sábado, 30 de julho de 2011

Segurança

As questões de segurança, aqui tomada no seu sentido mais amplo, continuam, sempre por más razões, na ordem do dia. Não havendo, nesta matéria, ideias e práticas que sejam um património comum da expressão política e da integridade do Estado, o espetáculo que se dá é, a um tempo, risível e inquietante.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Deiar

Foi um dos juízes mais emproados que conheci. Tinha da cultura uma visão jurisprudencial. Um dia, li um seu despacho em que dizia, literalmente, Deia-se vista ao MP. O MP é a versão económica de Ministério Público. Pensei ser um lapso. Não o era, era uma convicção. Foi a conclusão a que cheguei depois de ter lido a mesma frase em muitos outros despachos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O corregedor

Era alto, encorpado, e tinha uma voz a condizer. Conheci-o quando exerci funções na minha primeira comarca. Ali se deslocava, uma ou duas vezes por mês, para presidir ao tribunal coletivo. Tinha a autoridade que o Estado de então lhe emprestava. Para os funcionários, dia de coletivo era dia de apertarem os colarinhos e não trazerem a gravata descaída. As audiências, marcadas para as 9 horas e 30 minutos, começavam a essa hora. Era a essa hora que, imperial, entrava na sala. Num dia de Verão em que o julgamento concitou muito público, mandou evacuar a sala por causa do cheiro de que estava empestada, sem deixar de aconselhar os presentes a tomarem banho. Muitos anos passados, já jubilado, vi-o, em romaria, dirigir-se para um comício eleitoral do CDS.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Perda de soberania

Perda de soberania é isto.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Antes de mais

É assim, antes de mais, que muitos magistrados iniciam os seus despachos. É um tique que não vem nos códigos, mas diz bem da formação por osmose. Tentando descobrir donde vem ele, o tique, fui levado à conclusão que o magistrado formador já o tinha. Passa do formador para o formando, antes de mais. Não se exige a um magistrado que seja um estilista, o que não significa, porém, que deva tornar-se num estiloso.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Parentesco outro

A adoção não é um direito de casais. Em abril último, 385 pessoas vivendo sozinhas estavam inscritas nas listas nacionais de candidatos a adotantes. Este número correspondia já a um quinto do número total dos processos existentes. É uma nova realidade que não pode ser dissociada daquela outra em que um número crescente de mulheres quer assumir a maternidade sem a ter de compartilhar com uma paternidade.

domingo, 24 de julho de 2011

Feios, porcos e maus

O DN traz uma notícia(?) sobre a doença de um familiar de Sócrates. Os comentários são do mais sórdido que se possa imaginar. Tornaram-se possíveis graças ao caldo de (in)cultura ética que comentadores, jornalistas e políticos que integram a atual maioria fomentaram nos últimos seis anos. São eles que devem ao país um pedido de desculpas.

A prova impossível

Em 21 de junho de 1983, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu um assento que é um atestado de desonestidade moral para todas as mulheres.
Aí se decidiu que, na falta de presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da conceção, só com o investigado manteve relações sexuais.
Trocado por miúdos, não bastaria provar que a mãe teve relações sexuais com A no período legal da conceção; necessário se tornaria fazer prova de que não as teve com qualquer outro homem.
Trata-se de uma decisão que, à semelhança de outras respeitantes à investigação de paternidade, dividiu o Tribunal, e onde se fizeram ouvir vozes que anunciavam a necessidade de uma justiça sem preconceitos.
Não pode deixar de ser anotada a afirmação do Conselheiro Lima Cluny, que votou contra a decisão, de que a mãe do investigante goza de presunção natural de honestidade, no sentido de que não é mulher de mais de um homem simultaneamente.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vaticínio

Também nós, mais cedo ou mais tarde, teremos um patriótico News of the World.

Oslo

Há uns anos, em período eleitoral, estive em Oslo alguns dias. Fiquei admirado com uma campanha suave, onde a tolerância identitária parecia ser o denomidador comum. Ao percorrer, utilizando o elétrico, as zonas periféricas, essa perceção inicial desvaneceu-se, ficando-me uma sensação de que havia algo de imponderável. O imponderável aconteceu, hoje.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Tribunal de júri

Sobre o tribunal de júri já escrevi aqui. Volto ao tema após a leitura das pertinentes considerações tecidas pelo Gomez sobre as opções do Ministério Público nesta matéria. Só residualmente o Ministério Público requer os julgamentos perante o tribunal de júri e fá-lo, não tenho dúvidas, pelas piores razões. Quando o populismo se torna uma estratégia do acaso, é a credibilidade da justiça que perde.

German Law Journal No. 7 (2011)

Articles
The Global Administrative Order Through a German Lens: Perception and Influence of Legal Structures of Global Governance in Germany - Phillipp Dann & Marie v. Engelhardt
Bringing “Justice” Home? Bosnians, War Criminals and the Interaction between the Cosmopolitan and the Local - Olivera Simic
The Process of Granting Exclusive Rights in the Light of Treaty Rules on Free Movement - Marek Szydło
Does the European Commission Have Too Much Power Enforcing European Competition Law? - Milana S. Karayanidi
Multilingualism and Multijuralism: Assets of EU Legislation and Adjudication? - Theodor Schilling
Developments
Case Note—Judgment of the Bundesgerichtshof (Federal Court of Justice of Germany) of 22 March 2011: Passion to Inform— BGH Expands Banks’ Advisory Duties - Jean David Jansen
Transforming Researchers into Educators: Some Reflections on the University College Dublin School of Law Syllabus Design Workshop 2010 - Donal K. Casey, Mary Dobbs, Alan Greene, James Lawless & Niamh M. Mulholland
Review Essay—The Mystic Wand of Participation: An Appraisal of Mark Mazower’s “No Enchanted Palace: The End of Empire and the Ideological Origins of the United Nations” (2010) - Mai Taha
Book Review – David A. Strauss’ The Living Constitution (2010) - Artour Rostorotski

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Interrogatório do arguido

O interrogatório do arguido, no âmbito do inquérito, só poderá ter alguma relevância na audiência de julgamento quando for gravado em imagem e som. Até lá, a atual solução legal é a única que se adequa ao nosso estado civilizacional. Tal gravação não apresentará dificuldades técnicas e permitirá uma melhor administração da justiça. Agora que nos aproximamos do inquérito desmaterializado, seria o momento oportuno para integrar uma ferramenta deste tipo na aplicação informática que está a ser desenhada.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Questões de saúde

Há cerca de um ano, fiz uma viagem de barco, entre o Pico e o Faial, na companhia ocasional de um casal de açorianos que vivia nos EUA. Já reformados, aproveitavam a vinda aos Açores, habitualmente no Verão, para irem ao Centro de Saúde. Apesar de longe, apesar dos muitos anos passados, era no seu país que a doença melhor lhes era acautelada.

Pena de morte, ao arbítrio

No Alabama, juízes eleitos substituem largas dezenas de penas de prisão perpétua, aplicadas por um júri, em penas de morte. Ainda que a lei também o permita no Delaware e na Flórida, essa faculdade não tem sido utilizada nestes Estados. A Equal Justice Initiative elaborou um impressivo relatório sobre a arbitrariedade e a pouca credibilidade de tais decisões.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Questionar o óbvio

Em 16 de outubro de 1984, o Supremo Tribunal de Justiça, decidiu, por assento, que “por respeitarem a direitos indisponíveis, os factos confessados pelo pretenso pai em ação de investigação de paternidade contra ele proposta devem ser levados ao questionário e não à especificação.”
A decisão dividiu os Conselheiros que o subscreveram e reflete a cisão ideológica então existente. Ganhou a linha conservadora, ainda que já fosse significativo o número daqueles que tinham outros olhos para as questões da paternidade.
Questionar uma carta em que alguém assume uma paternidade e que o seu autor não questiona, diz bem dos labirintos em que a história da investigação da paternidade se foi tecendo.

domingo, 17 de julho de 2011

Mais pobres

Com a desistência dos direitos especiais que o Estado detinha em algumas empresas, o país não ficou mais rico nem aumentou a sua respeitabilidade. Pelo contrário, ficou ainda mais desprotegido. A preços de nada, apenas como contrapartida política de contornos pouco nítidos, vendeu-se a alma ao diabo do mercado. Como aqui se escreveu, a questão pouco tem a ver com o défice.

sábado, 16 de julho de 2011

Jurisprudência de caserna

“I - A palavra “caralho”, proferida por militar (Cabo da Guarda Nacional Republicana), na presença do seu Comandante, em desabafo, perante a recusa de alteração de turnos, não consubstancia a prática do crime de insubordinação por outras ofensas, previsto e punível pelo artigo 89º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar.
II - Será menos própria numa relação hierárquica, mas está dentro daquilo que vulgarmente se designa por “linguagem de caserna”, tal como no desporto existe a de “balneário”, em que expressões consideradas ordinárias e desrespeitosas noutros contextos, porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalações da GNR) e inter pares (o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º Sargento, com quem tinha uma especial relação de proximidade e camaradagem) e são sinal de mera virilidade verbal. Como em outros meios, a linguagem castrense utilizada pelos membros das Forças Armadas e afins, tem por vezes significado ou peso específico diverso do mero coloquial.”

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Outubro de 2010

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A(s) escola(s)

O país teve uma excelente ministra da educação: Maria de Lurdes Rodrigues. É hoje percetível que o quadro de ação que traçou, continua a ser aquele que se torna necessário. Afinal, a história está mais próxima da justiça do que poderia parecer.

O Alfa e o Ómega da jurisprudência

Há um para lá e outro para cá. Seja para a jurisprudência dos tribunais de 2ª instância, seja para a dos Supremos. Se agora é assim, com o Alfa a vencer as distâncias, o que não será quando a justiça estiver desmaterializada? O Alfa tornar-se-á desnecessário, tal como o papel. Teremos, sem sair de casa, o Ómega da jurisprudência.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Perversão

Permanece inexplicável que dirigentes policiais, alguns deles magistrados, continuem, em júbilo, a dar a cara por detenções que efetuaram antes delas serem judicialmente validadas. É óbvio que, quando o não são, a culpa é dos juízes. Pelo menos, nas bocas do mundo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Mães ilegítimas, 1973

“Já se pretendeu, em meios onde o problema dos filhos ilegítimos foi visto sob prismas diferentes do estritamente jurídico, que não pode falar-se em maternidade ilegítima, porque a mãe é sempre legítima. Não é, porém, assim. Em direito – e só nesse campo nos podemos aqui colocar – é ilegítimo o que não é secundum legem. A maternidade, tal como a paternidade, é ilegítima desde que seja alheia ao matrimónio, desde que, portanto, o filho provenha de relações sexuais ilícitas, de comércio carnal passageiro e ocasional ou de concubinato. Apesar de uma certa corrente, mesmo de católicos, começar a admitir sem rebuços as relações pré-matrimoniais, a nossa lei continua a seguir a doutrina e moral cristãs, que consideram ilícitos todos os contactos sexuais fora do casamento.”

M. Baptista Lopes, Juiz de Direito, Filhos Ilegítimos - 1973

domingo, 10 de julho de 2011

Em busca de um pai perdido

Haverá alguma relação, ainda que obscura, entre a paternidade psicanalítica e a paternidade jurisprudencial. A diversidade das decisões ao longo dos anos, nessa perspetiva, não será o resultado do confronto de valores, mas a resposta compulsiva a traumas (quase) inconscientes. Em matéria de família, o direito é cada vez menos, a terapia deveria ser cada vez mais. Quando se anunciam reformas na formação dos magistrados, prepará-los para se livrarem dos seus fantasmas será, com certeza, uma exigência curricular.

sábado, 9 de julho de 2011

Nicho de mercado

A retórica da luta contra a corrupção tem sido um nicho de mercado repartido entre a Dra. Maria José Morgado e o Dr. Paulo Morais. A partir de agora, terá também de ser repartido com a Dra. Paula Teixeira da Cruz.

A prioridade das prioridades

A hierarquização dos crimes encontra-se na lei, na lei criminal por excelência que é o Código Penal. A sua relevância, a sua gravidade, mede-se pela quantidade da pena. Naturalmente, o crime dos crimes é o homicídio cometido voluntariamente. É este que deve merecer a atenção primeira do Ministério Público. A definição das prioridades não é atributo de polícias ou de magistrados. A avaliação da atividade da investigação criminal passa pelo conhecimento do (in)êxito do procedimento criminal pelos crimes de homicídio voluntário. Por exemplo, seria importante que o Ministério Público prestasse contas sobre os homicídios que, cometidos nos últimos anos, continuam no armário das causas perdidas.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A prova dos nove

É hoje certo que a desaprovação do Programa de Estabilidade e Crescimento IV não trouxe mais futuro ao país. Pelo contrário, permitiu que as incertezas justificassem a ganância dos mercados. Quem pudesse acreditar que os mercados acreditam mais num governo à direita do que num governo à esquerda, estará desiludido. Foram meses perdidos num momento em que nem um dia seria de perder.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Denúncia anónima 3

O artigo 101.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), sob a epígrafe Legitimidade para a denúncia, estatui:
1 - Qualquer pessoa tem legitimidade para comunicar à câmara municipal, ao Ministério Público, às ordens ou associações profissionais, ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P., ou a outras entidades competentes a violação das normas do presente diploma.
2 - Não são admitidas denúncias anónimas.

Face a tal disposição, pode o Ministério Público servir-se das denúncias anónimas que caiam neste espaço para questionar, nos tribunais administrativos, a violação de normas no RJUE?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Montalegre

domingo, 3 de julho de 2011

O PREC 2

Com a contribuição do PC e do BE. Naturalmente.

sábado, 2 de julho de 2011

Enriquecimento ilícito

Um rico nunca enriquece ilicitamente; a um pobre, pode acontecê-lo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Complementaridade

Não é possível continuar a manter em compartimentos estanques informação, prevenção e investigação. Na atividade de um Ministério Público que esteja em concertação com o seu tempo, ignorar a complementaridade dessas três vertentes é condenar ao insucesso a sua função. Mais importante do que a autonomia é a gestão criteriosa dos meios e dos fins. Se há ou não um Ministério Público capaz de concretizar esse desafio, tornou-se uma questão da democracia.

Frete

Só depois de 5 de Junho de 2011, a comunicação social descobriu que lá por fora o mundo treme. E que treme de tal modo que até se justifica que, em tempo de vacas magras, a RTP mande alguém à Grécia para nos assustar com o que lá se passa. Nunca gostei de palavras ambíguas; frete é uma delas. Mas é a que consigo associar a uma comunicação que perdeu o sentido da independência.

Os casos

“Apito Dourado” e “Saco Azul” foram os petits noms dos processos que durante anos sustentaram a atividade do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Judicialmente, deram em nada, ou quase nada. Não será possível continuar a ignorar estas situações. Não só pelo que consomem ao erário público mas também pelo que degradam a investigação criminal. Não há autonomia, seja ela funcional ou técnica, que resista à ineficiência.