segunda-feira, 30 de novembro de 2015

As cenas da justiça

A cena do microfone-espião no gabinete do Procurador-Geral da República é já muito antiga. Não me lembro de como terminou, a não ser que terminou sem ter sido levada muito a sério. As cenas da justiça, as de hoje, continuam a não ser levadas muito a sério. Um pacto de silêncio desmerece a ética e o profissionalismo. O que está em causa é o caldo de cultura de que aqui falei, há mais de cinco anos, ingloriamente.

Leituras

Quatro são, disse, as bases em que assenta a civilização europeia, quatro os princípios que constituem a sua individualidade ou essência. São eles a Cultura grega, a Ordem romana, a Moral cristã e a Política inglesa. Não temos que ver se esses princípios nos são agradáveis, a cada um de nós pessoalmente, ou se não nos são agradáveis. Temos que saber que são e o que são. Não temos que servir-nos da razão estulta - que, porque é estulta, não é razão - de que não somos cristãos, ou não somos ingleses; pela mesma razão repudiaríamos o que nos deram a Grécia Antiga e a antiga Roma, pois nenhum de nós hoje é grego da antiguidade ou romano da Roma extinta. É a civilização construída por uma série de criações, cada uma das quais, por uma razão de ambiente próprio e circunstâncias históricas propícias, particularmente compete a uma determinada nação. Pretender repudiar um princípio formador de civilização porque seja alheio à nossa índole, ou quer dizer que repudiamos a mesma ideia de civilização, que envolve transformação e portanto alterações de «índoles», ou que julgamos a nossa nação apta a produzir em si mesma a civilização inteira, conceito que pode surgir só no cérebro de um megalómano patriótico.

(pgs. 204/205)

sábado, 28 de novembro de 2015

A Ponte dos Espiões

O filme de Spielberg é uma lição sobre a ética que deve informar a justiça; mesmo quando um hipotético interesse nacional está em causa, não se pode/deve ceder nos princípios. A justiça não é uma aparência, uma encenação para consumo social. O está-se mesmo a ver que é culpado é um dos mais perigosos argumentos judiciários.

Segurança Interna e Política Criminal

O Programa do XXI Governo Constitucional conjuga, sob a mesma epígrafe, a Segurança Interna e a Política Criminal. É uma opção inovadora e que anuncia que se irá ultrapassar a estanquidade dos conceitos e das práticas. O reforço da capacidade de intervenção do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e a criação de um Centro de Comando e Controlo encontrará as naturais resistências que são consentidas por um número injustificado de operadores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Agilizar a Justiça

Do Programa do XXI Governo Constitucional, no que à Justiça diz respeito, destacam-se as medidas em que a arbitragem e outros meios alternativos assumem uma particular relevância:

O alargamento da competência e da rede dos julgados de paz, bem como dos centros de mediação e de arbitragem; 
A limitação da possibilidade de um litígio entre pessoas coletivas públicas ser dirimido através dos tribunais, impondo-se valor mínimo das causas, fomentando os pré-pagamentos e incentivando-se o recurso à mediação ou à arbitragem;
A adesão geral das entidades da Administração Estadual à jurisdição dos centros de arbitragem administrativa já existentes, assim se permitindo um julgamento mais rápido e barato de litígios que oponham cidadãos e empresas às entidades públicas, designadamente, em matéria de contratação pública, funcionalismo público e contencioso em matéria de utilização de fundos comunitários, sem prejuízo de exclusões motivadas por questões de segurança e de defesa; 
O investimento em incentivos à prevenção do conflito ou ao recurso a meios alternativos, em especial no âmbito das relações de vizinhança, relações familiares, heranças e em casos de sobreendividamento, através, designadamente, do estabelecimento de processos alternativos obrigatórios e do estabelecimento de regras que responsabilizem conjuntamente credor e devedor quando o incumprimento de um contrato for previsível por parte do credor;
A imposição de os litígios emergentes de contratos de fornecimento de serviços de televisão, telecomunicações e de Internet, bem como de fornecimento de eletricidade, água e gás, passarem a estar sujeitos a arbitragem obrigatória, não podendo os custos do uso da arbitragem para o consumidor ser superiores a 5% do valor do IAS por ação.

Leituras

A obra de Pessoa define metatextualmente a ficção de um Livro ideal nunca atingido (talvez inatingível), partindo de livros existentes. Os metatextos, ora descritivos, ora normativos, inventam um fantasma de obra ao qual comparam, com decepção e angústia, a escrita realizada. Este modelo de totalidade define-se como uma construção ou, de acordo com uma metáfora atribuída por Pessoa a Aristóteles, um animal ou organismo, uma organização de órgãos com funções e relações com o todo definidas.

(pag. 261)

Da nota de divulgação da Universidade do Porto:
No próximo dia 30 de novembro completam-se 80 anos da morte de Fernando Pessoa e a Universidade do Porto vai assinalar da data com uma conferência intitulada "Fernando Pessoa e a sua época". Integrada na jornada comemorativa do centenário da revista Orpheu, a conferência será proferida por Pedro Eiras, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Como Fernando Pessoa participou, através de Álvaro de Campos na revista Orpheu. O papel de Fernando Pessoa na revista e o papel da revista na vida do autor da Ode Triunfal, este encontro entre o poeta e a revista vai ser o mote para a conferência. Apesar da sua curta existência, apenas dois números publicados nos primeiros trimestres de 1915, a revista Orpheu revolucionou o panorama social e cultural do país.
Recordamos que para celebrar o centenário da revista Orpheu, a Universidade do Porto tem patente a exposição "Orpheu e a sua época". Instalada na antiga Sala de Mineralogia, logo à entrada do edifício da reitoria, a exposição pode ser visitada até 15 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 10h00 às 18h00. A palestra de Pedro Eiras acontece às 18h00 de dia 30 de novembro na Biblioteca do Fundo Antigo, ao edifício da reitoria da U.Porto.
A entrada é livre.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Leituras

No total, entre o primeiro acto terrorista da rede MDLP, e grupos associados, em Maio de 75, e o último, em Abril de 77, houve 566 acções, assim discriminadas:
- 310 atentados bombistas
- 136 assaltos
- 58 incêndios
- 36 espancamentos
- 16 atentados a tiro
- 10 apedrejamentos
Cerca de metade destas acções criminosas ocorreram nos primeiros seis meses, mas prosseguiram para além do 25 de Novembro e da promulgação da Constituição. Iriam diminuindo de intensidade, depois da entrada em funções do 1º Governo Constitucional, em Julho de 1976, para o que contribuiu a prisão pela Polícia Judiciária de alguns dos operacionais.

(pag. 74)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Os prazos (2)

Os prazos de prisão preventiva protegem os cidadãos dos caprichos: sem eles, os prazos, esses caprichos, mais do que uma tentação, seriam uma certeza.
Um processo equitativo, leal e convincente não se coaduna com prazos de prisão preventiva que não se afigurem razoáveis, nomeadamente quando, decorridos, os arguidos podem continuar a não conhecer a sua culpa.
O aumento dos prazos de prisão preventiva tem resultado mais de pressões corporativas do que de exigências funcionais objetivas.
Estou em crer que esse aumento foi um dos contribuintes para a banalização da prisão preventiva, com o seu eco comunicacional de condenação prévia.

domingo, 22 de novembro de 2015

Os prazos (1)

O Código de Processo Penal de 1929 estabelecia no seu artigo 308º, e sob a epígrafe Prazos de prisão preventiva sem culpa formada, o seguinte:
Nenhum arguido pode estar preso sem culpa formada além dos prazos marcados pela lei
§ 1º Desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público, esses prazos não podem exceder:
1º Vinte dias, por crimes dolosos a que caiba pena correcional de prisão superior a um ano;
2º Quarenta dias, por crimes a que caiba pena de prisão maior;
3º Noventa dias, por crimes cuja instrução preparatória seja da competência exclusiva da Polícia Judiciária ou a ela deferida.
§ 2º Desde a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1ª instância, os prazos de prisão preventiva não podem exceder:
1º Três meses, se à infração couber pena a que corresponde processo correcional:
2º Quatro meses, se ao crime couber pena a que corresponde processo de querela.
A redação do preceito com este teor resultou do Decreto-Lei nº 185/72, de 31 de maio, traduzindo-se num aumento substancial dos prazos de prisão preventiva sem culpa formada até então em vigor.

sábado, 21 de novembro de 2015

Uma justa indemnização

The government of Washington, D.C., has agreed to pay $16.65 million to a man after a federal jury found that two police detectives had framed him for the 1981 rape and murder of a college student, a crime for which he was wrongly imprisoned for 27 years.

The amount was the largest in a civil rights verdict in the history of the District of Columbia, said a lawyer for the man, Donald E. Gates, and raised the possibility that the retired detectives, Ronald S. Taylor and Norman Brooks, might have committed similar misconduct in hundreds of homicide cases going back three decades.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A pseudociência forense

But questions of forensic science’s reliability go well beyond hair analysis, and the FBI’s blunders aren’t the only reason to wonder how often fantasy passes for science in courtrooms. Recent years have seen a wave of scandal, particularly in drug testing laboratories. In 2013 a Massachusetts drug lab technician pled guilty to falsifying tests affecting up to 40,000 convictions. Before that, at least nine other states had produced lab scandals. The crime lab in Detroit was so riddled with malpractice that in 2008 the city shut it down. During a 2014 trial in Delaware, a state trooper on the witness stand opened an evidence envelope from the drug lab supposedly containing sixty-four blue OxyContin pills, only to find thirteen pink blood-pressure pills. That embarrassing mishap led to a full investigation of the lab, which found evidence completely unsecured and subject to frequent tampering.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Húmus

Dou comigo a reler o Húmus, de Raul Brandão. A vila de ontem parece-me a cidade de hoje; só que com mais encurralados na mesma paciência pegajosa. A resignação continua um valor e a inveja um argumento. Ligo a televisão e o que descubro é que a realidade é a manha, a astúcia que cada um põe em jogo. São as sombras que teimam em comandar a vida, com um inferno anunciado em cada dia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Responsáveis pelo erro judicial


Da entrevista com Reuven Fenton:

IP: You interviewed exonerees from all over the country. What would you say was the biggest contributing factor in their wrongful convictions?
RF: Misconduct by police or prosecutors had a role in the convictions of 47 percent of the 1,700 people listed on the National Registry of Exonerations, as well as nearly all the exonerees profiled in this book.
One of the exonerees I profiled, Devon Ayers, was wrongfully convicted as a teenager of murdering a Federal Express employee and a livery cab driver in the Bronx. He was a classic victim of unfair and overly aggressive law enforcement practices. Ayers might not have done 18 years in prison had police turned over a crucial surveillance video that discredited one of the key witnesses. While researching his case, Ayers’s legal team discovered that police had also fed crime scene details to two drug-addicted witnesses to help them “recollect” what they’d seen.

Tempos outros

Em 9 de novembro, em Washington, delegações dos EUA e de Cuba reuniram-se visando a cooperação nas áreas do terrorismo, do narcotráfico, do crime transnacional, do cibercrime e da segurança nos transportes e no comércio.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Brandos costumes

Dezenas de milhares de cidadãos manifestaram-se, em Madrid, no passado sábado, contra o terrorismo machista.
Pelo menos no noticiário da RTP, na discreta notícia que passou sobre o acontecimento, falou-se de uma manifestação contra a violência doméstica, sem que antes se referisse, diria que ironicamente, o número de queixas que neste âmbito são apresentadas por homens.
A expressão violência doméstica alivia as consciências e pretende fazer crer que, em matéria de violência, há uma paridade de género.
A indiferença social perante a violência exercida sobre as mulheres tem de combater-se com outras palavras: palavras tão violentas quanto a violência que sobre elas é exercida.

sábado, 7 de novembro de 2015

Tempos outros

Our sense of and respect for authority has changed dramatically over the last ten or so years. This shows in the courtroom, where the judge is no longer seen as the natural authority. These modifications in the social life should also be visible in a criminal procedure. 

German Law Journal, em edição sobre Plea Bargains in Germany 

sábado, 31 de outubro de 2015

Capacidade de síntese

Em maio de 2007, tive a oportunidade de expor à Senhora Cristy McCampbell, então Deputy Assistant Secretary do Department of State, o que se fazia em Portugal no combate ao narcotráfico. Acreditava, na altura, que era possível uma maior protagonismo português, uma protagonismo que não fosse paroquial, na cooperação internacional nessa área da criminalidade. Um amigo deu-me a conhecer, através da Wikileaks, o relatório que foi elaborado pelas autoridades americanas sobre a reunião. O que aí se escreveu é o retrato exato do que disse, com uma capacidade de síntese que só pessoas muito experimentadas conseguem.
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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Leituras

O sistema pluralista das instituições que se contrabalançam e fiscalizam reciprocamente corre perigo precisamente no campo dos meios de informação das massas. Verifica-se uma tendência evidente para a concentração dos meios de informação popular e, consequentemente, da força sobre a opinião pública. Este perigo de uma concentração de influências em poucas mãos está associado, frequentemente, a uma aliança partidária dos interesses subjacentes às forças informadoras da opinião. Os motivos económicos promovem já por si, necessariamente, uma concentração. Uma empresa editora de jornais e, num grau ainda maior, uma empresa cinematográfica, radiofónica ou televisiva, carecem de um substrato financeiro considerável. Isto pode conduzir a uma dependência maior ou menor daqueles meios de informação popular e portanto também da orientação da opinião pública, em relação a certos grupos de interesses

(pag. 133)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Infiltrados e/ou refugiados

If a potential terrorist is determined to enter America to do harm, there are easier and faster ways to get there than by going through the complex refugee resettlement process. Of the almost 750,000 refugees who have been admitted to America since 9/11, only two Iraqis have arrested on terrorist charges; they had not planned an attack in America, but aided al-Qaeda at home. Syrians in America have fared better than other groups of refugees, integrating quickly and finding work. Some have done very well indeed: the father of Steve Jobs, the ground-breaking innovator and founder of Apple, was a refugee from Syria. And the mother of Jerry Seinfeld, the comedian, is of Jewish Syrian descent. 

The Economist 

Ao ler este texto, lembrei-me dos analistas de bancada que sempre abordam as questões do terrorismo pela cartilha dos medos improváveis.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Resmas de justiça

"O número de folhas de um processo ultrapassa sempre o número de ideias que esse processo contém. Um processo impressiona, em regra, pelo seu volume. O seu peso constitui, com frequência, o índice do seu valor. Mais do que uma nobre luta de direito, uma ação é, geralmente, uma discutível luta de papel.

Luíz de Oliveira Guimarães (1900-1998): delegado do procurador da República nas décadas de 20 e 30 do século passado, foi um reputado conferencista, cronista e dramaturgo e um impulsionador da defesa dos direitos de autor.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A síndrome do Norte

Um dia destes estive a ler a crónica de Ramalho Ortigão José Luciano de Castro no Porto, publicada em 1914, na revista O Direito, em número especial dedicado à memória daquele vulto político.
“O Porto, em retórica antiga, glorioso baluarte das liberdades pátrias, tinha, realmente, há cinquenta anos, dentro dos seus metafóricos muros, um glorioso propugnáculo de letrados, ou de intelectuais, como diríamos hoje, empregando uma das numerosas transformações por que está passando o léxico de mistura com todo o demais cascabulho das instituições condenadas.
No rol dessa famosa coorte literária se inscreviam nomes memorandos. Os legionários de então chamavam-se Camilo Castelo Branco, Arnaldo Gama, Alexandre e Guilherme Braga, Soares de Passos, Júlio Dinis, António Coelho Lousada, Delfim Maria de Oliveira Maia, Augusto Soromenho, Conde Azevedo, Conde de Samodães, Ricardo Guimarães, Roberto Guilherme Woodhouse, José Gomes Monteiro, Visconde de Macedo Pinto, Faustino Xavier de Morais, José Carlos Lopes, Joaquim Pinto Ribeiro, Pedro Amorim Viana, Custódio José Voeira, António Girão, Augusto Luso, Casimiro de Castro Neves, Evaristo Basto, Gonçalves Basto, redator do Nacional, José de Sousa Bandeira, redator do Braz-Tisana, Manuel Carqueja e Henrique Miranda, fundadores do Comércio do Porto.
Metade desses extintos provincianos portuenses de há cinquenta anos bastaria para redourar de elegância, de aventura, de mundanismo e de talento a nossa mísera Lisboa, hoje descabeçadamente revolta e apagada. Que diminuídos e rebaixados que estamos todos!
A tão brilhante legião literária do Porto pertenceu durante os primeiros anos da sua mocidade José Luciano de Castro.”

A propósito ou a despropósito, foi do que me lembrei ao ler a comunicação de Rui Rio anunciando a sua não candidatura presidencial:
“Num país profundamente centralizado como Portugal, lançar uma candidatura presidencial vencedora e nacionalmente reconhecida a partir de uma cidade que não a capital do país, é uma tarefa muito próxima do impossível.” 

Sobre José Luciano de Castro, pode ser lido aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Leituras


É uma instituição de centénios, muito velha e sempre nova, lugar de inculcações e manobras, sítio de discursos utópicos, espaço de ideologias, o cais de coletivas esperanças, futuro. É uma invenção europeia que o Mundo tem adotado. Desde o seu aparecimento nesse longínquo século XII ibérico nunca se lhe recriminou o existir - como, por exemplo, às Universidades também não. O que se lhe tem recriminado muitas vezes, ontem e hoje, aqui e noutros lugares, são os modos como tem existido. As Cortes e os Parlamentos são bem a instituição que distingue, no seu deve e haver liberdade, as épocas e as políticas. Os moderníssimos sinais dos tempos, neste encenar de milénio, parecem augurar para a Instituição, em todo o Mundo, o papel formidável de conciliar vontades plurais, de homologar os destinos genuinamente democráticos de povos e nações e de garantir no diálogo o encaminhamento do Planeta para a tolerância, a paz e o progresso. Assim seja - que em História a previsão é palavra proibida.
As Cortes Portuguesas da Idade Média - que eu tenho insistido, apesar de vozes discordantes, em designar de Parlamento Medieval Português - tiveram a sua origem durante o século XIII, provavelmente antes de 1254, antes ainda do celebrado Parlamento Inglês. Foram grandes Assembleias Representativas da Nação, onde a voz do Povo, mais do que a do Clero e a da Nobreza, se fez ouvir e se impôs. Entre 1254 e 1495 reuniram pelo menos setenta e seis vezes, em Braga, Guimarães, Porto, Coimbra, Guarda, Viseu, Leiria, Torres Vedras, Torres Novas, Santarém, Lisboa, Elvas, Estremoz, Montemor-o-Novo, Évora e Viana do Alentejo. Leis, acordos, tratados, regimentos, decisões tributárias, protestos políticos, reformas gerais, declarações de guerra e paz, questões de soberania nacional - tudo se fez nessas assembleias. Textos e textos se produziram, milhares deles, um corpus documental vastíssimo ainda quase todo inédito. E nenhum é supérfluo para a História que se faz e haja de fazer-se sobra a Idade Média de Portugal.

(pag. 271)

Este texto faz parte da Conferência proferida na cerimónia de abertura do ano lectivo de 1990/1991, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 22 de outubro de 1990.

Sobre o Professor Armindo de Sousa, consultar aqui.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Geometria variável

É um apanágio maior da democracia. Quem se entusiasmou com a série Borgen ou acompanha os equilíbrios de Obama com o Congresso, sabe que não há apenas uma solução democrática. Seria uma democracia sem esperança aquela que não tivesse capacidade de respeitar a plasticidade do eleitorado.

Humildes & Humilhados

Ainda não sei se é dos humildes o reino de Deus; quase que posso garantir que dos humilhados é o equívoco do presente. Raul Brandão, tão esquecido, continua a ser o escritor genial desse equívoco. As sombras erráticas do discurso político são o húmus do desencanto e dos consensos impróprios. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Conselhos de Dom Quixote a Sancho Pança sobre a administração da justiça

Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos. Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo. Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia. Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria, e lembra-te da verdade do caso. Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres, a maior parte das vezes serão sem remédio e, se o tiverem, será à custa do teu crédito, e até da tua fazenda. Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros. A quem hás-de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias. Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.

Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha (Edição Europa-América, Tradução dos Viscondes de Castilho e de Azevedo, pgs. 661/662)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

5 de outubro



(Clicar nas imagens para leitura)

sábado, 3 de outubro de 2015

Uma justiça irracional

O último filme de Woody Allen é uma estória sobre a justiça desprevenida que habita em cada um de nós. Nos momentos mais imponderáveis da vida, ela, a justiça desprevenida, surge indomável e discursiva. Não haverá quem já não tenha proferido uma sentença de condenação à morte; ou, pelo menos, de condenação a uma pena de reclusão perpétua. A história da civilização tem sido, também, o combate contra essa irracionalidade. O valor da vida, o castigo como esperança, a equidade do julgamento, são o seu resultado. Apesar disso, o estigma do juízo sumário permanece, amplificado pelas primeiras páginas de jornais ou pelos horários nobres (que ironia!) das televisões.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Mais poderes

The head of MI5, Andrew Parker, has called for more “up-to-date” surveillance powers and said telecoms companies had an “ethical responsibility” to provide more help in monitoring the communications of suspected terrorists and paedophiles.
In the first live media interview ever given by a senior British intelligence official, Parker defended the British surveillance system and backed the government’s plans for new surveillance powers.
The interview, on BBC Radio 4’s Today programme, came after the home secretary, Theresa May,summoned the biggest US internet providers and British phone companies to a meeting on Tuesday to seek their support for her new “snooper’s charter’’ surveillance bill.

The Guardian

Adenda: como complemento de leitura, o acórdão do Tribunal Constitucional n' 403/2015, hoje publicado no Diário da República.

sábado, 12 de setembro de 2015

Terrorismo de bancada

O terrorismo também tem os seus treinadores de bancada. Com impudor cívico, não descuraram cavalgar a atual tragédia dos refugiados. Lançando achas para o discurso xenófobo, vieram apoquentar os cidadãos com os putativos terroristas que se encobririam nessa onda humana. É, por isso, que pretendo sublinhar a afirmação corajosa de Rui Machete, em entrevista que hoje deu ao DN: O terrorismo entra na Europa através dos indivíduos que se radicalizam cá.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Leituras

O meio ambiente é um bem coletivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos. Se não o fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros. Por isso, os bispos da Nova Zelândia perguntavam-se que significado pode ter o mandamento «não matarás», quando «vinte por cento da população mundial consome recursos numa medida tal que roubam às nações pobres, e às gerações futuras, aquilo de que necessitam para sobreviver».

pag.73

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um contributo cívico

1.
Logo pela manhã, fui interpelado por uma pergunta do Público: Como irá votar Sócrates? E para que não houvesse dúvidas pela pertinência da pergunta, a merecer destaque de primeira página, adiantava-se que “a questão é complexa”.
Há anos que se realizam eleições com arguidos em situação processual idêntica à de Sócrates. É para ficar perplexo: esses arguidos outros não foram, não são, merecedores de idêntica interrogação? Foram esquecidos no âmbito das preocupações democráticas? Não há jurisprudência sobre a matéria? A Comissão Nacional de Eleições ainda não descortinara a questão? Ou a questão nunca foi suscitada por que dizia, diz, respeito apenas a arguidos outros?
2.
Ainda que de modo singelo, não posso deixar de dar o meu contributo cívico.
A Sócrates e aos arguidos outros foi aplicada uma medida de coação que se traduz na obrigação de permanência na habitação.
Tem a mesma natureza obrigacional daquelas medidas de coação que se traduzem na proibição da frequência de certos locais ou na proibição de contactos com determinadas pessoas.
Tal medida, só por ignorância ou justicialismo mediático, tem sido traduzida por prisão domiciliária; não o é nem o poderia ser.
Não há maior espaço de liberdade do que a habitação de cada um.
Sócrates ou os arguidos outros podem ser desonerados dessa obrigação mediante autorização judicial.
Que razões poderiam justificar que não fosse concedida autorização para que Sócrates ou os arguidos outros se deslocassem às assembleias de voto para o exercício de um direito que é fundador da democracia e da dignidade?
3.
Questão diferente é a de saber se a deslocação à assembleia de voto implica que Sócrates ou os arguidos outros sejam sujeitos a tutela policial.
A solução estará em saber se a lei consente que a medida de permanência na habitação venha a tornar esta, a habitação, numa aparência de estabelecimento prisional.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Nem um por cento

Si en un colectivo profesional, por ejemplo taxistas o joyeros, se produjeran un centenar de asesinados sólo en un año, sabemos que se colapsarían las calles, habría interpelaciones parlamentarias, los medios de comunicación y las tertulias arderían de indignación. Si las víctimas lo fueran de terrorismo la Guardia Civil patrullaría por las calles y se pediría el Estado de Excepción. Pero se trata únicamente de mujeres y niños, y por tanto los asesinatos se producen  durante décadas sin escándalo.
En los últimos diez años se han creado varias instituciones dedicadas a la observación y persecución de la violencia de género, que disponen de medios y personal para abrir atestados, instruir sumarios, celebrar juicios, resolver apelaciones, dictar órdenes de alejamiento y de protección, ejecutar sentencias, realizar exámenes forenses, dictámenes psiquiátricos, terapias de apoyo, contar las víctimas, publicar estadísticas, organizar campañas de concienciación y difusión de los hechos, y todos esos hombres y mujeres que trabajan arduamente en las comisarías de policía, en los cuartelillos de la Guardia Civil, en los despachos de las policías autonómicas, en la calles de las ciudades, en los ambulatorios, los hospitales, los juzgados, las Audiencias, los observatorios de violencia de género, los ministerios, como Ministros, Secretarios de Estado y Directores Generales,  no han logrado que disminuya ni un 1% el número de víctimas.
Lo que sí han logrado es que disminuya el número de denuncias, lo que teniendo en cuenta lo anterior la única conclusión que cabe es que ya las mujeres no denuncian a pesar de seguir siendo abofeteadas, apaleadas, amenazadas, insultadas, humilladas, encerradas, violadas, prostituidas, acosadas, por alguno o algunos hombres. Y así es porque han perdido la confianza en la protección que las instituciones les tienen que brindar.

Lidia Falcón

blogs.publico.es

sábado, 1 de agosto de 2015

Aquela mãe não merecia o que lhe fizeram

Nem ética nem juridicamente. Uma justiça que corre atrás dos dividendos de uma comunicação sensacionalista não se dá ao respeito. A estigmatização, e neste caso cruel, não faz parte dos códigos.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Die Schuld

Pessoa amiga chamou-me a atenção para esta palavra alemã: die Schuld. A um tempo, é a dívida e a culpa. Não explicará tudo, mas ajuda. O capitalismo não (sobre)vive pelas palavras, ainda que por elas se justifique.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Borrachos

... el área de Seguridad Vial de la Fiscalía General del Estado (FGE) ha publicado este jueves su balance anual, donde destaca que las condenas por conducir borracho han aumentado un 9% en solo un año. Estas sentencias han pasado de las 53.793 de 2013 a las 58.607 de 2014. Y ya representan el 24,3% "de todas las dictadas en todo el territorio nacional por toda clase de delitos".

terça-feira, 28 de julho de 2015

Presunção de inocência

Na análise do putativo crime de enriquecimento injustificado, o Tribunal Constitucional veio, mais uma vez, recordar o princípio da presunção de inocência. Num Estado de Direito, é um princípio absoluto, que não consente exceções nem se pode conjugar entre o sim e o não. Se assim é no espaço público, deveria ser também um imperativo ético no espaço privado. Não deixou de me surpreender que um eventual candidato presidencial, Rui Rio, não se tivesse coibido de considerar Sócrates culpado, ainda que temesse que tal convicção pudesse estar viciada pela manipulação comunicacional.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Erro judiciário 11

I edit the National Registry of Exonerations, which compiles stories and data about people who were convicted of crimes in the United States and later exonerated. The cases are fascinating and important, but they wear on me: So many of them are stories of destruction and defeat.
Consider, for example, Rafael Suarez . In 1997 in Tucson, Suarez was convicted of a vicious felony assault for which another man had already pleaded guilty. Suarez’s lawyer interviewed the woman who called 911 to report the incident as well as a second eyewitness. Both said that Suarez did not attack the victim and, in fact, had attempted to stop the assault. A third witness told the lawyer that he heard the victim say that he would lie in court to get Suarez convicted. None of these witnesses were called to testify at trial. Suarez was convicted and sentenced to five years.
Samuel R. Gross, professor na Universidade de Michigan
Publicado no The Washington Post

domingo, 26 de julho de 2015

Capacidade de influência

Si algo asombra del sumario del caso Púnica son las inquietantes relaciones de Francisco Granados, ex número dos de la Comunidad de Madrid, y su capacidad de influencia sobre algunos jueces, fiscales, abogados o policías. Desde mediar para que el hijo del exdecano de Madrid apruebe un examen, a ser recibido con dos besos por la jueza que investiga el espionaje a políticos de Madrid quien le dijo que estaba “para servirle”, según relata él después por teléfono a su esposa.

Público


sexta-feira, 24 de julho de 2015

Do Prosecutors Have an Unfair Advantage in Our Criminal Justice System?

Autor: Steven Greenhut
reason.com

One of California's most prominent federal judges, Alex Kozinski of the Ninth Circuit court of appeals, has sparked a nationwide debate about the state of the nation's criminal-justice system with a recent 42-page jeremiad in the Georgetown Law Review. The article depicts a system that tilts heavily in favor of district attorneys, incarcerates thousands of innocent people and fails to hold accountable prosecutors who abuse their power.
The judge's piece challenges many of our fundamental assumptions about the justice system. It is a compelling and important read — especially as legislatures around the country wrestles with issues of prison overcrowding, police reform, changes to civil-asset forfeiture laws, police body camera bills and the like.
"Police investigators have vast discretion about what leads to pursue, which witnesses to interview, what forensic tests to conduct and countless other aspects of the investigation," Kozinski wrote. "Police also have a unique opportunity to manufacture or destroy evidence, influence witnesses, extract confessions and otherwise direct the investigation so as to stack the deck against people they believe should be convicted." Wow.
A recent admission by an elite FBI forensic unit "gave flawed testimony in almost all (of the 268) trials" it testified in over two decades, according to an article he quoted. "How can you trust the professionalism and objectivity of police anywhere after an admission like that?" Kozinski asked.
By the way, Kozinski is no liberal and was appointed to the court in 1985 by President Ronald Reagan. Yet he blames the nation's incarceration rates — far higher than any other industrialized nation, and far beyond the rates in authoritarian China — on a "war on drugs" (that ramped up during the Reagan era), along with mandatory minimum sentences and three-strikes laws.
The judge is dismayed at the unwillingness of the system to examine credible allegations of wrongful convictions. Those inmates — 125 nationwide in 2014 — who have been exonerated largely because of the Innocence Project are the rare "lucky" ones where clear evidence still exists, he argued. But it's often a tough road. (For instance, the Innocence Project in California has produced compelling evidence that 12 people are serving long sentences for crimes they did not commit, yet 11 of them still languish in prison.)
He argues that Americans accept some truths that might not be so true: eyewitnesses are reliable, fingerprint evidence is unassailable, witness memories are reliable, prosecutors play fair, confessions are infallible, and guilty pleas always mean guilt.
On the last point, he laments "the trend of bringing multiple counts for a single incident – thereby vastly increasing the risk of a life-shattering sentence in case of conviction – as well as the creativity of prosecutors in hatching up criminal cases where no crime exists and the over-criminalization of virtually every aspect of American life." Faced with long sentences and padded criminal charges, many people simply cop a plea and avoid the risk of spending decades in prison.
The judge's solutions fall into two categories: openness and accountability. He calls for requiring prosecutors to be more open and rigorous about, say, releasing any exculpatory evidence. He calls for video-recording interrogations, limiting the use of jailhouse informants and better vetting of expert witnesses. He also suggests creating panels that investigate claims of wrongful conviction and ones to look into allegations of prosecutorial misbehavior. He advocates eliminating "absolute prosecutorial immunity," which currently means that prosecutors aren't held liable even when they engage in misbehavior.
Some other thought experiments: video-recording juries so judges can see if jurors followed instructions and eliminating judicial elections, which will enable judges to be less concerned about being portrayed as insufficiently tough on crime. My favorite: Repealing many felonies given that "a big reason prosecutors have so much leverage in plea negotiations is that there are many laws written in vague and sweeping language, inviting prosecutorial adventurism."

Uma vitória para Hollande

O Conselho Constitucional julgou conforme a Constituição o essencial da nova lei francesa em matéria de informações.

Le Monde

terça-feira, 21 de julho de 2015

Países Baixos

De 1 de julho a 1 de setembro, os holandeses têm em consulta pública um projeto de lei que prevê o aumento significativo da capacidade de vigilância dos serviços de informação. Para além da recolha de grandes quantidades de dados na net do tratamento automático dos metadados, sobressai a possibilidade da utilização de técnicas de intrusão para a obtenção de chaves de criptagem.


Os cuidados de Hollande

Também em França foi aprovada uma nova lei sobre os serviços de informação, permitindo-lhes a recolha sistemática de dados e o seu tratamento. Hollande, face a uma significativa discordância pública, sujeitou-a à apreciação do Conselho Constitucional. É a primeira vez que um presidente da República faz uso do preceito constitucional que lhe permite sujeitar uma lei àquele Conselho antes de a promulgar. Caso tal viesse a ocorrer em Portugal, não seria a primeira vez.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O tempo e o modo da vigilância

Emergency surveillance legislation introduced by the coalition government last year is unlawful, the high court has ruled. A judicial challenge by the Labour MP Tom Watson and the Conservative MP David Davis has been upheld by judges, who found that the Data Retention and Investigatory Powers Act (Dripa) 2014 is “inconsistent with European Union law”. The act requires internet and phone companies to keep their communications data for a year and regulates how police and intelligence agencies gain access to it.

The Guardian

Nota: dado que há meia dúzia de dias foi aprovada* idêntica legislação em Portugal, a notícia do The Guardian merece particular relevo.
Adenda: *Na generalidade.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Mare Nostrum

Uma portuguesa morreu na Tunísia, vítima de um ato terrorista. A Tunísia é logo ali, mesmo que o não pareça. Seria estultícia pensar que o Estreito de Gibraltar nos torna imunes à insegurança que banha o Mediterrâneo, incluindo a insegurança outra para onde querem atirar a Grécia. Ainda que o protagonismo de Portugal seja de discreta intensidade, a verdade é que também não deixa de ser um discreto espaço de refúgio. No que diz respeito à criminalidade que é, a um tempo, complexa e difusa, os meios de prevenção coincidem com os meios de investigação. Definir, com rigor, a competência dos atores a quem cabe a prevenção, e saber articular os meios que lhes serão disponibilizados com as garantias constitucionais, tornou-se numa exigência legislativa que não pode ser adiada.

domingo, 28 de junho de 2015

Ortografias

Fernão de Oliveira, meu conterrâneo, foi o autor de uma Grammatica da lingoagem portuguesa, editada em 1536.
Aí sentenciou, ainda que com outra ortografia, o que não desmerece ser escrito com a atual ortografia:
'Eu não dou licença que alguém possa ser meu juiz, senão quem ler os livros que eu li e com tanto trabalho e tão bem ou melhor entendidos. E, ainda assim, a sentença há de ser que para meus erros escrevam da mesma matéria obras melhores, nas quais mostrem saber mais que eu disto de que falámos.'

terça-feira, 23 de junho de 2015

S. João

As associações sindicais de juízes e procuradores cortaram relações com a ministra da Justiça; e disso fizeram queixinhas ao primeiro-ministro. Este respondeu-lhes o óbvio: problemas da Justiça são com a ministra. Juízes e procuradores, na opinião pública, andam nas ruas da amargura. À beira das eleições, a estratégia sindical judiciária é mais um contributo positivo para a coligação governamental. 

domingo, 21 de junho de 2015

Ortografias

Admiro aqueles que dão luta, à séria, ao acordo ortográfico. 

sábado, 20 de junho de 2015

Uma nação na prisão

WITH less than 5% of the world’s population, the United States holds roughly a quarter of its prisoners: more than 2.3m people, including 1.6m in state and federal prisons and over 700,000 in local jails and immigration pens. Per head, the incarceration rate in the land of the free has risen seven-fold since the 1970s, and is now five times Britain’s, nine times Germany’s and 14 times Japan’s. At any one time, one American adult in 35 is in prison, on parole or on probation. A third of African-American men can expect to be locked up at some point, and one in nine black children has a parent behind bars.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Mesa de palavras

António Couto é o autor de um blogue de reflexão religiosa a que junta, com grande elegância, estimulantes exercícios de erudição - Mesa de palavras. Em tempo de Santos Populares, e quando olhamos, siderados, para uma justiça desastrada, saber o sentido, tantas vezes oculto, das palavras pode ser uma alegria.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Summum jus, summa injuria

Os factos antecedem o direito; é assim que a justiça se cumpre. Capturada por uma comunicação social que, cada vez mais, sobrevive de pré-juízos, a justiça tornou-se, perigosamente, conclusiva. Conceitos difusos, da perturbação da investigação ao perigo de fuga, são os elementos do discurso onde a liberdade se joga. O bem maior da dignidade humana transaciona-se, com ar de ciência, num jogo de conclusões (ou de sombras?) a que faltam os fundamentos.

domingo, 14 de junho de 2015

Uma sociedade descrente

Sem confiança nas pessoas, como é possível ter confiança na justiça? O discurso egocêntrico de que se sustenta a justiça, o desmedido valor com que se tem em conta, a insuficiência da sua gramática ética, são também fatores de uma sociedade descrente.

sábado, 13 de junho de 2015

Diário

Daqui a pouco começa o Arménia-Portugal. No Mezzo, passa a Aida, de Verdi, numa produção da Ópera de Paris. A prisão domiciliária, tratando-se de um contrato de confiança entre a justiça e o arguido, é mais um passo na dignificação de ambos. Em situações específicas, o controlo dessa medida pode ser eletrónico. Será o caso de crimes contra a integridade física ou moral em que importará manter a distância entre quem ofende e quem é ofendido. O patria mia, mai più ti rivedrò!

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Serviço cívico



terça-feira, 9 de junho de 2015

Uma justiça em bolandas

Depois de ter assistido aos primeiros dez minutos do noticiário das 20, na RTP 1, só posso concluir que qualquer magistrado do Ministério Público pode sentir-se legitimado para falar, publicamente, em casos pendentes, incluindo o caso Sócrates.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Serviço de informações

A existência de um serviço de informações só tem sentido se tiver os meios adequados ao cumprimento das funções que lhe estão atribuídas.
Numa sociedade global, um serviço de informações só cumprirá cabalmente as suas funções se for um interlocutor credível para os outros serviços de informações.
A primeira pergunta importará uma resposta simples: um país, o nosso, precisará ou não de um serviço de informações?
A segunda, sendo positiva a primeira, será de resposta mais complexa: precisando, que meios lhe devem ser facultados?
A existência de um tal serviço exigirá sempre uma compressão de direitos.
Só ingenuamente se pode conceber um serviço de informações coligindo notícias de jornais ou elaborando relatórios em modo ficção.
Do que tenho lido sobre o tema, a questão não será tanto a dos meios mas a dos mecanismos de controlo da sua utilização.
É evidente que num país em que o segredo de justiça é um segredo de polichinelo, todas as dúvidas sobre as instâncias de controlo estão legitimadas.


domingo, 7 de junho de 2015

A humilhação

Na violência doméstica, a humilhação faz parte do dia a dia das vítimas. Na investigação criminal, faz parte de uma técnica de desgaste anímico dos arguidos. Numa ou noutra das situações, a ofensa moral é tão abusiva como a ofensa física.

sábado, 6 de junho de 2015

Também na justiça

De Estrela Serrano, no Vai e Vem -
O jornalista especializado conhece os segredos das instituições que cobre e a que só os privilegiados têm acesso. Torna-se um insider. Quando sabe algo que possa pôr em causa o acesso às “zonas de rectaguarda” da organização, prefere calar para não perder o acesso a essas “zonas”. E, depois, há as recompensas morais – beber do fino, conhecer e conviver com os “grandes”, os que decidem e influenciam, enfim… os que têm poder.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

No país dos medos

É o medo que sustenta as corporações. Cada uma delas gere a sua quota e é o sustento das fontes que as promovem. Se a questão fosse apenas orçamental, não faltaria coragem. Um poder sem ética o que produz é cobardia.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

31 à espera da execução

Após 31 anos no corredor da morte do Texas, Lester Leroy Bower foi executado, com injeção letal.
A condenação de Bower tem suscitado, ao longo dos anos, sérias dúvidas, como se pode ler aqui e aqui.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Erros nos exames de DNA

The FBI has notified crime labs across the country that it has discovered errors in data used by forensic scientists in thousands of cases to calculate the chances that DNA found at a crime scene matches a particular person, several people familiar with the issue said.
The bureau has said it believes the errors, which extend to 1999, are unlikely to result in dramatic changes that would affect cases. It has submitted the research findings to support that conclusion for publication in the July issue of the Journal of Forensic Sciences, the officials said.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Leituras

Hoje, pelas 17 horas, o Mário foi levado ao Hospital Amadora-Sintra para avaliação da evolução da operação que fez ao apêndice há cerca de dois meses. Nessa altura, os dois guardas que o acompanharam ao hospital tiraram-lhe as algemas à entrada do hospital e voltaram a colocá-las à saída.
Hoje ouvi os dois novos guardas, abordando um deles o Mário: «Se te portares mal parto-te os óculos.» Foi algemado até ao gabinete da médica e foi ainda no gabinete que lhe colocaram de novo as algemas à frente da médica. Formas diferentes de interpretar o regulamento, ou, se se quiser, formas diferentes de encarar o recluso enquanto pessoa a tratar com dignidade. Formas de exibicionismo de autoridade pública ou de expressão ostensiva dos riscos da profissão, acompanhando cadastrados, «sempre altamente perigosos».

(pag. 252/252)

Nota: Fiquei surpreendido com este livro de Isaltino Morais. Temos poucos documentos, nomeadamente nos últimos 40 anos, sobre a experiência prisional. O quotidiano, as relações que se estabelecem, a raiva contida e que por vezes explode, a humilhação como prática do poder, a desinserção social, a justiça burocrática, tudo isso num discurso sóbrio e, apesar de tudo, distanciado, é o que não poderia deixar de sublinha após a sua leitura.

Habilidades

Encobrir o crime do empobrecimento injustificado com o manto diáfano do crime do enriquecimento injustificado.

sábado, 30 de maio de 2015

A irracionalidade de um mapa

Na Comarca de Beja, abrangendo a totalidade do Distrito, talvez em nome de uma justiça especializada, localizaram uma instância central para apreciar as questões de família e menores em Ferreira do Alentejo.
Quem viver em Barrancos, ou Moura, ou em Beja, ou em outros concelhos, terá de deslocar-se a Ferreira do Alentejo.
Sem a existência de transportes públicos adequados, vê-se bem como os socialmente mais débeis, maioritariamente clientes desta jurisdição, serão as grandes vítimas desta opção.
Por outro lado, será a partir de Ferreira do Alentejo que terá de ser feita a articulação com as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens existentes em cada concelho.
Parcas em meios, não será fácil adivinhar as dificuldades dos contactos e das intervenções em tempo oportuno.
No entanto, na Comarca de Portalegre, abrangendo também a área do Distrito, talvez em nome de uma justiça de proximidade, não foi criada nenhuma instância central com essa especialização, pertencendo às diversas instâncias locais a competência no âmbito da família e menores.

sábado, 23 de maio de 2015

Mais vale tarde

Leio no JN que, segundo o Conselho Superior da Magistratura, "o novo mapa judiciário mina a relação dos cidadãos com a Justiça". Afinal, o mal, quase diabólico na versão oficial, não era apenas do CITIUS. A desconstrução do problema deverá ser uma das sérias questões políticas da próxima legislatura.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Leituras

 

Acreditamos que este breve périplo pelas origens do direito moderno português não pode deixar de produzir, em todas as mulheres, uma marcada sensação de humilhação porque ilustra e demonstra o discurso oficial e declarado, que remetia a mulher a um estatuto que pouco a distanciava do de um animal de companhia, não fossem as suas utilidades domésticas e procriativas. Social e juridicamente, todas as mulheres foram agrupadas numa mesma categoria indiferenciada e universal, desconsiderando as particularidades dos seus reais contextos e aptidões. O homem tinha classe social, profissão, função na família (chefe de família, bom pai de família, primogénito, varão, marido). Já a ideia da mulher era homogénea, atribuindo-se-lhe uma identidade uniforme, forjada desde presunções de incapacidade, de subordinação ao homem e de existência dependente, isto é, de existência justificada na exclusiva medida da relação com o masculino, e nunca autonomamente. A mulher, quando especialmente referida, é relevada como incapaz, virgem, viúva honesta ou mulher adúltera, portanto, sempre sendo sublinhada a sua diminuição e a sua relação em relação – sexual, conjugal ou sucessória – com o homem.
(pag. 19)
 



terça-feira, 19 de maio de 2015

O magistrado das gravatas berrantes

As circunstâncias mediática trouxeram-me à memória o Rodrigues Maximiano. Foi o primeiro inspetor-geral da Inspeção-Geral da Administração Interna e, como se escrevia no DN de 17 de março de 2008, "o magistrado que mudou a cultura institucional das polícias". A violência policial era, então, uma preocupação política e cívica com uma agenda de procedimentos que se foi diluindo com o tempo. Os relatórios, elaborados durante o período em que exerceu essas funções, continuam atuais, permitindo-nos, o que não deixa de ser irónico, compreender os acontecimentos presentes.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ortografias

Não é a ortografia que dignifica a obra; quando não, teríamos de ler Vieira ou Pessoa em fac-símile.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Serviço cívico



terça-feira, 12 de maio de 2015

Para memória futura

Adolescente de 17 anos tinha sido detido em junho de 2014 e, desde então, estava a cumprir prisão preventiva numa escola prisão de Leiria.
O tribunal de Chaves absolveu hoje o jovem de 17 anos acusado de abusar sexualmente de dois menores numa instituição e extinguiu a medida de coação de prisão preventiva a que estava sujeito o arguido, determinando a sua imediata libertação.

Lido no DN

domingo, 10 de maio de 2015

Leituras


On croit à tort que la justice au temps de Vichy se résume aux seules cours martiales et autres sections spéciales de sinistre mémoire. C’est ignorer que les tribunaux correctionnels, incarnation de la justice quotidienne la plus ordinaire, ont prononcé jusqu’à deux fois plus de peines qu’avant-guerre. Aux ordres du gouvernement de Pétain, c’est l’histoire de la justice des années sombres qui est ici étudiée. Certes, les gardes des Sceaux de Pétain n’ont guère touché aux structures et à l’organisation du système mais ils n’ont pas cessé de politiser cette justice et d’élargir les champs d’application des textes répressifs. En détournant les lois républicaines ou en promulguant de nouvelles, l’État français élabore pas à pas un « droit commun » visant à placer hors d’état de nuire tous ceux qui pourraient mettre l’ordre nouveau en péril : Juifs, communistes, réfractaires aux chantiers de la jeunesse et au travail obligatoire, détenteurs de faux papiers ou simplement auteurs de délits d’opinion. Tout naturellement, les premiers résistants forment bientôt une nouvelle catégorie de justiciables, contre lesquels vont particulièrement s’acharner les juridictions d’exception. C’est bien cette politisation à outrance des tribunaux qui explique l’inflation judiciaire de l’époque. Virginie Sansico montre, par le dépouillement d’une masse considérable d’archives (en particulier du ressort de la cour d’appel de Lyon), la justice de Vichy en train de se faire. Le sordide côtoie le dérisoire, le tragique voisine avec le pathétique... Une chose est certaine : l’iniquité était bien souvent au rendez-vous, déshonorant une institution dont l’histoire semblait pourtant si intimement liée à celle de la République.
 
(Da nota do Editor)
 
Também em Portugal se anda há 40 anos a fazer crer que a justiça do fascismo se resumia aos tribunais plenários e à polícia política.


terça-feira, 28 de abril de 2015

Leituras


A mulher avança na sua evolução, adquire personalidade dia a dia, luta e esforça-se, não recua perante os problemas, dá a cara à vida. Perante esta mudança, o homem espanta-se, assusta-se e suspira pelos tempos em que ela tinha por único ideal satisfazer as suas exigências eróticas e domésticas. Em alguns casos exacerbados o espanto torna-se uma reação brutal de ódio e rancor: a sua dignidade de galo não pode admitir que uma mulher – uma mulher! – não dedique a sua existência apenas a servi-lo. É uma afronta que se torna rapidamente pessoal.
É isso que explica alguns dos chamados crimes passionais, que de amor nada têm.
Dantes, o homem tinha ciúmes de outro homem; agora começa a ter ciúmes desse ideal que a mulher vive nas suas costas.
Contra isso só vemos um remédio: a comunidade de ideais, a integração espiritual da vida de ambos.
É preciso que o homem se dê conta de que a mulher de hoje não pode já ser conquistada com a promessa de um futuro social próspero e tranquilo. A bela adormecida não esperou pelo beijo do príncipe para acordar, e agora sai do seu castelo, cheia de energia, ansiosa por construir o seu mundo.
Essa mulher nova não sente hostilidade nem rancor pelo homem, porque não se sente escravizada a ele. Exige-lhe, apenas, um espírito digno do seu: pede-lhe, em vez do colar de Mefistófeles, um ideal que dê perspectiva às suas vidas, unidade efectiva à sua união.
Foi tão rápida essa viragem da mulher nas suas exigências que o homem, desnorteado, inadaptado, não sabe – na maioria das vezes – ou não quer corresponder-lhe. Mas pelo menos que não nos matem!


(pags. 84/85)
 
Nota: este texto foi publicado, em 25 de outubro de 1928, no jornal El Liberal; María Zambrano tinha 24 anos.

domingo, 26 de abril de 2015

Leituras

Os documentos não são, definitivamente, as fontes preferenciais para o estudo da paisagem na sua dimensão material, objectivo que cabe mais aos arqueólogos do que aos historiadores, embora estes possam oferecer dados quanto à morfologia concreta das diversas unidades de paisagem. Afirmar a importância das fontes escritas neste campo implica reconhecer a necessidade de as complementar com a análise de outro tipo de fontes, desde logo as arqueológicas, por forma a superar a clivagem entre mutações documentais e sociais que está na raiz, por exemplo, da linha fundamental que via nos séculos X a XII (quando a documentação escrita começa a ser relevante) o período de formação das estruturas fundamentais da paisagem europeia, quando hoje se percebe o peso que os períodos anteriores, altimedieval mas também antigo e proto-histórico, desempenharam nesse processo.

(pag. 59)

sábado, 18 de abril de 2015

Mariano Gago

Em discreta homenagem, o que escrevi neste blogue sobre Mariano Gago:

Reconhecimento

Mariano Gago

Basicamente

O desenvolvimento científico

A tralha socrática