terça-feira, 31 de maio de 2022

In absentia

Será possível que um qualquer cidadão possa ter tido os seus metadados legalmente devassados sem nunca o saber ou vir a saber? É. Quantos o foram, faltam os números. 
Se num inquérito em que foram utilizados os metadados e vier a ser deduzida uma acusação, o arguido sabê-lo-á. Se o inquérito for arquivado, o visado, tenha sido ou não constituído arguido, provavelmente não o saberá.
Esta ignorância do cidadão é despropositada e desproporcionada. O que se espera é que o legislador o venha a ter em consideração, determinando a obrigatoriedade de dar conhecimento ao visado daquela diligência investigatória em prazo em que esse conhecimento não prejudique a investigação ou logo após a cessação do segredo de justiça.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Ler a lei

 Artigo 449º do Código de Processo Penal

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

Artigo 126º do Código de Processo Penal

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

*Sublinhado minha responsabilidade


terça-feira, 17 de maio de 2022

A novela

As ondas de choque provocadas pela declaração de inconstitucionalidade das normas em vigor sobre o armazenamento e utilização dos metadados vão continuar; nem mesmo a aprovação de novas normas terá o condão de as fazer cessar.
As declarações do primeiro-ministro, no sentido de diminuir a sua relevância, no que diz respeito à violação da privacidade, em confronto com as escutas, não foram felizes. Num tempo em que vivemos pendurados nas comunicações dos mais variados tipos, a definição de um perfil de utilizador é tanto ou mais invasivo do que eventuais escutas, permitindo o conhecimento de uma vida em rede; que é cada vez mais a vida de cada um de nós.
Também não deveria ter afirmado, com tanta fé, que os casos em que houve decisões com trânsito em julgado não seriam afetadas. Se a utilização dos metadados foi o alfa e ómega de uma condenação, ou for tida como tal, muito haverá a discorrer na jurisprudência.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Uso, desuso e abuso

Sobre as leis, é também preciso saber o que fazemos com elas. Umas vezes, esquecemo-las; outras, mais do que o uso, fica-se perto do abuso.
As normas sobre o armazenamento dos metadados e o seu uso para efeitos de investigação criminal, agora consideradas inconstitucionais, seria um bom campo de reflexão sobre esta matéria, se fosse o acaso de se conhecerem os números e os contextos; o que não é o caso.
Nos quase 14 anos em que a lei esteve em vigor, em quantos inquéritos foram proferidos despachos judiciais para acesso aos mesmos? Em que fase do inquérito o foram? Em quantos inquéritos, com utilização desse instrumento, foram proferidos despachos de arquivamento? E em quantos foi deduzida acusação? Houve julgamentos em que esse elemento de prova foi tido em consideração?
O legislador parece ter querido parcimónia no seu uso. É o que se conclui do que estabeleceu no nº 1 do artigo 9, da Lei nº 32/2008:
A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
Haverá assim tantos crimes graves em que o acesso aos metadados é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter? Ou ter-se-á caído na banalização do uso de um meio de investigação que questiona, seriamente, a privacidade das comunicações?

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Desinformação

 ¿Cómo podría combatirse la desinformación que nos rodea y nos atropella?

Cultivando una desconfianza también frente a quienes se ofrecen a protegernos frente a ella.


quarta-feira, 4 de maio de 2022

Leituras

 

O seu legado deixou uma profunda mudança na investigação criminal e os resultados não parecem ter sido famosos. As mais estridentes investigações em megaprocessos, por tempo infindável, deixaram um mal-estar na sociedade, acabaram por acentuar a falta de confiança na justiça. Mas, pelo menos, o Dr. Cunha Rodrigues assumiu frontalmente a liderança do Ministério Público, ele era, de facto e de direito, quem mandava na corporação. E isto tinha o mérito de conhecermos o responsável pelo Ministério Público.
Os seus sucessores mostraram-se incapazes de liderar, o sistema feudal instalou-se, o sindicato reforçou o seu poder sobre uma instituição do Estado. O procurador Fernando Pinto Monteiro, um juiz com uma carreira de enorme mérito, uma personalidade corajosa e independente, reconheceu a sua impotência ao afirmar que tinha os poderes da rainha de Inglaterra.
O modelo é original, nenhuma democracia consolidada o seguiu.
O poder político não se atreve a mexer-lhe, os poderosos media que se alimentam dele não permitem que alguém ouse falar disso, veja-se o caso que aconteceu a Rui Rio quando ousou propor que o Conselho Superior do Ministério Público tivesse uma maioria de não magistrados.
Penso não me enganar ao dizer que o sistema veio para ficar. Continuaremos a eleger o presidente da  República, os deputados, os autarcas, mas nenhuma palavra temos a dizer sobre o poder judicial, embora se reconheça que funciona mal e não merece a confiança da maioria dos portugueses.

(Pags. 352/353)