segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Violência doméstica em duplicado

Se há vinte anos os crimes de emissão de cheques sem cobertura inundavam os serviços do Ministério Público, hoje os crimes de violência doméstica são o seu substituto quantitativo. Uma estratégia de gestão eficaz destes crimes passa por uma criteriosa seleção daqueles inquéritos que podem prefigurar, razoavelmente, factos que os integrem. Com efeito, uma análise, ainda que superficial, do que se vai etiquetando como violência doméstica leva à conclusão de que não poucos são desavenças domésticas que estariam melhor nas mãos de especialistas em relações parentais do que na supervisão, muitas vezes à distância, do Ministério Público. Talvez se evitasse que, num mesmo inquérito, marido e mulher, cada um deles, fosse acusado de um crime de violência doméstica na pessoa do outro.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Uma austeridade injusta

Sabugal, Vinhais, Castelo de Paiva ou Sines, entre outras geografias de Portugal, vão perder as referências da justiça. Para quem, ao longo dos anos, as viveu e percorreu, sabe que os tribunais de cada uma dessas comarcas foram fatores de identidade, reconciliação e segurança. Uma austeridade sem justiça levará a uma justiça que as populações não terão como sua.

O nojo dos expiões

Não sei se quem é espião uma vez estará condenado a ser espião a vida toda. Sei, isso sim, que estará condenado a saber de mais; no imaginário dos outros, pelo menos. A Assembleia da República propõe-se legislar sobre o período de nojo do espião que deixa de o ser. Ou seja, parece ser esse o propósito, deverá haver uma vacatio funcional entre o espião e o expião: um limbo. Não compreendo, porém, que esse limbo apenas se aplique aos expiões que pretendem trabalhar na atividade privada. Não deveria também haver um limbo para juízes e procuradores que, tendo sido espiões, passaram a expiões?

domingo, 22 de janeiro de 2012

Reconhecimento

Na passada sexta-feira, com um aplauso generalizado, houve a inauguração de novas instalações para a Universidade do Porto. Foi aí que o senhor Presidente da República declarou recear que as suas pensões não paguem as suas despesas. Teria sido melhor ouvir palavras de reconhecimento, ainda que breves, para quem foi determinante na concretização de tais instalações: Sócrates e/ou Mariano Gago. A História não se paga nem se apaga.

31 de janeiro

Não da rua nem da revolução, mas da abertura do ano judicial que vai ocorrer a 31 de janeiro, pela 15 horas, no Supremo Tribunal de Justiça. Dado que os protagonistas são os mesmos, com exceção do Governo, iremos ver o que mudou nos propósitos e na gramática.

Sórdida

É o que é essa doença infantil de bisbilhotar a vida atual de Sócrates. Estou para saber o que isso tem de interesse público, a não ser para fazer esquecer outras vidas. Escandalizamo-nos com a videovigilância; aceitamos, porém, a vigilância da insinuação. A exigência ética da privacidade não consente exceções, nem que ela tenha o nome de um ex-primeiro-ministro.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Consensos

Uma justiça penal de consensos exige proximidade, oralidade e uniformidade. Quando o juiz não o arguido; quando o magistrado do Ministério Público, na maior parte das vezes, também não o ; quando, por essa razão, o arguido não ouve o juiz nem, a maior parte das vezes, o magistrado do Ministério do Público; quando são irrecorríveis as decisões judiciais respeitantes ao consenso; quando a concretização do consenso, que deveria ser didática, é, para o cidadão, ainda mais opaca do que um julgamento tradicional; então compreender-se-á a dificuldade de encontrar consensos no âmbito da suspensão provisória do processo ou do processo sumaríssimo.

Sumaríssimos, mas poucos

O processo sumaríssimo aproxima-se de uma justiça em que a pena que será aplicada surge de um consenso entre a proposta concreta do Ministério Público, a não oposição do arguido e a concordância do juiz. Atualmente, abrange crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos ou só com pena de multa. Em 2005, o Ministério Público subscreveu, utilizando este tipo de processo, 5866 acusações. Em 2010, já depois de ter sido alargado o seu âmbito de aplicação, subscreveu 5258 (-11%). Estes números traduzem bem a dificuldade do consenso.

Rui Costa 1972-2012

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas
graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão
depois.
Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por
baixo
dos pés e por isso do outro lado do mundo.


Rui Costa, do poema A Nuvem Prateada das Pessoas Graves

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Seguidismo

Um advogado, um dia destes, dizia-me que considerava que os magistrados do Ministério Público recorriam pouco, parecendo que estariam, na generalidade dos casos, de acordo com as decisões judiciais. Se estão ou não de acordo, subjetivamente, não sei. Objetivamente, a verdade é que são poucos os recursos que interpõem.
Uma vez perguntei a um magistrado por que motivo não tinha interposto nenhum recurso ao longo dos anos em que estava colocado naquela comarca. A resposta que recebi foi singela e, aparentemente, óbvia. Estava de acordo com todas as decisões aí proferidas.
Uma outra vez, congratulei-me, por ser exceção, com a combatividade de uma magistrada demonstrada no número de recursos interpostos. Respondeu-me que lhe tinham custado o sossego funcional.
A afirmação de uma melhor justiça passa por uma criteriosa avaliação das decisões judiciais, sendo certo que, em tal avaliação, a responsabilidade do Ministério Público é, deveria ser, insubstituível.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Jurisprudência

Quem, com frequência, consulte as bases de dados dos diversos tribunais de recurso, constata que a austeridade também já chegou à jurisprudência. Não é apenas uma questão de criatividade judiciária; tem muito de cautela decisória.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pulverização

Eduardo Maia Costa interroga-se aqui sobre uma eventual regionalização do Ministério Público. Creio que a questão não é de regionalização, mas de pulverização. A partir do momento em que vingou a ideia peregrina de que a autonomia do Ministério Público é autonomia de cada magistrado, necessariamente refletida na autonomia de cada comarca, de cada círculo ou de cada distrito, o caminho não poderia ter sido outro.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Carácter

O enxovalho ético a que se sujeitou a sociedade portuguesa por causa das nomeações para o Conselho Geral da EDP é inqualificável. Entre dinheiros, mentiras e desaguisados de famiglia, é útil relembrar Confúcio: Ao examinarmos os erros de um homem, conhecemos o seu carácter.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Pensamento mágico

A contribuição estratégica do Governo para o combate ao crime de corrupção consta deste discurso: cooperação pericial e disponibilizar recursos da área da documentação e tradução, com competências de tradução em inglês e alemão.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Sair do armário

Um amigo, particularmente curioso, perguntou-me o que tinha ido fazer a Lisboa. Respondi-lhe que tinha ido a uma reunião da minha loja. Tendo tanto da curioso como de crédulo, ouvi-lhe esta frase sibilina: Pois, com esta turbulência toda... Num tempo em que a identidade, em todas as suas vertentes, está em cima da mesa e em que proliferam os diversos orgulhos, incluindo o de ser do Futebol Clube do Porto, os segredos pertencem, cada vez mais, ao lastro da história. Ou aos programas de má televisão. Não sou maçon, o que até ao momento não deixava de ser um segredo. A verdade é que nunca fui convidado para o efeito (será a expressão adequada?). Se o tivesse sido, não tenho a certeza de que não teria caído em tentação. As declarações que por aí abundam, incluindo a do versátil Moita Flores, não me comovem. Tenho-as à conta, tal como na instrução primária, da sábia postura de pôr o dedo no ar. O que a Ministra da Justiça parece desconhecer é que a curiosidade de querer saber quem é, é também um ataque à liberdade de quem não é.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Estabilidade

A fusão dos serviços de informação, SIS e SIED, não é politicamente oportuna nem funcionalmente eficaz. Num período de profunda turbulência institucional e de não menor desconfiança social, arriscar uma solução da qual se desconhecem as consequências será gratuitamente temerário. A estabilidade deveria ser, neste momento, o único propósito.

Lição

Se um dia tivesse de dar uma aula a jovens magistrados, começaria assim:
Na minha vida profissional, tive processos que, no início, eram viveiros de certezas e que, no fim, se tornaram abismos de dúvidas. Outros, porém, começaram com dúvidas e terminaram em certezas. São estas as incógnitas que nenhuma equação processual conseguirá resolver.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A corrupção esquecida

Abundam as conferências sobre corrupção. Conferencistas ilustres, mais do que à reflexão, dão lugar à indignação. A vozearia não é temática, é aguda. Uma das dimensões sistematicamente esquecida diz respeito à corrupção, sempre possível, nas agremiações que a previnem, investigam, acusam, condenam ou absolvem. É a corrupção no meio da corrupção.

A ex-testemunha

Durante uns dias, sentiu-se a alegria indisfarçada de alguma comunicação social por ir ter à sua disposição Sócrates, o ex-primeiro-ministro, arredando das primeiras páginas as nomeações patéticas ou os subsídios que continuam a perdurar para alguns. Até hoje, pela manhã, ainda se conseguiu ouvir condenações do dito por não ter aparecido, insinuando-se não só as sanções mas também o desrespeito. Afinal, a estória é outra.

domingo, 8 de janeiro de 2012

sábado, 7 de janeiro de 2012

Excelência

O reconhecimento internacional da atividade científica desenvolvida pelo IPATIMUP no âmbito da genética forense não pode ser ignorado pelos tribunais. Sabendo-se das muitas insuficiências em matéria de prova científica e da necessidade do seu contraditório, poder dispor de uma instituição de insuspeita credibilidade será um contributo para a credibilização da própria justiça.

Serviço cívico


A National Geographic de Janeiro traz um excelente calendário de parede respeitante a Guimarães, Capital Europeia da Cultura em 2012, e um não menos excelente mapa da cidade com a indicação dos locais onde se realizarão os diversos espetáculos e exposições.

A seita pedreiral

A designação não é minha, é do Padre José Agostinho de Macedo. No livro de António Mega Ferreira, Macedo Uma biografia da infâmia, o que se descreve é o ódio à liberdade e ao progresso. Os tempos mudaram. A dinâmica social exige das confrarias, ainda que não desistam dos rituais, uma humildade solidária que não pode deixar de ser visível.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Violação, violência

Este acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez prevalecer a quantidade sobre a qualidade. Se se avaliasse a situação tendo em conta que, mais importante do que a quantidade, são a adequação, a idoneidade, o contexto e a eficácia, teria havido, com certeza, outra decisão.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Julgar os animais

A história da justiça é a história dos medos, dos preconceitos e das ignorâncias de cada época. Da nossa, não tenho dúvida, rir-se-ão no futuro. Les animaux dans la sphère judiciaire en Lorraine (XIVe siècle-XVIIIe siècles) é um trabalho de Laurent Litzenburger que nos ajuda a compreender a viagem sempre incompleta da justiça.

Eficácia 2

Em 31 de Dezembro de 2010, o Ministério Público tinha, em curso, a responsabilidade de 218437 inquéritos, 85916 (39,3%) dos quais há mais de 8 meses. A situação ganha particular relevância quando se tem em consideração que os inquéritos que ultrapassaram os prazos legais não correm, na generalidade dos casos, contra desconhecidos.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Perfilhações & Inviabilidades

Em 2001, foram registados 4348 processos destinados a averiguar oficiosamente a paternidade, verificando-se, no mesmo período, 2626 (60,3%) perfilhações.
Em 2010, foram registados 2301 processos, verificando-se 1290 (50%) perfilhações.
Em 2001, foram proferidos despachos de inviabilidade, por não se terem recolhido elementos de prova que permitissem a propositura de ações de investigação, em 968 (22,2%) processos, e, em 2010, em 618 (26,8%).
Dois aspetos serão de realçar:
A diminuição do número de crianças que é registada sem referência à paternidade, diminuição que, em percentagem, parece ser superior à diminuição da natalidade.
O número ainda significativo de casos em que não é possível recolher prova sobre a paternidade.

Uma justiça americana envergonhada

A suspensão provisória do processo (artigo 281º do Código de Processo Penal) é um meio que permite a resolução, por consenso, dos litígios penais, aproximando-nos, ainda que palidamente, do modelo americano.
Em 2010, o Ministério Público utilizou este meio em 10352 inquéritos, o que corresponde a 1,3% dos 779685 movimentados no mesmo período.
Sendo um procedimento legalmente disponível desde 1987, a verdade é que continua com dificuldade em impor-se na prática judiciária, apesar de todas as alterações no sentido de facilitar/alargar o seu uso.

Eficácia

O Relatório da Atividade do Ministério Público em 2010 pode ser consultado aqui.
De uma primeira leitura:
Tendo sido movimentados 779685 inquéritos em 2010, foi requerido o julgamento em 74911 (9,6%).
Destaca-se que os julgamentos requeridos em tribunal coletivo totalizaram 5982, ou seja, 7,9% do total das acusações.