quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Negativamente

A sovinice presidencial: cinco indultos.
O que tenho escrito ao longo dos anos sobre os indultos pode ser lido aqui.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Positivamente

A utilização de meios de controlo eletrónico em substituição da prisão é um passo civilizacional. Entre 2015 e 2020, o aumento do seu uso em cerca de 125% mereceria ser saudado como uma das grandes revoluções judiciárias em que o Ministério da Justiça se tem empenhado. A prisão, como paradigma da sanção penal, virá a ser, paulatinamente, substituída.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Questão de ética

O que diz o nº 2 do artigo 197º, nº 2, do Código de Processo Penal:
"Se o arguido estiver impossibilitado de prestar caução ou tiver graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento, substituí-la por qualquer ou quaisquer outras medidas de coação, à exceção da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação*, legalmente cabidas ao caso, as quais acrescerão a outras que já tenham sido impostas."
A contrario, poder-se-á concluir que a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação não poderão ser uma manobra judicial destinada a forçar a prestação de uma caução.

*Negrito da minha responsabilidade

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Labéu

Leio no Público, em destaque, que "prescrição livra antigos governantes de responderem em tribunal no caso das PPP". Indo à notícia, aí se esclarece que "o Ministério Público deixou prescrever vários crimes que crê poderem ter sido cometidos pelos antigos governantes" cujos nomes diligentemente se enumera. Acreditando naquilo em que o Ministério Público teve fezada ao longo de onze anos, tantos quantos tem o inquérito, de quem pode ser a responsabilidade pela prescrição a não ser do próprio Ministério Público? A prescrição do procedimento criminal tornou-se um labéu para redimir a incompetência e sujar indelevelmente os visados.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Cargos, encargos

A SEDES publicou um documento sobre a Reforma da Justiça que pode e deve ser lido aqui. Fornece um conjunto de dados relevantes e propõe alterações que merecem reflexão.
Destaco que, no objetivo da transparência, se propõe que Juízes e Magistrados do Ministério Público não poderão aceder a cargos de natureza política exceto se jubilados ou reformados ou se se desvincularem da função de Juiz ou Procurador por um período de 5 anos após o terminus da sua última responsabilidade política
Nos termos da lei vigente, determinou-se que é vedada aos magistrados judiciais em exercício a prática de atividades político-partidárias de carácter público, e que na efetividade não podem ocupar cargos políticos, exceto o de Presidente da República e de membro do Governo ou do Conselho de Estado, o que se aplica também aos magistrados do Ministério Público.
Ao longo dos anos, mais à direita ou mais à esquerda, sempre houve magistrados judiciais ou do Ministério Público que assumiram cargos de natureza política como membros do governo sem que daí tivesse resultado qualquer sobressalto cívico.
Mais perigosos e/ou insidiosos poderão ser as intervenções que, nada tendo a ver com cargos de natureza política, são encargos manifestamente políticos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O passageiro

O passageiro é a pessoa que é transportada num veículo ou meio de transporte e que não pertence a uma tripulação*. Um ministro, ainda que o ser seja passageiro, só por delírio poderia ser considerado tripulante. A autoria moral de um crime praticado por negligência afigura-se como uma impossibilidade. O discurso desculpabilizante e o alheamento solidário são, porém, razões suficientes.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

A comissão 2

Creio que a comissão não se destina a lavar a face da Igreja Católica. Por isso mesmo, custa a compreender o exercício de marketing que tem rodeado a sua criação. Menos se compreende que um dos seus comissários, com sérias responsabilidades institucionais, venha a público garantir que a Igreja Católica, nos casos conhecidos de abuso sexual envolvendo os seus membros, nunca tentou influenciar a investigação. O que a Igreja escondeu ou não escondeu será também uma das finalidades da comissão - presumo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A comissão

A Igreja Católica constituiu uma comissão destinada a averiguar os eventuais abusos sexuais cometidos no seu seio. É uma comissão de nomes sonantes, capaz de assustar o mais mordaz dos ofendidos. Talvez se fosse uma comissão constituída por nomes mais humildes e discretos, em consonância com a humildade e a discrição da própria Igreja, sempre se diria que esta, a Igreja, não estaria verdadeiramente interessada nessa averiguação.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Serviço público

 

Clique na imagem para melhor leitura.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A pandemia prisional

No 7MARGENS, Nuno Caiado escreve um texto de todo fundamental sobre os presos e as prisões: Sim, os direitos humanos nas prisões.
Apenas um excerto: 

  • Portugal tem uma taxa de encarceramento acima das recomendações internacionais – tem 111% por 100 mil habitantes, quando deveria ter 100 ou menos;
  • Portugal tem dos maiores tempos de encarceramento – é o segundo de todos os países do Conselho da Europa, muito próximo do primeiro (Azerbaijão), com um tempo médio próximo do triplo da média europeia (dados de 2018).

Trata-se de valores absurdos que desonram o país e que revelam deficiências nas políticas públicas, nomeadamente nas políticas criminais que ainda mantêm a prisão como paradigma da pena, que se mostram incongruentes com o facto insistentemente vincado de que somos um dos países mais seguros do mundo.


A Lei nº 9/2020 criou um regime excecional de flexibilização da execução das penas. Ainda que fosse justificada pela pandemia, a verdade é que os seus resultados estiveram para além dessa justificação. Sem sobressalto social, ajudou a corrigir "esses valores absurdos que desonram o país". A sua revogação precipitada é mais um retrocesso nas políticas de reinserção social.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Testemunhos de ver

"As most of us also know, people have been convicted of crimes they didn't commit on the basis of eyewitness memory. Some of these wrongful convictions have later been overturned by DNA or other physical evidence. But that type of evidence doesn't always exist. To reduce the likelihood of injustice, the researchers suggest a simple, no-cost reform to our system of jurisprudence. "Test a witness's memory of a suspect only once," the researchers urge in a paper published by Psychological Science in the Public Interest, a journal of the Association for Psychological Science."

Para ler aqui.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

30 de janeiro

O que leio e ouço, é sobre a culpa. O Presidente Marcelo também não se coibiu de a dizer: a culpa é da esquerda esquerda. Há quem pense e defenda que esse dia será o dia da guilhotina da esquerda. O comentador Marcelo, que em matéria de política é adivinho, talvez já o saiba. Sempre pensei que as crises deviam ser resolvidas em curto período de tempo, não permitindo o alastrar da incerteza política e social. O orçamento, que esteve na génese do problema, já deixou de o ser. Ter orçamento em março ou em junho tornou-se irrelevante.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O comentariado

Os trabalhadores do comentário, dos quais os professores Marcelo e Louçã são insignes representantes, estão em alta no PIB nacional. Da política ao futebol, a época é-lhes propícia; quando lhe juntam o economês, o comentário ganha cambiantes mágicos. As eleições para a Assembleia da República adivinham-se próximas; para uns, ainda não suficientemente longe, para outros, assim-assim. O comentariado, ideologicamente, está à direita da esquerda e à esquerda da direita, numa fraternidade que não pode deixar de comover os eleitores.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

A indiferença

Na manhã de 15 de setembro, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, Danijoy, de 23 anos, e Daniel, de 37 anos, ali detidos, morreram com uma diferença de 44 minutos. João Gorjão Henriques, no Público, subscreve uma preocupante investigação sobre o antes e o depois dessas mortes. Os procedimentos assumidos pelas autoridades no sentido de esclarecerem os factos, mesmo não havendo indícios de eventuais crimes, traduzem uma manifesta indiferença perante aquelas mortes. O número de mortes nas prisões portuguesas é excessivo: em 2020, ocorreram 75, 21 das quais por suicídio. Aliás, nesse mesmo dia, outro recluso morreu no estabelecimento prisional de Alcoentre. As condições carcerárias serão desumanas, o que entidades internacionais reconhecem, quer no que diz respeito às infraestruturas, quer no enquadramento psíquico e social. A metadona e os ansiolíticos, só por si, não resolvem os problemas. As famílias do Danijoy e do Daniel mereciam mais e melhores esclarecimentos.

sábado, 23 de outubro de 2021

O nó górdio

Na mesma ocasião, o diretor do DCIAP salientou que "dos quase 270 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência, na área da Justiça,  menos de 0,4% serão investidos na Procuradoria-Geral da República e no DCIAP", e aproveitou para destacar a importância da Autoridade Tributária na colaboração prestada ao Ministério Público.
A articulação funcional entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária tem sido, ao longo dos anos, complexa e difícil, sem que se tenha encontrado uma solução institucional estável. 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Prevaricação

Numa pequena pesquisa sobre o crime de prevaricação, a informação recolhida é preocupante:
Ex-presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira absolvido;
Ex-autarca de Caminha absolvida;
Tribunal absolve ex-autarca de Castelo Branco;
Ex-presidente da Câmara da Covilhã absolvido;
Tribunal absolve ex-presidente da Câmara de Benavente;
Ex-presidente da Câmara de Barcelos absolvido.
Ainda que as notícias se reportem a decisões em primeira instância, e mesmo admitindo que o Ministério Público delas tenha recorrido, a Procuradoria-Geral da República não pode remeter-se ao silêncio sobre um ativismo acusatório que, com certeza, desvirtua os equilíbrios políticos locais.
Recentemente, o Bastonário da Ordem dos Advogados escrevia que "em Portugal raramente são dadas explicações públicas da actuação do Ministério Público, o que muito contribui para o afastamento dos cidadãos em relação à justiça".

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ortografias

O artigo de Michel Feltin-Pales sobre a ortografia francesa e a etimologia, que pode ser lido aqui, é também esclarecedor sobre a ortografia portuguesa e a etimologia.
"Cela ne veut pas dire qu'il faut faire fi de l'histoire des mots. Mais il n'est pas inutile de savoir que l'argument étymologique, souvent avancé pour s'opposer à un alignement de l'orthographe sur la prononciation, est à géométrie variable. Et qu'en réalité, notre jugement sur la "bonne" orthographe est souvent le fruit de l'habitude."

terça-feira, 19 de outubro de 2021

A entrevista

A de Teresa Beleza, em abril, o outro lado das notícias.
"Mas a formação dos magistrados é absolutamente essencial, porque já se tornou por demais evidente que ainda hoje há decisões judiciais absolutamente indignas de um país que se diz ser um Estado de direito democrático e tem uma Constituição da República correspondente, que aliás recebe expressamente no seu texto a Declaração Universal como ponto de referência interpretativo privilegiado em matéria de direitos liberdades e garantias."

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Lei nº 9/2020

A Lei nº 9/2020, de 10 de abril, teve e continua a ter uma influência muito positiva: não apenas na prevenção da pandemia mas também na reinserção social. A sua aplicação, aliás justa, a Armando Vara provocou um alarido na confraria dos justiceiros, daqueles que concebem a justiça como um exercício de vingança. Seria condescender com essa confraria revogar precipitadamente a lei quando a preocupação com a pandemia continua, impondo uma terceira dose da vacina aos mais vulneráveis e, eventualmente, à população prisional.

sábado, 9 de outubro de 2021

A ler

João Rendeiro e os intocáveis 

Filipa Ambrósio de Sousa

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O desconforto social

Em inquérito com 1516 inquiridos, concluiu-se que a justiça "é a instituição em que os portugueses menos confiam". Uma justiça que não é confiável, em que não se acredita nem se respeita, precisa de ser repensada. Ao longo dos anos, a descredibilidade da justiça tem sido uma constante. As costas largas da lei, estas sempre invocadas pelos respetivos operadores em jeito de passa-culpas, já não convencem, mesmo os leigos. 
No DN noticia-se mais uma absolvição num processo que permitiu, ao longo dos anos, juízos sumários, ou não fosse um dos arguidos um político conhecido. O juiz que presidiu à audiência não se terá coibido de dizer, a final, dirigindo-se aos arguidos: "Os senhores vão todos absolvidos porque não há prova. Olhando para a acusação, como ela está estruturada, a mesma não tinha sentido".
Talvez mais preocupante do que a fuga de um arguido ao cumprimento de uma pena de prisão, não deixará de ser a existência de acusações que não tenham sentido.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A fuga

Um banqueiro ex ausentou-se para paradeiro incerto, com o alegado propósito de assim escapar ao cumprimento de uma pena de prisão. O país indignou-se, o que aliás não é difícil. A fuga é sempre uma possibilidade, mas, diga-se em abono da verdade, com grande probabilidade de insucesso. Num mundo global, fugir tornou-se penoso, mesmo para um banqueiro ex. Com processos que se arrastam durante anos, esta situação, ou idêntica, só não poderia verificar-se se não houvesse qualquer prazo para a prisão preventiva. O que importa averiguar não é a fuga mas o deambular dos processos. Perigosamente, a retórica contra as garantias volta ao espaço mediático.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Eleições

Abundam os analistas, escasseiam os políticos. Se houver conclusões a tirar destas eleições, esta será uma delas. Uma outra será a de que os apoios expressivos do General Eanes às candidaturas de Medina, em Lisboa, e de Machado, em Coimbra, não foram suficientes. Leio que as ciclovias poderiam ter prejudicado o incumbente de Lisboa. De facto, é possível que assim tivesse sido. Ainda não somos suficientemente ricos para nos sentirmos saturados de automóveis. O automóvel, esse ascensor social, continua a preencher o imaginário de uma parte significativa dos cidadãos. O ACP lá estará também a governar Lisboa. Em Vila Nova de Gaia, onde vivo, o PS ganhou com maioria absoluta. Além de uma louvável gestão nos mandatos anteriores, o Professor Eduardo Vítor Rodrigues beneficiou de não ter sido alvo da fama de potencial sucessor de António Costa. Claro que fiquei triste com a votação no PCP; mas já estou habituado. Estando naquela idade em que só se sabe votar por fidelidade, o que me resta esperar é, mais do que por outros rostos, por outras vozes.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Prestígios

Brno, não sendo a capital da República Checa, é a cidade onde se localizam o Tribunal Constitucional, os Supremos Tribunais, a Procuradoria-Geral e a Provedoria de Justiça. Creio que ninguém considerará que tais instituições saíram desprestigiadas por não estarem albergadas em Praga.
O prestígio judiciário não é geográfico; afere-se pela qualidade das decisões proferidas em prazos razoáveis.
Depois de se ouvir um juiz a clamar que está acima de, o argumento do desprestígio torna-se ainda mais penoso.

sábado, 4 de setembro de 2021

A ler

Crime e tecnologia: desafios culturais e políticos para a Europa


"Este livro aborda as relações entre ciência, cultura e política a partir do olhar sociológico sobre as implicações societais e éticas da presença da genética forense na prevenção da criminalidade e terrorismo na União Europeia. As contingências, controvérsias e expectativas dirigidas à genética forense num contexto híbrido, em que se cruzam agendas securitárias dos Estados-Nação e práticas de cientistas, de agentes policiais e mensagens dos meios de comunicação social, são retratadas neste livro coletivo em jeito de diagnóstico das turbulências com que se confronta a ciência quando é convocada para fora do seu habitat tradicional. O ponto nevrálgico desta obra é a análise da dimensão pública da genética forense quando este domínio de saber científico, sob a égide da neutralidade, é convocado para produzir conhecimento que possa ser prático e útil na identificação criminal. No contexto de uma sociedade rendida à aura simbólica da genética e à vertente benéfica da ciência no contributo para a proteção e segurança da sociedade, esta obra assume a função de desconstruir a dimensão distópica da ciência associada a processos de vigilância estatal e policial, que ameaçam liberdades civis e sujeitam populações vulneráveis a processos insidiosos de racismo, discriminação e estigmatização."

Consultar aqui.


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Melhorar as condições carcerárias

For people who are in jails or prisons, experiencing nature virtually is usually their only option. A new study from University of Utah researchers finds that exposure to nature imagery or nature sounds decreased physiological signs of stress in the incarcerated, and spurred their interest in learning more about the habitats they experienced. The researchers also found that, in general, people didn’t strongly prefer visual to auditory nature experiences.

Para ler aqui

Encontrei este artigo na listagem dominical, de consulta obrigatória, que continua a ser apresentada, de forma persistente, no blogue Aspirina B.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

A ler

Excédés par le présumé laxisme des tribunaux, les justiciers autoproclamés s’évertuent à punir par eux-mêmes les fauteurs de trouble. Violant la loi pour maintenir l'ordre, ils s'improvisent détectives, juges et bourreaux. Adeptes du lynchage et autres châtiments spectaculaires, ils trouvent un nouveau public sur les réseaux sociaux.
 

terça-feira, 27 de julho de 2021

terça-feira, 20 de julho de 2021

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Fragmentos

É óbvio que os megaprocessos tomaram conta da justiça, da ideia que temos dela. Os megaprocessos são maus exemplos, tornaram-se na doença infantil da investigação criminal.

*
Os processos mediáticos mereciam análise aturada por entidade exterior ao sistema de justiça. O espetáculo que lhes está associado não será apenas da responsabilidade dos média. O espetáculo da prisão para aplicação de medidas de coação, o espetáculo das buscas, a humilhação dos calabouços, tudo isto não pode deixar de ser preocupante. 

*
Os grandes processos são, muitas vezes, grandes alegações com poucos factos, muitas deduções e pouca prova. No confronto com o contraditório, tudo se complica.

*
Há uma sacralização desta justiça mediática, é a ordália dos tempos modernos. Todos são condenados, antes de o serem; todos são condenados, ainda que absolvidos.

*
O que a investigação criminal precisa é de serenidade e não de estados de alma, de distanciamento e não de redentores morais.

*
Devagar lá se chegará: à exigência da criminalização do enriquecimento sem justificação, seja lá o que isso for, com efeitos retroativos.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Estratégias

Leio no twitter:
"Notícia TVI: Prazos processuais salvam Luís Filipe Vieira da prisão. Juiz Carlos Alexandre queria prisão preventiva, mas decidiu preservar os 4 meses que ainda restam de segredo interno para continuar a investigação."
Desconheço se a notícia é apenas o resultado da imaginação jornalística ou se deve ser-lhe dada credibilidade. Se fosse este o caso, o da credibilidade, seria preocupante; se foi o resultado de alguma efabulação, não deixa de ser também preocupante.
A aplicação de uma medida de coação, nomeadamente as de prisão preventiva ou de permanência na habitação, não depende das estratégias, sejam elas quais forem, de um juiz de instrução; e, muito menos, do seu querer. A avaliação dos pressupostos que levam à aplicação ou não de tais medidas deve ser ponderada e objetiva, tendo apenas como suporte a prova e a lei. Estratégias tê-las-á quem dirige a investigação, mas esse é um outro tema.

domingo, 11 de julho de 2021

Questão moral

Nada na lei consente que se aplique uma medida de coação de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação enquanto não é cumprida, sem que tenha havido sinais de incumprimento, a medida de coação de caução que se considerou adequada. E isto tanto vale para uma caução de milhões, de milhares, de centenas ou de dezenas. Se assim não fosse, a um número significativo dos arguidos a quem foi aplicada medidas de coação de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação deveria ser dada a oportunidade de, consoante as possibilidades económicas de cada um, prestar caução substitutiva daquelas. Mais do que uma questão legal, seria uma questão moral.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Palavras

O valor da caução deposita-se ou garante-se, não se paga. E, muito menos, não paga qualquer prisão preventiva. 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Leituras

 


Em certos lugares da zona americana uma distracção muito procurada consiste em assistir a um Spruchkammersitzung, quer dizer, aos debates do tribunal de desnazificação. Um dos frequentadores destes sítios é um homem com sandes embrulhadas num papel ruidoso, o qual, dando mostras dum interesse nunca esmorecido, vê desenrolarem-se-lhe diante dos olhos, raramente cansados, processos uns a seguir aos outros; conhece as salas de audiência nuas destes palácios da justiça, meio destruídos pelas bombas, onde já não há o menor vestígio da sádica elegância com que a justiça habitualmente gosta de se ver rodeada. Seria errado pensar que ele se desloca ao tribunal com as sandes para ali usufruir do tardio triunfo da justiça final. É mais verosímil que se trate dum amador de teatro, que vem para aqui para satisfazer a sua necessidade de arte cénica. Nas melhores ocasiões, isto é, quando todos os participantes são suficientemente interessantes, um Spruchkammersitzung constitui um drama cativante e de qualidade, alternando rapidamente entre o passado e o presente, drama este que, por via dos intermináveis interrogatórios das testemunhas, durante os quais nem um só dos actos dos réus, no decurso dos doze anos considerados, é tido de somenos importância para ser silenciado, tem o efeito de exercícios práticos de existencialismo. A atmosfera de sonho e de irrealidade, em que se desenrola esta inspecção de pormenores provindos das recordações lamentáveis ou medonhas duma nação inteira, suscita uma outra associação de ideias de carácter literário. Nestas salas de sessão situadas no topo de edifícios com tecto de clarabóia, as quais, com as janelas meio muradas, as paredes absolutamente nuas, as suas frias lâmpadas incandescentes e o seu pobre mobiliário danificado pelas bombas, criam o efeito duma transposição para a realidade dos sótãos em cujos escritórios desertos se desenrola O Processo, julgar-nos-íamos transportados para o mundo fantástico de Kafka e do seu tribunal.

 

Do Capítulo OS TRÂMITES DA JUSTIÇA, pags. 90/91


quinta-feira, 29 de abril de 2021

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Um Portugal (im)perfeito

 O Público destaca, na primeira página, uma frase do Presidente da República no discurso comemorativo do 25 de Abril: "Não há, nunca houve, um Portugal perfeito". Não compreendo que uma banalidade retórica, manifestamente mais desculpabilizante do passado do que estimulante para o presente, possa ter suscitado tal relevância. Não há, nunca houve ou haverá um Portugal perfeito. Mas a verdade é que a imperfeição de hoje é menos imperfeita do que a de ontem, e que, é o que o 25 de Abril consente, a imperfeição de amanhã será menos imperfeita do que a de hoje. As imperfeições da história não são para serem esquecidas ou niveladas, mas sopesadas criticamente.

domingo, 25 de abril de 2021

25 de Abril

Só dá a liberdade quem é livre.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Uma vergonha

Na sua tomada de posse, o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério declarou que os magistrados que representa veem "com preocupação o autismo evidenciado pela Procuradora-Geral da República".
É uma declaração com falta de ética e de bom senso.
Os muitos que sofrem de autismo, e também aqueles que deles cuidam, merecem um pedido formal de desculpa.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Leituras

 
"Se as relações entre os negros livres e os brancos pobres não eram violentas, os primeiros nunca poderiam partilhar inteiramente da perspectiva dos brancos pobres, pois ainda que iguais na pobreza, os dois grupos não eram iguais na liberdade. Concedido que fosse o estatuto jurídico de libertos, os negros, a par dos mouriscos e cristãos-novos, eram postos à parte dos cristãos-velhos, no que dizia respeito às disposições de ordem pública. Disposições que se baseavam no pressuposto de que os negros libertos tinham mais a ver com os negros escravos do que os brancos livres, e por isso ajudariam e induziriam os escravos ao crime e à fuga.
A acrescentar à dura realidade dos seus quotidianos, os negros libertos sofriam o preconceito dos portugueses que os desvalorizavam por serem negros e terem sido escravos, criando uma distância social que os afastava dos homens brancos livres, mesmo os mais pobres, o que suscitava um sentimento de comunidade negra, unindo-os aos outros negros, fossem eles escravos ou libertos."

(pag. 122)

terça-feira, 13 de abril de 2021

Concluios

Quando a investigação criminal e os média se conluiam no mesmo propósito, não é já da justiça que falamos. A fuga criteriosa e sistemática, ao longo do tempo, de elementos da investigação que deveriam estar em segredo de justiça ou eticamente preservados, vai permitir criar uma narrativa sem contraditório, facilmente assimilável, que elimina a presunção de inocência e dificulta o exercício da defesa. Esta narrativa, obviamente, vai ao encontro dos interesses da investigação, dando-lhe uma credibilidade que só deveria adquirir, por mérito próprio, em sede onde fosse permitido o contraditório judicial.
Há crimes que são particularmente vulneráveis a essas urdiduras, com fortes impactos socias e políticos. Estarão, nessa situação, os crimes de natureza sexual ou económica.
Karine Moreno-Taxman*, procuradora americana, esteve no Brasil como “resident legal adviser”, e foi consultora das autoridades brasileiras onde se integrava o juiz Moro. Em 2009, na presença de Moro e de centenas de polícias federais, ensinou que num caso de corrupção é preciso correr atrás do rei de maneira sistemática e constante para o fazer cair, ou que, a fim de que o poder judicial possa condenar alguém por corrupção, é necessário que o povo deteste essa pessoa. Não estive presente nas conferências que o juiz Moro deu em Portugal, pelo que não posso afirmar que tenha sido tão didático como a procuradora americana.
 
*Recolhi estes elementos no artigo do jornal Le Monde que aqui referi.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

O acórdão 90

"Julgar inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, os artigos 119.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na versão posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem."

Acórdão do Tribunal Constitucional, de 6 de fevereiro de 2019, que pode/deve ser lido aqui.


domingo, 11 de abril de 2021

Serviço público

 

Na edição de hoje, o jornal Le Monde publica um artigo sobre a justiça brasileira que é de leitura obrigatória para quem, em Portugal, analisa os caminhos da justiça lusa e dos ruídos que proliferam à sua volta. 
Em 2009, realizou-se em Fortaleza, uma conferência com cerca de 500 polícias federais em que participaram o juiz Moro e a procuradora norte-americana Karine Moreno-Taxman.
Vale a pena distinguir o teor das suas intervenções:
"Sergio Moro est là, présent dès la première heure de la conférence. C’est même lui qui ouvre les débats, juste avant de laisser la parole à la représentante nord­américaine. Visiblement en forme, le juge de Curitiba se lance en citant l’ex­président nord­américain Franklin Delano Roosevelt, puis il attaque pêlemêle les crimes en col blanc, l’inefficacité et les failles d’une justice brésilienne malade, selon lui, d’un système de «recours infinis» bien trop favorable aux avocats de la défense. Il en appelle à une réforme du code pénal, soulignant le fait que des discussions en ce sens ont lieu au même moment au Congrès de Brasilia. Applaudissements dans la salle.
Devant le public, Mme Moreno­Taxman prend place à son tour. Elle parle sur un ton bien moins sec et grave que son prédécesseur, mais tout aussi direct : «Dans une affaire de corruption, lance­t­elle, il faut courir derrière “le roi” de manière systématique et constante pour le faire tomber.» Plus explicite : «Afin que le pouvoir judiciaire puisse condamner quelqu’un pour corruption, il est nécessaire que le peuple déteste cette personne. » Enfin ceci : «La société doit sentir que celle­ci a réellement abusé de son poste et exiger sa condamnation.» De nouveau, applaudissements de l’auditoire."


Megaprocessos

Em 13 de março de 2017, publiquei o poste que transcrevo e que se tornou um dos mais visualizados deste blogue:

Um megaprocesso sustenta mais o imaginário do que a justiça.

Há mais de 10 anos, em entrevista ao Expresso, manifestei-me contra a tentação do Ministério Público, mas também policial, pelos inquéritos desmedidos mas de eficácia duvidosa.
Ao longo da minha carreira profissional sempre o defendi, ainda que, reconheço, com manifesto insucesso.
Leio que o PS e o PSD estão de acordo "para acabar com megaprocessos".
Esse acordo teria sido desnecessário se o Ministério Público tivesse uma hierarquia coesa e responsabilizada, com rigorosos parâmetros de atuação funcional.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Os submarinos

Os proto-especialistas em corrupção têm ocupado, nos dias mais recentes, o espaço mediático: com generalidades. Avizinhando-se o sangue da decisão instrutória, seja ela qual for, não era de esperar que assim não fosse. Não deixa, porém, de ser insólito que, mesmo em nota de rodapé, o caso dos submarinos não seja objeto de atenção. Se há caso em Portugal que mereceria uma análise exaustiva, até por estar irremediavelmente findo, seria este. Não conheço que académicos ou magistrados tenham levado a cabo essa análise que, com certeza, seria enriquecida licitamente com o cotejo com o processo que, à volta dos mesmos factos, correu termos na justiça alemão. A reflexão sobre casos passados é bem mais importante e didática do que a especulação sobre hipóteses futuras.

terça-feira, 30 de março de 2021

Os nós do populismo judiciário

1.
No Jornal de Notícias, de 28 último, foi publicada uma entrevista com o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Desembargador Manuel Soares.
Com certeza por ser apelativa, o jornal chamou à primeira página a seguinte afirmação:
"Há pessoas que entraram pobres na política, saíram ricas e riem-se de nós*."
2.
Não sendo um nós majestático, há na declaração um abuso manifesto do nós plebeu.
Ainda que sendo poder, não tem o voto, democraticamente expresso nas urnas, para representar a vontade do nós.
Ainda que sendo poder, não lhe foi outorgada procuração que lhe permita substituir-se à vontade do nós.
A pluralidade do nós não é judiciária, é política.
A ideia de um poder judicial morolmente redentor é perigosa, como a história o demonstra.

*Negrito da minha responsabilidade

terça-feira, 23 de março de 2021

Alianças

A ministra da Justiça, em extensa entrevista ao PÚBLICO (21 de março), disse, en passant, algo de óbvio e anódino, sobre os casos de vacinação fora das regras estabelecidas: Há factos que podem condicionar as realidades que se verificaram. Claro que os casos terão de ser analisados um a um. Mas num contexto em que as doses se estragam se não forem usadas... É um problema de falta de programação. Admito que se tenham verificado situações em que faz mais sentido usar a vacina no senhor da pastelaria do que desperdiçá-la.
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o Correio da Manhã e o Observador, logo no dia seguinte, indignaram-se, como se a ministra da Justiça não tivesse a liberdade de se pronunciar nos termos em que o fez; como se a ministra da Justiça estivesse a tentar condicionar a investigação. Quando não há argumentos, também não há bom senso.

segunda-feira, 22 de março de 2021

A contaminação mediática

Francisco Proença de Carvalho, advogado, deu uma interessante entrevista ao advocatus que não pode nem deve ser ignorada. 
A jornalista Filipa Ambrósio de Sousa destacou, em título, uma declaração que remete para a preocupação do entrevistado sobre a influência mediática nas decisões judiciais; É uma ingenuidade achar que as decisões não são influenciadas pelo mediatismo.
É óbvio que, ao longo dos anos, o peso da indignação retórica tem tomado conta do jornalismo judiciário e invadiu as manhãs televisivas. Como diz Francisco Proença de Carvalho, seria importante que a comunidade compreendesse que a justiça não se faz apenas condenando. 
Da instauração do inquérito à prolação de uma decisão final em tribunal de recurso, a sindicância mediática, na generalidade dos casos, traz consigo um pré-juizo, uma afirmação de condenação antecipada, que perigosamente podem condicionar a realização da justiça.
Sem o pedestal social que uma democracia não consente, a justiça não o pode substituir pelo elevador mediático.

terça-feira, 16 de março de 2021

Um equívoco

aqui escrevi sobre a (des)necessidade de um(a) Secretário(a)-Geral de Segurança Interna. Volto ao tema face ao artigo publicado no DN, de 15 de fevereiro
Haverá um plano, aprovado por esta entidade, desde 2017, para "prevenir o recrutamento extremista e terrorista". Trata-se, porém, de um plano que deve estar guardado a sete chaves, desconhecendo-se, após quatro anos, "consequências e ações no terreno" que dele resultassem.
A criação do(a) SGSI foi um equívoco que nunca conseguiu vencer as fraturas existentes entre os diversos órgãos de polícia/investigação criminal. Apenas a inércia política pode justificar a atual situação.


domingo, 14 de março de 2021

Leituras

 

Fizemos grandes progressos no que respeita ao papel das bactérias na evolução e à sua interdependência no que toca aos seres humanos, que muito nos beneficia. O microbioma passou a fazer parte do modo como nos definimos, mas não existe nada de comparável quando nos referimos aos vírus. O problema começa na forma de os classificar e na compreensão do papel que desempenham na economia global da vida. Será que os vírus estão vivos? Não, não estão. Um vírus é um organismo vivo? Não, não é. Porque falamos então em «matar» vírus? Qual o panorama dos vírus no panorama biológico geral? Onde se enquadram na evolução? Porque provocam um tal caos entre os organismos realmente vivos? As respostas a estas perguntas são, com frequência, hesitantes e ambíguas, o que é desconcertante face ao sofrimento humano provocado pelos vírus. Comparar vírus e bactérias é um exercício que vale a pena fazer. Não há metabolismo energético nos vírus, nas ele existe nas bactérias; os vírus não produzem nem energia nem detritos, ao contrário das bactérias. Os vírus não iniciam qualquer movimento. São compostos por ácidos nucleicos - ADN ou ARN - e por algumas proteínas variadas.
Os vírus não conseguem reproduzir-se sozinhos, mas podem invadir organismos realmente vivos, apoderar-se dos seus sistemas vitais e multiplicar-se. Ou seja, não estão vivos, mas podem parasitar organismos vivos e criar uma «pseudo» vida, ao mesmo tempo que, na maioria dos casos, vão destruindo a vida que lhes permite dar continuidade à sua existência ambígua e promover a criação e a distribuição dos «seus» ácidos nucleicos. E, nesse ponto, pese embora o seu estatuto de organismo não-vivo, não podemos negar que os vírus possuem alguma da inteligência não-explícita que anima todos os organismos vivos, a começar pelas bactérias. Os vírus possuem uma competência oculta que só se manifesta quando encontram as condições propícias.

(Páginas 40/41)

quinta-feira, 4 de março de 2021

Cartilhas

Durante muitos anos, só conheci a cartilha maternal; com o aumento exponencial do comentarismo futebolístico, passei a conhecer a cartilha clubística; em tempos de crise de saúde pública, após a leitura do artigo de Pedro Tadeu, no DN, descubro a cartilha pandémica.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Memórias (Im)prováveis

José Narciso da Cunha Rodrigues foi procurador-geral da República entre 1984 e 2000. Vinte anos depois, publica as memórias sobre esse tempo de glórias e equívocos. Livro de leitura agradável, tem o estilo que sempre lhe foi peculiar: sistematizado e linear.
Sendo o vigésimo na lista dos procuradores-gerais, foi o primeiro na exposição mediática; em abono da verdade, diga-se que perante ela nunca (a) recu(s)ou. Seria, porém, injusto dizer que foi esse o seu legado. É-lhe devida a matriz atual do Ministério Público. A perceção de que um poder só existe e afirma no confronto com um outro tornou-se na estratégia da autonomia.
O título é enganador. Estas são as memórias prováveis já que são as memórias de muitos. Possui um exaustivo índice onomástico; dele constam 223 nomes, o que facilita uma leitura integrada. Mário Soares aparece em 22 páginas e Laborinho Lúcio em 16.

Memórias Improváveis, Os Longos Anos de um Procurador-Geral, Edições Almedina, 2020

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O Portugal pequeno-corrupto

Do artigo de André Evangelista Marques, com o título em epígrafe, publicado pelo Público, em 28 de janeiro:

"Os exemplos desta pequena corrupção são muitos, a começar pelo mundo do trabalho. Se olharmos para o recrutamento no Estado é impossível não ver a multiplicação de concursos públicos cujos resultados estão definidos à partida, muitas vezes condicionados por influências pessoais, quando não partidárias, e estruturalmente marcados por processos burocráticos kafkianos que ajudam a mascarar a arbitrariedade. Nas empresas e outras instituições privadas o cenário é frequentemente marcado por uma excessiva endogamia, na raiz de uma “homogeneidade” pobre que redunda numa experiência limitada do mundo, como bem observou Penelope Curtis, ex-directora do Museu Gulbenkian, em entrevista ao PÚBLICO.   
Se olharmos depois para a relação que cada um de nós mantém com o Estado e com a coisa pública, o que vemos muitas vezes é uma lógica privada de utilização dos recursos públicos. É assim nos serviços de saúde, onde a multiplicação de pequenos favores (a marcação de consultas contornando listas de espera, a admissão a hospitais fora da zona de residência, etc.) conduz a uma sobrecarga que bloqueia o sistema, quando não a uma confusão entre serviços prestados a título público e privado. É assim com todas as pequenas fugas ao fisco, que no conjunto diminuem de forma significativa a massa tributável. É assim no trânsito, onde todo o tipo de pequenas infracções (estacionar em segunda fila por “breves” instantes é o exemplo clássico) tornam a circulação mais difícil. E é assim em tantas outras circunstâncias em que cada um de nós se apropria do que é de todos.
Se olharmos para o mundo dos media e da cultura, vemos também uma distorção frequente do espaço público por interesses particulares que o tornam menos plural. Desde logo quando jornalistas, curadores e académicos, por vezes pagos com dinheiros públicos, escolhem destacar, programar ou escrever sobre o trabalho de artistas ou pensadores a quem os ligam relações pessoais ou de escola, sem terem em conta critérios mais objectivos.

Aludi a três aspectos em que se manifesta esta corrupção sem corruptos, mas os exemplos poderiam multiplicar-se. É fácil atribuir a responsabilidade aos outros, a uma classe em particular, às “chefias” ou a qualquer outra categoria abstracta. Mas a verdade é que incorremos demasiadas vezes em comportamentos deste tipo, quase sempre sem consciência de estarmos a corromper ou a ser corrompidos. Em alguns casos fazemo-lo como resposta resignada às ineficiências do sistema, como quando recorremos a uma cunha para conseguir tratamento para alguém doente, ou até com boas intenções, como quando prescindimos de uma factura por generosidade para com alguém mal pago."


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Leituras

 

Em diferente plano, não era menos importante reforçar a protecção jurisdicional aí onde, por efeito das novas tecnologias, institutos processuais clássicos estavam a adquirir um imprevisível potencial de agressão aos direitos individuais e eram, no limite, portadores de riscos de lesão da confiança cívica.
Era, entre outros, o caso das escutas telefónicas.
O aparecimento de novas tecnologias a preços competitivos teve consequências nos modos de investigação criminal. A recolha de informações começou a ser substituída por um meio mais acessível e menos disruptivo do dia-a-dia dos investigadores. A escuta telefónica punha os arguidos "a falar". Gradualmente, fui-me convencendo que os magistrados e órgãos de polícia criminal iam alargando o perímetro das escutas no sentido de obterem indícios que, depois, iriam consolidar. 
A investigação criminal estava, assim, a tornar-se "preguiçosa".
Os magistrados do Ministério Público conheciam as minhas orientações.
No entanto, a estratégia da investigação tem componentes subjectivas praticamente insindicáveis.
Também neste domínio, a avaliação estatística ia-se tornando das poucas modalidades de controlo que podia evitar a susceptibilidade de certos actores.
Seria interessante conhecer o número de escutas conectado com o tipo de crime e com o destino final dos inquéritos e instruções criminais.

pags. 98/99

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Apanhado acidentalmente (2)

Afinal foram três as escutas em que o primeiro-ministro foi apanhado; duas foram "consideradas irrelevantes", uma outra foi validada. O Ministério Público não terá estado de acordo com a irrelevância e, por isso, recorreu da decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Fonte: PÚBLICO, de 23 de janeiro.

Nos termos do artigo 11º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, 
2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
b) Autorizar a interceção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respetiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º.
Esta competência foi introduzida no referido Código pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto. Terá tido como propósito o de pôr a salvo estas três entidades de alguma ponderação menos cuidada na autorização de interceções, nomeadamente as telefónicas. Não as põe a salvo, porém, das escutas indiretas, mas a estas ninguém o está.
Sabendo do apetite mediático que as escutas sempre suscitam, não será ousado prognosticar que, a prazo, os especialistas em semióticas das escutas terão muito com que nos entreter.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Apanhado acidentalmente

"Presidente do Supremo mandou destruir escutas em que o primeiro-ministro foi apanhado acidentalmente. Mas o Ministério Público recorreu. Há uma escuta ainda em apreciação. Alvo era o ministro do Ambiente."
Do Expresso 

Qualquer cidadão pode ser apanhado numa escuta; acidentalmente, há menos. Para apanhar um primeiro-ministro numa escuta, nada melhor do que pôr um seu ministro sob escuta.
Não se trata do primeiro primeiro-ministro a ser apanhado numa escuta. Nem se trata também da primeira vez em que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça considerou essas escutas irrelevantes.
A banalização das escutas não serve a justiça; serve o ruído interminável em que se transformou a justiça.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Tributo a António Manuel Hespanha


 A tribute to the late great historian: António Manuel Hespanha

Mafalda Soares da Cunha
Introduction: A Great Historian and a Great Person
PDF ]

Angela De Benedictis
António Manuel Hespanha: a Constant Guide for My Research
PDF ]

Frederico de Lacerda da Costa Pinto
Hespanha is a Sage
PDF ]

Nuno G. Monteiro
António Hespanha e a Revista Penélope: Fazer e Desfazer a História
PDF ]

Fernando Bouza
António Manuel Hespanha and the Resignification of Habsburg Portugal (1580-1640)
PDF ]

Fernando Dores Costa
António Manuel Hespanha and the Commission for the National Commemoration of the Portuguese Discoveries
PDF ]

Pedro Puntoni
Revisionism in the Tropics: the Political Model of the Portuguese Colonial Empire, by António Manuel Hespanha
PDF ]

Raquel Sofia Lemos
Beloved Professor Hespanha
PDF ]


Para ler aqui.

sábado, 16 de janeiro de 2021

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Entradas de leão

Sobre a nomeação de um magistrado do Ministério Público para a Procuradoria Europeia, o Caso UGT veio de novo à baila.
A esse respeito, o Secretário-Geral da UGT, Carlos Silva, subscreveu uma nota para a comunicação social, da qual transcrevo:


É com profunda estranheza e repugnância que a UGT tem vindo a acompanhar as notícias de vários órgãos de comunicação social, sobre a nomeação do procurador José Guerra para o cargo de procurador europeu.
Estranheza pelo facto de a alegada carta enviada às instâncias comunitárias, a defender a nomeação deste magistrado, pelo Governo português, inclua no seu currículo a sua participação no Processo UGT, vislumbrando-se que tal referência nem sequer corresponde à verdade histórica do processo.
...
Ao Governo cabe nomear quem lhe aprouver, mas sobretudo não vislumbramos a necessidade, para efeitos curriculares, da referência ao que aconteceu num processo judicial, cujo epílogo terminou numa completa absolvição.


Sendo aquilo a que se poderia chamar um mega processo, o Caso UGT não será motivo de orgulho funcional para uma magistratura ou para um magistrado. Se é verdade que durante anos animou a comunicação social, é também verdade que na hora da sua apreciação judicial a pretensão do Ministério Público não obteve sucesso.
Idênticos exemplos se poderiam dar em que, a entradas de leão, corresponderam absolvições sonantes.
Nunca compreendi que estas situações, com pesados encargos para o Estado, não fossem sindicadas e avaliadas no sentido de se saber o que correu mal ou se fez de errado, se é que algo correu mal ou se fez de errado, e o que se poderia evitar no futuro.
É que absolvições em processos desta natureza não podem ser tidas como normais, sob pena do ruído à volta da justiça ser mais relevante do que a própria justiça.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Controlo da atividade policial

Quem policia a polícia dos polícias? é um texto de Fernanda Câncio, no DN, em que se questiona o desempenho funcional da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI). 
A IGAI é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia técnica e administrativa - artigo 1º do Decreto-Lei nº 58/2012, de 14 de março.
No artigo 2º, nº 1, deste diploma, fixa-se a sua missão: A IGAI tem por missão assegurar as funções de auditoria, inspeção e fiscalização de alto nível, relativamente a todas as entidades, serviços e organismos, dependentes ou cuja atividade é legalmente tutelada ou regulada pelo membro do Governo responsável pela área da administração interna.
No nº 2 do mesmo artigo, enumeram-se as suas atribuições.
Não será difícil concluir que se trata de um organismo político-administrativo que abarca mais do que a atividade policial e está funcionalmente dependente do respetivo ministro.
Quem policia as polícias. pelo menos as que tutela, é o ministro da Administração Interna, ainda que coadjuvado pela IGAI. Vale a pena transcrever a atribuição que conta da alínea d) deste nº 2: Efetuar inquéritos, sindicâncias e peritagens, bem como processos de averiguações e disciplinares superiormente* determinados, e instruir ou cooperar na instrução dos processos instaurados no âmbito dos serviços, cuja colaboração seja solicitada e autorizada superiormente*.
O controlo da atividade policial nos seus excessos e ilegalidades é uma preocupação generalizada. Ainda há pouco, o presidente Macron o referiu, dizendo que era preciso proceder a uma reforma em França nessa matéria.
Creio que a ação disciplinar na atividade policial não se pode configurar com a ação disciplinar na função pública.
A necessidade de uma entidade independente das polícias e do governo, tal como a que é referida por Fernanda Câncio para a Inglaterra e País de Gales, será uma via possível.
Mas tornam-se necessárias outras medidas que deixem de fazer das instalações policiais terras de ninguém.

* Negrito da  minha responsabilidade


sábado, 2 de janeiro de 2021

Lapsos

Há lapsos que, por mais que o sejam, inquinam uma nomeação. Será o caso da nomeação do procurador da República José Guerra para a Procuradoria Europeia, independentemente das suas qualidades, aliás reconhecidas pelo Conselho Superior do Ministério Público. A falta de rigor da informação em matéria que se sabia controversa, tendo a convicção de que não foi deliberada, está entre a distração e a leviandade. Daí a clamar-se pela demissão da ministra da Justiça só pode justificar-se pelo desespero político e pelo delírio intelectual; ou vice-versa.