Naturalmente, como acontece em assembleias, a tendência será a de formação de maiorias, eventualmente de bloqueio, como também a história o ilustra.
Será óbvio concluir que a afirmação da autoridade do procurador-geral que agora se reclama não tem um contexto institucional que a este seja favorável.
Um procurador-geral de consenso será aquele que se venha a enquadrar com a maioria que se venha a formar, o que mais uma vez a história corrobora.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sobre as prisões

"As prisões portuguesas são instituições cruéis, assustadoras, anacrónicas, medievais, medonhas, arcaicas, degradantes, ineficazes, violentas, desumanas e dispendiosas. Esta é a constatação a que chego com os muitos anos de voluntariado prisional, confirmada pelos relatórios de várias instâncias nacionais e internacionais (Comité contra a Tortura do Conselho da Europa, Mecanismo Nacional de Prevenção da Provedoria de Justiça, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, etc…)."

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Escutas, para que vos quero

Saber em quantos inquéritos foram realizadas escutas telefónicas* é importante e, também não deixa de ser relevante, quantos os visados nessas escutas. Mas a informação torna-se pouco significativa se não se souber o que foi (des)feito com as ditas.
Quantos inquéritos em que havendo escutas foram arquivados? Em quanto inquéritos, havendo escutas, foi deduzida acusação? Destes últimos, quantas as condenações?
Para a aritmética das escutas, não poderá descartar-se a natureza dos factos a investigar nem a entidade que toma a inciativa.
O lado obscuro que envolve as escutas sempre foi uma preocupação que tive ao longo da minha vida profissional, ainda que reconheça que sem sucesso. A ausência de qualquer controlo hierárquico e a inexistência de qualquer protocolo de procedimentos numa área tão próxima da devassa há muito que deveria ter sido reconhecida e ultrapassada.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Prisões

Seis reclusos evadiram-se de uma prisão portuguesa que está envolvida por um muro de vários metros. Dois são portugueses e três estrangeiros. As autoridades sustentaram o pânico, o comentariado indignou-se, o governo espera por oportunidade para dizer de sua justiça, e a oposição quer passar despercebida.
Portugal já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por causa das condições indignas a que os presos são sujeitos. Sobre o assunto, autoridades, comentariado, governo, qual ele fosse, e oposição, qual ela fosse, mantiveram um prudente silêncio.
A moeda é a mesma, o que difere são as faces.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Direito e Justiça

Entrei numa livraria especializada em livros de direito e dei uma volta pelas estantes; há muito que o não fazia. Continuam a abundar na diversidade temática e na multiplicidade dos autores. Perante tanto direito, a crise da justiça terá também algo a ver com um direito em excesso? Ou será que na complexidade da vida a justiça precisa de outras artes e novos discursos?
A formação monocórdica e ensimesmada dos agentes da justiça está ultrapassada. Não cria proximidade, desresponsabiliza e é ilegível.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

O tempo da justiça

Em 2009, a um elemento de uma força militarizada, foi aplicada a sanção disciplinar de separação de serviço (afastamento definitivo). O visado questionou, na justiça administrativa, esta sanção.
Em dezembro de 2020, o respetivo tribunal administrativo, em primeira instância, confirmou a decisão disciplinar. Em abril de 2024, face a recurso interposto pelo sancionado, o Tribunal Central Administrativo do Sul julgou-o improcedente.

Notícia lida no JN de 25 de agosto de 2024

domingo, 25 de agosto de 2024

Tempo e espetáculo

Poucos setores da nossa vida coletiva são tão sensíveis à gestão do tempo como a aplicação da Justiça. É necessário tempo para avaliar com rigor e rapidez para decidir com respeito pelos efeitos dessa decisão.
Então como aceitar que processos se arrastem por anos e anos, quantas vezes ultrapassando uma década?Como aceitar que alguém que se divulgou como suspeito venha a ser constituído arguido vários anos depois?
E não, não me refiro apenas aos “megaprocessos” ou àqueles que envolvem pessoas com cargos políticos, o mesmo se passa com um número enorme de cidadãos que, pela gestão do tempo da Justiça, vivem anos de vidas suspensas.
Estes atropelos graves na aplicação da Justiça são ampliados pela introdução da dimensão espetáculo no funcionamento do Sistema Judicial.
Inaugurado pela entrada no Parlamento acompanhado pelas câmaras de televisão de um juiz para prender um deputado, o exercício da Justiça-espetáculo passou a fenómeno recorrente. Buscas televisionadas com comentadores em direto e longas horas de exposição mediática. Manchetes de jornais e televisões a partir de peças processuais em segredo de justiça, de tudo um pouco.
E que dizer da propensão de alguns responsáveis pela denominação “imaginativa” (não as refiro propositadamente) de processos de investigação, mais própria do marketing de Séries B de Hollywood ou então dos especialistas de comunicação de alguns dos nossos tabloides?

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Delação e convicção

"A sentença, baseada na delação de quem denuncia ou na convicção de quem acusa, precede a defesa ou a apresentação de qualquer prova. A condenação de inocentes é irrelevante. Importante é a promessa de um futuro que justifica o sacrifício de vidas, o apagamento da verdade, dos factos e, até, do passado."

Maria de Lurdes Rodrigues, O futuro contra o presente, no Jornal de Notícias

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Boa educação

"Todos sabemos, infelizmente, que a pontualidade não é um valor que se cultive entre nós. Mas também todos sabemos que a mais elementar regra de boa educação leva a que quem se atrasou peça, sem “mas” nem “ses”, desculpa pelo atraso. Se assim for, tudo se inicia com o tom e a substância da intersubjectividade que correm entre “decent people”.
Por isso, é inadmissível que os senhores juízes ou as senhoras juízas, com marcantes e saudáveis excepções, cheguem atrasadíssimos aos actos a que devem presidir, mormente audiência de discussão e julgamento, e não tentem sequer balbuciar um simples e educado pedido de desculpa."

Do artigo do Prof José de Faria Costa, A Justiça e as pequenas coisas, publicado no Público de hoje, com leitura obrigatória

sábado, 3 de agosto de 2024

“Seres superiores”

Não creio que estas coincidências sejam necessariamente o resultado de uma qualquer ação concertada do ponto de vista político-partidário, mas tenho para mim que se trata sobretudo de uma demonstração de poder por parte de certos sectores do Ministério Público, que se assumem como “seres superiores”, que decidiram desempenhar o papel de reguladores ético-sociais da nossa sociedade.”

Eduardo Marçal Grilo, Manifesto, no Diário de Notícias

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Insólito


"O Tribunal de São João Novo, no Porto, absolveu esta sexta-feira um pirata informático luso-russo, que havia sido denunciado pela polícia norte-americana (FBI) à Polícia Judiciária e estava acusado de administrar um site que vendia dados ilícitos, nomeadamente contas bancárias e credenciais de cartões de crédito.
Sergey Gusev, que estava em prisão preventiva na cadeia de Custóias e vai ser libertado imediatamente após ter assistido à leitura da sentença por videoconferência, respondia pelos crimes de associação criminosa, sabotagem informática, acesso ilegítimo, atos preparatórios de contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático e ainda branqueamento."

Nota: o arguido encontrava-se em prisão preventiva há um ano.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Arqueologia do Ministério Público (2)

Sendo o titular da ação penal, o Ministério Público deveria ter a capacidade de orientação e articulação da respetiva investigação criminal. Não haverá uma política criminal que possa ser levada a cabo sem essa capacidade. No início da década de 90 do século passado, havia já uma preocupação de quem dirigia o Ministério Público sobre tal matéria. O risco da "policialização" do sistema, com a subalternização do Ministério Público, esteve num debate público que entretanto se diluiu com o fim do mandato de Cunha Rodrigues como procurador-geral da República.
Consequência da dissolução funcional da hierarquia, o que era um risco tornou-se numa realidade. Ministério Público e polícias passaram a concorrer no mesmo palco mediático, num torneio de primeiras páginas ou de aberturas de noticiários.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Arqueologia do Ministério Público (1)

Há um certo exagero em responsabilizar a atual procuradora-geral da República por uma atuação do Ministério Público que tem merecido um alargado consenso crítico. Mais do que uma causa, a procuradora-geral da República é uma das consequências de um caldo de cultura institucional que se foi afirmando ao longo de décadas. Com a saída de Cunha Rodrigues, procurador-geral da República entre 1984 e 2000, a ideia de uma autonomia do Ministério Público como sendo a autonomia funcional de cada um dos magistrados, relegando a noção de hierarquia para aspetos de mera gestão administrativa, fez, progressivamente, o seu caminho. Quem tentou opor-se a essa caminhada, como foi o caso de Pinto Monteiro, procurador-geral da República entre 2006 e 2012, foi esmagado por uma aliança entre essa prática já instalada e uma comunicação social que dela tirava dividendos. Só por ironia se pode agora dizer que a situação se deve a uma inabilidade comunicacional da procuradora-geral da República. 

terça-feira, 9 de julho de 2024

Más condutas

"Police and prosecutorial misconduct is a leading contributing factor in a significant number of recorded exoneration cases since 1989.

Police misconduct has disproportionately contributed to the wrongful conviction of people of color, many of whom live in communities that are more heavily policed. In many cases, police officers have abused their authority and violated people’s constitutional rights by using coercive interrogation techniques, lying on the stand, failing to turn over exculpatory evidence, working with unreliable informants, displaying outright prejudice, and more. Due to a lack of transparency and accountability mechanisms, these types of misconduct often go unchecked. Currently, the majority states keep police disciplinary records confidential, making it difficult for the public to know when officers are repeatedly engaging in misconduct and if they are being held accountable for their actions. 
Prosecutorial misconduct occurs when a prosecutor seriously violates the law or a code of ethics while prosecuting a case. In a majority of cases where wrongfully convicted people have experienced this kind of misconduct, prosecutors have been accused of making improper arguments at trial, purposely withholding evidence of innocence or other favorable evidence (in what is known as a Brady violation), and more. Because these prosecutors often control access to evidence needed to investigate such claims of misconduct, it is difficult to measure the full scope of prosecutorial misconduct that has taken place in the U.S. Furthermore, the disciplinary systems in place that would hold these prosecutors accountable are gravely insufficient."



segunda-feira, 8 de julho de 2024

Outra absolvição autárquica


"O presidente da Câmara de Vieira do Minho, António Cardoso, foi esta segunda-feira absolvido no caso da contratação do jurista Cristiano Pinheiro, também ilibado. O vereador Afonso Barroso foi igualmente absolvido.
Na leitura da sentença, esta segunda-feira à tarde, a juíza considerou que ao contrário do que se afirmava na acusação do Ministério Público e no despacho de instrução para julgamento, não houve qualquer dolo da parte de nenhum dos três arguidos.
O presidente da autarquia e o vereador tinham sido acusados do crime de prevaricação pela contratação do jurista que, em 2019, era membro da Assembleia Municipal de Vieira do Minho. Cristiano Pinheiro foi contratado, por avença, para auxiliar a única jurista do município na condução de processos de contraordenação já em risco de prescrição."