sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Balanço

Dois mil e dez não foi um bom ano para a Justiça. O protagonismo dos seus atores traduziu-se numa generalizada descredibilização. O rigor, a eficácia e a sensatez estiveram longe dos tribunais. Assistiu-se a uma retórica incompatível com os respetivos estatutos funcionais. Por outro lado, a opacidade que tem rodeado um número significativo de processos, os atrasos injustificadamente excessivos, as decisões que deixaram de ser um caminho para o esclarecimento mas uma via para a perturbação, calcinaram ainda mais a vida dos direitos. O que se prenuncia, não é melhor.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Aos milhões

Em 2000, o Ministério Público determinou o arquivamento de 354509 inquéritos, e, em 2009, de 411692, situando-se o número de despachos dos anos intermédios dentro destes parâmetros. Não é, pois, difícil de concluir que se contabilizam por milhões os inquéritos em que, em 10 anos, o Ministério Público proferiu despachos de arquivamento.
O arquivamento de um inquérito não resulta apenas da insuficiência da prova recolhida, indo da desistência do procedimento criminal, ou seja, do perdão, à inexistência de crime, aliás de acordo com o que dispõe o artigo 277º do Código de Processo Penal, nos seus nºs 1 e 2.
Os sucessivos relatórios anuais da Procuradoria-Geral da República não operam essa diferenciação.
Não só do ponto de vista didático, mas também no sentido de melhorar o desempenho do Ministério Público, seria útil fazê-la.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Percentagens

Em 2009, passaram pelas mãos do Ministério Público 766733 inquéritos, 546904 (71,3%) registados nesse ano, 219829 (28,6%) vindos de anos anteriores.
É pena que não se discriminem, por anos de registo, estes que vêm de anos anteriores, já que é aí que se encontram, muitas vezes, as notícias do bloqueio.
No mesmo período, foram requeridos julgamentos, nas suas diversas formas de processo, em 68757 (8,9%).
O instrumento de consenso que se traduz na suspensão provisória, previsto no artigo 281º do Código de Processo Penal, foi utilizado em 8248 (1%).
Foram arquivados, nos termos do artigo 277º do mesmo Código, 411692 (53,6%).
E arquivados, nos termos do artigo 280º, 1670 (0,02%).
Terminaram, por “outros motivos”, 47714 (6,2%).
Estes motivos reportam-se, na generalidade, a situações de duplicação ou apensação de inquéritos.
Transitaram, para 2010, 228652 (29,8%).
Destaca-se que dos inquéritos transitados, 57784 (25,2%) tinham registo de 2008 e de anos anteriores.

FONTE

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

The Year in Wall Street Investigations

"It's been over three years since credit markets started shaking with the early tremors of the subprime crisis, and two years since that spread into a marketwide collapse. Prosecutors, regulators, Congress and journalists have spent the year uncovering the financial shenanigans that brought the market to its knees. It's been marked by a few blockbuster settlements and more revealing investigations -- as well as by some noticeable inaction in the reckoning."

Para ler no ProPublica

O Princípio da Incerteza

O Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, que estabelece que a acção da impugnação de paternidade pode ser intentada pelo marido da mãe no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade.
Se a esta decisão associarmos a notícia do Público (sem link) sobre o aumento sustentado, fora do âmbito judicial, dos testes que visam garantir a verdade científica da paternidade, não será difícil concluir que o ato procriador já não é legitimado pela fé. Deixámos a poesia, passámos à prosa.

*O título do texto fui buscá-lo a um belíssimo livro de Agustina Bessa-Luís.

Leituras

domingo, 26 de dezembro de 2010

Modernidade

The German Law Journal é um excelente instrumento na aprendizagem da modernidade dos direitos. Basta a indicação do e-mail para receber a notícia da publicação de um novo número. Para juristas e outros parentes.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Natal

Os cristãos, no Iraque, já tiveram a liberdade de celebrar, publicamente, o Natal; hoje, não a têm. Gostaria que os responsáveis pela tragédia que ocorreu com uma invasão que foi criminosa, tivessem a coragem de, livre e publicamente, desejarem um Feliz Natal aos cristãos que vivem no Iraque.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A taluda

A absolvição da PT, agora definitiva, pela prática de uma contraordenação que levou a Autoridade da Concorrência a aplicar-lhe uma coima de 38 milhões de Euros, não pode deixar de suscitar perplexidade. Não se aplica uma coima de 38 milhões, mesmo à PT, de ânimo leve, nem se absolve de ânimo leve, mesmo a PT, de uma contraordenação que poderia valer, pelo menos na opinião da Autoridade da Concorrência, os tais 38 milhões. Neste caso, como em outros, é óbvio que a ineficácia não se traduz na falta de meios físicos, sejam veículos ou tinteiros, mas na falta de competências e na inexistência de uma adequada articulação com o Ministério Público.

Indulgências

O Presidente da República, dos 204 pedidos que lhe foram presentes, concedeu seis indultos: três de redução de pena de prisão, três de revogação de pena de expulsão. Como escrevi aqui, a concessão de indultos poderia ser um significativo instrumento na realização da justiça, nomeadamente na dinamização da reinserção social. Torná-la uma caricatura é trair expectativas legais e humanas. Tanta avareza na graça é mais uma cedência ao populismo justicialista. Será que se justifica a continuação constitucional do indulto à espera de um alguém capaz de o utilizar sem o desmerecer?

The Right to Food and Buyer Power

"Modern global food supply chains are characterized by extremely high levels of concentration in the middle of those chains. This paper argues that such concentration leads to excessive buyer power, which harms the consumers and food producers at the ends of the supply chains. It also argues that the harms suffered by farmers are serious enough as to constitute violations of the international human right to food, as expressed in the Universal Declaration of Human Rights and more specifically, in the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. World competition law regimes cannot ignore these human rights imperatives. To a certain extent, these imperatives can be accommodated under existing consumerist competition law theories by the interpretive mechanism of conform-interpretation. However, when one comprehends the truly global scale of modern food supply chains, it becomes obvious that conform-interpretation alone will not suffice. Instead, the protection of a minimum level of producer welfare congruent to those producers’ right to a minimum adequate level of food must find a place among the aims of any credible theory of competition law. Moreover, the same globalized nature of these food supply chains means that current doctrines of extraterritorial jurisdiction of competition control have also to be revised."

Este artigo do Prof. Aravind R. Ganesh pode ser lido no German Law Journal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Organização da Investigação Criminal

Em Maio de 2004, postei o texto que se segue no blogue CORDOEIROS, entretanto já matado.
Consegui recuperá-lo graças ao Lemos da Costa que lhe deu guarida no INCURSÕES.
Ao relê-lo, quase sete anos depois, verifico que as interrogações se mantêm e que as poucas certezas se confirmaram.

***
Em 10 de Agosto de 2000, foi publicada a Lei nº 21 com o propósito de fixar uma nova Organização da Investigação Criminal.
Foi feita à medida dos propósitos da Polícia Judiciária, entidade que vê a sua Lei Orgânica renovada em 9 de Setembro seguinte pelo Decreto-Lei nº 275-A de modo a adequar-se a essa Organização.
Estabelece-se um catálogo de crimes cuja competência lhe fica reservada, prevendo-se a hipótese do Procurador-Geral da República deferir àquela entidade a investigação de crimes que não estejam abrangidos nessa reserva.
A este diploma subjaz a ideia de que a PJ deve desenvolver a sua actividade apenas relativamente a crimes de maior relevância e que exijam meios técnicos mais sofisticados, nos quais se inclui, obviamente, as escutas telefónicas.
Daí, como se deixou demonstrado em posts anteriores, resultou um significativo decréscimo do número de processos em que tem intervenção, com o consequente aumento da actividade processual da GNR e da PSP.
Assim, desenha-se uma área muito vasta da criminalidade, incluindo a sua dimensão territorial, que passa para estas (GNR e PSP), permitindo-lhe a aquisição de um manancial de informação relevante.
Durante anos, mesmo no interior da PJ, houve quem defendesse que a redução substancial dos tipos de crime a investigar, nomeadamente em Lisboa e Porto, amputaria a sua eficácia pois a privaria da aludida informação.
Sustentavam que a pequena e a grande criminalidade não são áreas estanques, antes funcionando como um sistema de vasos comunicantes.
Se antes de 2000, no DIAP de Lisboa, o órgão de polícia criminal interlocutor maioritário do Ministério Público era a PJ, hoje essa posição é assumida pela PSP.
Creio que o mesmo se poderá dizer relativamente ao DIAP do Porto.
Por outro lado, fora dos grandes centros, a actividade da GNR, na investigação criminal, ganhou um significativo impulso.
Decorridos quatro anos sobre a Lei da Organização da Investigação Criminal, está por fazer um levantamento rigoroso dos seus resultados.
Há uma maior eficácia na investigação dos crimes do catálogo?
Essa eficácia tem-se traduzido numa melhor recolha de elementos de prova?
E isso tem tido tradução judicial?
Temos alguns números, precisamos da substância.
Empiricamente, poderia dizer que tanto a GNR como a PSP empenharam-se em ganhar uma oportunidade que parecia um presente envenenado.
Politicamente, talvez pudesse escrever que na elaboração de uma futura lei da Organização da Investigação Criminal são entidades que não irão ficar à margem.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

When Zombies Win

When historians look back at 2008-10, what will puzzle them most, I believe, is the strange triumph of failed ideas. Free-market fundamentalists have been wrong about everything — yet they now dominate the political scene more thoroughly than ever.
How did that happen?


Paul Krugman

domingo, 19 de dezembro de 2010

Os restos

No tempo da minha infância, os restos eram uma séria preocupação doméstica. A perspectiva piedosa de que nada se poderia/deveria desperdiçar, nomeadamente os restos da comida, levava à sua gestão criteriosa. Havia os restos que eram dados à lavagem e recolhidos por quem tinha porcos para alimentar. Havia uns outros restos que, podendo escapar à lavagem, eram levados pelos ciganos quando estes apareciam. Por fim, havia os restos melhorados para distribuir pelos pobrezinhos, que eram os pobres bem-educados, a distribuir, geralmente, ao sábado de manhã. Hoje, os restos são políticos e têm direito a televisão. São os restos de rastos.

*Este texto deve-se à leitura da crónica de Pedro Adão e Silva, ontem, no Expresso.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Fantasmas

As alterações introduzidas pelo Decreto nº 66/XI da Assembleia da República, contendo alterações à Lei nº 19/2003, de 20 de Junho, têm o manifesto propósito de reduzir as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais.
Tal Decreto foi promulgado, para ser publicado como Lei, com as reservas presidenciais que podem ser lidas aqui.
As leis são instrumentos nas mãos das mulheres e dos homens, sejam políticos ou não, que têm sempre uma margem de corrupção, não as havendo incólumes e/ou absolutas.
Lidas as alterações e confrontando-as com as reservas presidenciais, fica-se com a ideia que estas não o são à lei mas aos políticos.
A retórica, tão eficazmente popular, sobre o desvalor moral dos políticos incendeia a democracia e foi sempre uma porta de entrada das ditaduras.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Simetria

A simetria penal entre agentes ativos e agentes passivos do crime de corrupção favorece os pactos de silêncio e estimula a confiança na ação criminosa. O desequilíbrio dos respectivos estatutos seria um bom passo para que se tornasse mais fácil a colaboração de alguns dos agentes, permitindo agilizar a investigação.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Indelicadezas

O Tribunal de Intrução Criminal do Baixo-Vouga não era competente para conhecer e validar ou não validar as intercepções telefónicas em que que o primeiro-ministro foi um dos "ouvidos" no processo designado "Face Oculta". O mesmo Tribunal reconhece agora que não tem competência para continuar com os atos jurisdicionais relativos à fase de instrução do mesmo processo, invocando a sua incompetência, incompetência que parece não dever ser considerada territorial mas funcional. Independentemente das consequências dessa incompetência, o amargo de boca resulta dessa sensação de que que matérias socialmente tão delicadas são tratadas tão indelicadamente.

O martírio

O crédito do Ministério Público, a acreditar nas sondagens, anda por baixo. Os cidadãos desvalorizam-lhe a eficácia e a isenção. No entanto, todos os dias e por todo o país, centenas de conflitos, discórdias ou pretensões são resolvidas por magistrados do Ministério Público, sem dúvida que com o agrado da generalidade dos cidadãos intervenientes ou visados. A verdade é que esse consenso social que o Ministério Público consegue obter no quotidiano não tem tradução na sua imagem pública. O que se sobrepõe são as inépcias de uns tantos e os alarmes demagógicos de alguns outros, à revelia de qualquer enquadramento hierarquicamente institucional. A desordem que tem confundido autonomia, anarquia, incompetência e promiscuidade mediática, sendo culpa de poucos, tornou-se o martírio de quase todos.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Bipolar

A investigação criminal não é uma chiclete que se mastiga à deriva, nem pode ser uma fuga precipitada aos fantasmas. A verdade é que tem vivido nestes opostos, satisfazendo uns e outros, mas esquecendo a justiça.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Iliteracia

O que ontem se pôde ouvir/ler sobre corrupção foi mais um exercício do catastrofismo nacional. Sem rigor, sem ciência e sem didatismo, parece ter-se voltado ao discurso inquisitorial em que todos, já não sendo potenciais pecadores, temos, pelo menos, um vizinho que é corrupto. Que a detecção e a investigação desses crimes, e similares, tenham um tal suporte teórico, é o que nos deve preocupar.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Melhores serviços públicos

Como destaca Miguel Carvalho, o único dado objetivo, no que tange a Portugal, que se pode extrair do relatório sobre corrupção, é que somos um dos países em que uma menor percentagem de pessoas respondeu sim quando questionada se tinha pago algum suborno nos doze meses que antecederam o inquérito. Trata-se de mais um valor na cimentação da qualidade dos serviços públicos, traduzindo uma adesão a princípios de ética funcional. Não é só na educação que temos melhorado.

Corrupção gramatical

É o que encontrei neste texto do I.

Passagem outra

Esta nomeação e mais esta, ambas, confirmam o que se escreveu aqui.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Mário Soares

Descobri aqui que o Dr. Mário Soares está de parabéns. Parabanize-o, pois, desejando-lhe que continue com a mesma acuidade política.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Promoção

O ex-comentarista de futebol Dr. Rui Moreira foi promovido a comentarista político no Jornal da RTP2. Ainda que não seja notícia no Diário da República, a despesa corre por conta do Estado. O curioso é que estes gastos públicos não parecem incomodar a oposição.

Uma evidência inelutável

O Magalhães tornou-se uma evidência inelutável. Do ataque sórdido, passou-se ao esquecimento. Foi excelente que Sócrates o tivesse recordado na Argentina. Quando em anterior Cimeira Ibero-Americana, a utilização do Magalhães por muitos dos participantes foi um êxito para Portugal, por aqui houve quem o desdenhasse com aquela sobranceria parola que é parente da ignorância. Sem ironia, creio que o Magalhães também é necessário na justiça, na formação adequada dos futuros magistrados. Talvez fosse tempo de dotar o Centro de Estudos Judiciários com os necessários à aprendizagem de uma justiça outra.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Seis mil

Seis mil mais qualquer coisa teriam sido os condenados nos tribunais no ano passado, noticiava o Expresso de Sábado passado. Este número, por si, nada explica. Só por comparação com outros indicadores seria possível tirar algumas conclusões. Quantos arguidos foram constituídos nesse ano e nos anos anteriores? Quantas condenações diziam respeito à condução de veículos sem habilitação legal ou sob o efeito do álcool? Qual o número de absolvições nos julgamentos em tribunal coletivo? O défice de análise da realidade criminal continua a existir a benefício das corporações.

Adenda: acrescentei "sem habilitação legal"

Ongoing

O Ministério Público investiga a atuação no país do grupo de mídia português Ongoing, que tem participação em jornais como "O Dia" e "Brasil Econômico".
Suspeita-se que o Ongoing viole o limite de 30% de participação estrangeira em meios de comunicação. O grupo nega e e diz cumprir integralmente a lei.

É o que aperece escrito na primeira página da Folha de S. Paulo de ontem. Na página B8, lá aparecem as fotografias, em grande plano, dos protagonistas Agostinho Branquinho e José Eduardo Moniz.