segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Bom Gosto

A escrita é também uma música. As mesmas verdades ou as mesmas mentiras, as mesmas alegrias ou as mesmas tristezas, podem ser escritas de maneiras infinitamente diversas. É esse o mistério das palavras. Não basta juntá-las: é preciso encontrar-lhes a alma.
Não se exige a um magistrado que seja um artista da palavra. Mas, no mínimo, para além da gramática, ou apesar dela, talvez seja de lhe pedir a contenção que fundamenta a justiça. Escrever tanto tornou-se uma estética. Ser redundante é um atributo. Não sendo uma exigência dos Códigos, parece um padrão para aferir da qualidade.
Quem faz das palavras o seu instrumento de trabalho, deveria estudar e aperfeiçoar a sua utilização. É o que fazem os que utilizam os números ou os que se confrontam com as notas musicais. Aprende-se a escrever. Aprende-se a fazer uma redacção (palavra belíssima, caída em desuso). Saber disciplinar as ideias é saber disciplinar as palavras.
Temos uma justiça com um discurso pouco cuidado. Por formação e por gosto. As palavras acotovelam-se na insuficiência das ideias. Ou vice-versa. A glória está no número de páginas preenchidas com palavras, ainda que seja glória que ninguém lê.
Li, algures, que ler é escrever. A lição que tenho aprendido é a de que o exercício sistemático e diversificado da leitura é uma forma eficaz de aprendizagem da escrita. Creio que a formação não tem investido nesta vertente, como se o que aprendemos a escrever até à licenciatura fosse suficiente para a escrita de uma vida.
A sobriedade no uso das palavras reflecte a ponderação no exercício dos procedimentos e das decisões. Tal como na vida, também na justiça há uma questão de bom gosto.

In Os Cordoeiros, 28 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo A.M. no Renascer!...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Leitura atual

"Here’s a thought: maybe Madison, Wis., isn’t Cairo after all. Maybe it’s Baghdad — specifically, Baghdad in 2003, when the Bush administration put Iraq under the rule of officials chosen for loyalty and political reliability rather than experience and competence.

As many readers may recall, the results were spectacular — in a bad way. Instead of focusing on the urgent problems of a shattered economy and society, which would soon descend into a murderous civil war, those Bush appointees were obsessed with imposing a conservative ideological vision. Indeed, with looters still prowling the streets of Baghdad, L. Paul Bremer, the American viceroy, told a Washington Post reporter that one of his top priorities was to “corporatize and privatize state-owned enterprises” — Mr. Bremer’s words, not the reporter’s — and to “wean people from the idea the state supports everything.”

The story of the privatization-obsessed Coalition Provisional Authority was the centerpiece of Naomi Klein’s best-selling book “The Shock Doctrine,” which argued that it was part of a broader pattern. From Chile in the 1970s onward, she suggested, right-wing ideologues have exploited crises to push through an agenda that has nothing to do with resolving those crises, and everything to do with imposing their vision of a harsher, more unequal, less democratic society.

Which brings us to Wisconsin 2011, where the shock doctrine is on full display.

In recent weeks, Madison has been the scene of large demonstrations against the governor’s budget bill, which would deny collective-bargaining rights to public-sector workers. Gov. Scott Walker claims that he needs to pass his bill to deal with the state’s fiscal problems. But his attack on unions has nothing to do with the budget. In fact, those unions have already indicated their willingness to make substantial financial concessions — an offer the governor has rejected."

Paul Krugman, NYTimes

Criminalização em excesso

Num tempo em que a criminalização parece ser a resposta para tudo e para nada, vale a pena ler esta análise do Professor Erik Luna: The overcriminalization phenomenon.

Linguagem judiciária

Em 26 de Fevereiro de 2004, em Os Cordoeiros, o Lemos da Costa escreveu um texto soberano de ironia sobre a linguagem judiciária. Pode, e para outros deve, ser lido AQUI.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Questão de moral

Governar nas atuais circunstâncias não é fácil nem aparenta que traga grandes dividendos eleitorais. Não acredito, por isso, que haja muita gente a querer fazê-lo em consequência dos trâmites normais da democracia. A crise exige competência e determinação e, pelos discursos que por aí vão aparecendo, parece que são qualidades que não abundarão. Talvez seja a razão pela qual todos os dias há contribuições para uma pretensa diluição da estabilidade política, como se vivêssemos em ditadura, profetizando o caos, ignorando a realidade e distorcendo os muitos índices positivos que visivelmente têm sido atingidos. Se não pretendem antecipar eleições, e esse gesto não é um gesto de cobardia, então que contribuam para políticas de consenso que permitam uma melhor e mais rápida saída da crise. Não se trata de dormir com o inimigo mas apenas de cuidar do país. É uma exigência simples, democraticamente justificada e que, com certeza, não prejudicará legítimas ambições eleitorais.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Também na justiça

Portugal é primeiro da Europa na disponibilidade 'online' de serviços públicos.
Não tivesse havido a resistência corporativa das magistraturas, também poderíamos estar nos primeiros lugares de uma justiça eficazmente informatizada.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Advogados

Ao longo da minha vida profissional, nas diversas comarcas onde exerci funções, encontrei, trabalhei e relacionei-me com algumas dezenas de advogados. A todos devo um pouco do pouco que sei. Na base da cordialidade e do respeito, sempre entendi a sua função como essencial a uma boa administração da justiça. São eles, muitas vezes, o contraditório das certezas incertas, das convicções atávicas ou das presunções infundadas dos magistrados. Sem eles, a justiça seria o exercício do arbítrio.
Num tempo de tensões corporativas e propício às desconfianças e aos desmandos, é preciso reafirmar que a justiça, não sendo um reino de virtudes, também não é o apanágio de alguns. A advocacia sofre dos mesmos problemas das magistraturas: crescimento exponencial sem uma adequada preparação profissional e deontológica. Onde uns vêem os execessos dos advogados, outros, legitimamente, poderão ver os excessos dos magistrados. Ou melhoramos em conjunto, ou em conjunto degradamos as funções que nos cabem.
Trabalhando em tribunais com modestas bibliotecas, foi, muitas vezes, em bibliotecas de advogados que encontrei, por indicação destes, os livros que procurava. Talvez, um dia, tenha o engenho para lhes contar as histórias e dizer os nomes. Foram e são os advogados que, por esse país, dinamiza(ra)m estruturas de reflexão jurídica, preocupações que só muito recentemente os magistrados têm também vindo a assumir.
A actividade cívica dos advogados foi um contributo decisivo para muitas das inovações legislativas que se concretizaram depois do 25 de Abril. É preciso reconhecer-lhes a coragem e a determinação. Sem eles, Portugal teria sido um país ainda mais cinzento, fechado e policiado.
Dir-me-ão que estou a falar do passado. Mas sou dos que defende que o futuro não se constrói à revelia da memória. Como magistrado e como cidadão, reconheço na advocacia uma função e um saber essenciais à justiça. Haverá excessos? Sem dúvida que os haverá. Mas pior do que esses excessos, só os preconceitos que vão alastrando nos magistrados.

In Os Cordoeiros, 20 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo António Maria, no seu Renascer!...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sucata da linguagem

Fico sempre perplexo quando um magistrado, em ato público, declara que um cidadão, qualquer que ele seja, foi apanhado nas escutas que visavam uma investigação sobre uma outra pessoa. Eu sei que os apanhados fazem rir, por mais insensatos ou indecorosos que sejam. No palco da justiça, apanhar seja o que for não traduz apenas mau gosto; comprova uma enorme falta de dicionário.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Altercação

Foi publicada a vigésima sétima alteração ao Código Penal.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Efeméride

Recorda-se AQUI a primeira vitória presidencial de Mário Soares. Há 25 anos.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Denúncia anónima 1

Todos os anos dezenas e dezenas de cidadãos têm a sua vida vasculhada, o seu quotidiano alterado e a sua credibilidade posta em causa por causa de denúncias anónimas. Há muito que a experiência certifica que esse tipo de denúncias não tem consistência factual nem moral. Apesar de o legislador ter tentado conter esse abuso crescente da denúncia anónima, a verdade é que ela continua o seu percurso calunioso.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Maria de Lurdes Rodrigues

O Diário de Notícias de hoje vale por esta entrevista.

As verdades

A verdade policial nem sempre coincide com a verdade judicial. As razões que levam a polícia, naqueles comunicados sem regras que por aí pululam, a anunciar que descobriu o autor da autoria, não são idênticas àquelas que irão ditar a condenação, em tribunal, do alegado autor. As expectativas criadas com esses comunicados são, por isso, indutoras de avaliações incorrectas sobre o modo como funcionam os mecanismos da justiça.
O convencimento do polícia não garante o convencimento do juiz. Se assim fosse, este limitar-se-ia a certificar aquele. Mas é necessário produzir as provas e contraditá-las. Não há justiça sem argumentação, de um e do outro lado. Felizmente, as absolvições existem.
O problema da avaliação da prova bastante ou suficiente para levar alguém a julgamento é das matérias mais críticas para um magistrado. Diz a jurisprudência, que é o vade-mécum dos magistrados, que essa prova é bastante quando a condenação, em prognóstico, se afigurar mais plauzível do que a absolvição. Dizer isto é uma evidência: pelo menos, dá conforto. A dificuldade da evidência é que ela não é quantificável. Sem querer fazer ironia, poderá dizer-se que há magistrados que tem mais olho do que outros. Se se fala do olho clínico e do olho vivo, porque não falar também do olho judicial?
Numa comarca do país profundo, foram presos, num verão quente, quatro cidadãos, presumidamente tidos como autores de um violento incêndio que deflagrou na região. Antes dos magistrados saberem o que se passava, já a polícia tinha emitido um comunicado dando conta à sociedade, e à saciedade, das detenções e gerando uma convicção pública que eles, os detidos, seriam os responsáveis por uma responsabilidade que só uma outra instância poderia declarar. Naquelas condições, depois do comunicado e com a tensão social gerada pela onda de incêndios, nenhum magistrado teria ousado determinar que os detidos aguardassem os ulteriores termos do processo que não fosse em prisão preventiva.
E, assim, aconteceu.
Alguns meses depois, a polícia deu por finda a investigação. Com este tempo em prisão preventiva, qual o magistrado do Ministério Público que não se sentiria obrigado a requerer o julgamento dos detidos? E qual o juiz que não pensaria que o melhor seria aguardar pela decisão do julgamento, até porque neste seriam três cabeças a decidir?
Era já inverno quando os quatro arguidos forma julgados por três juízes e absolvidos. A ausência de prova produzida na audiência foi manifesta. Não houve comunicados. Nem da polícia nem do tribunal.
Talvez por ser inverno, a absolvição não foi notícia.

In Os Cordoeiros, 13 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo A.M. no seu Renascer!...

Humberto Delgado

O assassinato impune do General Sem Medo é recordado no Renascer!...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O paradigma

A uma justiça de pequena escala – poucos advogados, menos magistrados, alguns processos, a que se juntava uma contenção social conseguida com instrumentos que podiam ir da censura a uma moral que integrava padrões de submissão acrítica, seguiu-se, quase em crescimento exponencial, uma justiça dos grandes números. Muitos magistrados, ainda mais advogados e, sobretudo, muito povo a bater à porta dos tribunais. Se num primeiro momento, poderia parecer que a capacidade de resposta seria adequada às novas condições, cedo se verificou que esse novo mundo judiciário estava preso por arames. A mediatização dos casos e das causas democratizou o conhecimento dessa incapacidade.
Pensaram os magistrados que, com mais magistrados, os problemas seriam resolvidos. O que pensaram os funcionários foi o mesmo. Os ministros inauguraram mais casas da justiça. Os advogados puseram em causa o ensino de algumas faculdades. Até houve um congresso com propostas geradas em consenso. Nunca se gastou tanto, e tão mal, com a justiça. Na informatização e no resto.
Os códigos, parecendo outros, são os mesmos. E as práticas, essas, perpetuam-se para além de tudo o que se possa legislar. Citam-se as citações, num aparente ritual de sobrevivência. Os discursos de uma petição, de uma sentença, de uma alegação, têm o peso de muitos anos. Nem na linguagem se inovou.
Entre a justiça que hoje se faz e a justiça que era feita no século XIX pouca diferença existe: a não ser a dos números. O paradigma é o mesmo e os tiques quase iguais. Pouca diferença, e é apenas nas tecnologias usadas com incipiência, há entre um processo desse tempo e um outro do nosso tempo. A justiça, essa, corre o risco de ser a mesma.
Eu não tenho as respostas para estas inquietações. E, suspeito, se as tivesse ninguém as quereria. Nem dadas. Mas pressinto que há um modelo que se esgotou e que nós, nós todos, somos os actores de uma decadência. Precisamos de uma outra justiça. De uma justiça que terá de ser construída sobre os escombros da actual. É que o problema não é quantitativo. Não se resolve com um juiz em cada esquina, ou com um advogado em cada condomínio fechado, ou com um procurador em cada esquadra, ou com um escrivão em cada processo. Pelo contrário: quantos mais, mais os problemas.
Precisamos de um outro paradigma. Talvez de uma justiça administrada em tribunais sem tectos ou com códigos sem leis. Talvez uma justiça que tenha necessidade de um outro nome.

In Os Cordoeiros, 12 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo António Maria, Renascido

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Brincadeiras

Afinal a justiça não brinca apenas com os vivos; também brinca com os mortos.

A moção

Louçã está antiquado. Ainda não compreendeu que nos espetáculos de ilusionismo já não se tiram coelhos da cartola.

Conflitos

Nem sempre os juízes estão de acordo relativamente ao que lhes compete, ou não, decidir. Aqui não funcionam as regras do mercado. Ganhando o mesmo por terem ou não terem os processos que deveriam ter ou não deveriam ter, ao contrário da lógica dos merceeiros no que tange aos clientes, são significativas as vezes em que enjeitam os processos que lhes põem na secretária, ordenando a sua remessa a outro magistrado, mais ou menos longínquo. Se o outro não está pelos ajustes e entende que a competência, que não a capacidade, pertence ao primeiro que a renegou, surge aquilo a que, em judicialês, costuma chamar-se um conflito negativo de competência. Ou seja, os processos ficam por ali, não andando nem desandando, à espera de que alguma alma caridosa proclame quem lhes deve dar andamento.
Na comarca de Guimarães, e é aqui que começa a história de hoje, os magistrados judiciais das varas mistas e dos juízos cíveis desacordaram sobre a competência para conhecerem dos processos de expropriação, não os aceitando, a todos, nas secretárias. Para os primeiros, a competência, que não o engenho, era dos segundos. Para os segundos, a competência, que não a sabedoria, era dos primeiros. E, assim, à falta de consenso, largas dezenas de processos de expropriação ficaram a pairar no limbo, não direi do esquecimento, mas da indiferença.
Manda a lei que é o Tribunal da Relação que tem de ser a alma caridosa que vai dizer o que é de quem, processo a processo, num caricato e inútil dispêndio de tempo e de esforço que não tem qualquer relevância para o cidadão que espera ums solução rápida e justa do seu caso. O Ministério Público requer, os advogados e os magistrados em contenda são notificados para dizerem os seus argumentos, é concedido mais um prazo ao dito Ministério para alegar razões, três (três!) desembargadores reunem para decidir, um deles elabora a decisão, os outros vêm assinar, mais uns ofícios para ali, mais uns processos administrativos para acolá, e fica-se a saber a quem compete o quê.
Só então os processos voltam do limbo e poisam nas secretárias. E recomeçam, com um atraso de muitos meses, o seu caminho, nas mãos de magistrados que devem continuar a pensar que os processos não deveriam ali estar.
Estes procedimentos vêm de longe. Há anos e anos que se faz assim. Desde os tempos em que o país era, apenas, uma paróquia. Em que um processo era uma festa. Hoje, estas questões, que são manifestamente de gestão, têm de obter respostas de um modo eficaz e definitivo. Aliás, apesar das decisões que o Tribunal da Relação possa ter tomado, elas não vinculam, quem quer que seja, para o futuro. Isto não é o exercício da soberania, é a soberania das disposições e das indisposições.

In Os Cordoeiros, 11 de Fevereiro de 2004

Renascido pelo A.M. aqui.

Nota: Os conflitos continuam mas houve alterações legislativas visando uma resolução mais pronta.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O sucesso da videovigilância

"Les nombreux travaux qui se sont intéressés à l’efficacité et, au-delà, aux effets de la vidéosurveillance donnent ainsi une vision relativement claire des effets produits par le recours à la vidéosurveillance sur un territoire donné : sa capacité à prévenir la délinquance est limitée. Pourtant l’histoire de la vidéosurveillance ressemble à une success story : le recours à cette technique s’étend et se généralise. Ce paradoxe pourrait s’expliquer par le fait qu’au delà du souci de lutte contre la délinquance, l’installation de caméras de vidéosurveillance s’inscrit dans une logique sociétale plus large. Telle est la thèse d’un certain nombre de travaux critiques, qui dénoncent la vidéosurveillance comme emblématique de la mise en place d’une société de surveillance."

Extraído do artigo Une petite entreprise qui ne connaît pas la crise - Le succès de la vidéosurveillance au regard de la littérature internationale, da autoria de Laurence Dumoulin, Séverine Germain e Anne-Cécile Douillet, que pode ser lido Aqui.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Insólito

É vergonhosamente insólito que se continuem a prender cidadãos, não se sabe com que critérios, apenas para que um juiz lhes aplique uma medida de coação que se sabe nunca poder ser a de prisão preventiva. Dá espetáculo, não realiza a justiça.

Piromania discursiva

"Cavaco Silva não irá dissolver a Assembleia da República. Não faz parte da sua personalidade política, não correrá esse ónus: deixará o Governo queimar-se."

In Jornal do Algarve

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

De vetos, de votos

Vetos e votos fazem parte da democracia. Será sempre difícil prognosticar se o número de vetos será inversamente proporcional ao número de votos. Tal como uma andorinha não faz a Primavera, um veto não define uma estratégia. O negócio dos remédios é imenso e tem alçapões. Vetar pode ter sido apenas uma cautela. Ou um sinal sobre a indiferença dos vetos aos votos.

Um bom propósito, um mau acordo

Em 30 de Junho de 2009, pelas mãos dos Ministros da Administração Interna e da Justiça, foi celebrado um Acordo entre Portugal e os Estados Unidos da América destinado a “reforçar a cooperação no domínio da prevenção e do combate ao crime.”
Sujeito tardiamente à apreciação da Comissão Nacional da Proteção de Dados, esta entidade subscreveu um Parecer que, descontada alguma demagogia sobre o sistema americano de garantias cívicas e proteção da privacidade, reflete bem a falta de cuidado na elaboração do Acordo.
A possibilidade de transmissão de impressões digitais ou de perfis de ADN fora de qualquer contexto judiciário, mais que não fosse, seria suficiente para reprová-lo.

Relato

No Jornal da 2, o analista Rui Moreira não é árbitro mas ponta de lança. Adianta a bola da solução, sem que pelo caminho não tenha deixado de rasteirar o adversário com a insinuação da dívida e as preocupações presidenciais, apara o jogo da locutora de serviço que não o deixa expressar completamente a subtileza do toque, e remata, sôfrego, para uma baliza inexistente. Para a semana há mais, talvez com outros dribles.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Também para juristas

Desperdício

A criação de um Secretário-Geral de Segurança Interna, tão desastradamente percebido como um super-polícia, foi um desperdício em dinheiro e em eficiência.
Não houve mais nem melhor coordenação entre os diversos órgãos de polícia criminal.
Enquanto PSP, GNR e PJ não tiverem uma tutela ministerial comum, e já agora também a ASAE, continuar-se-á a assistir aos desencontros funcionais de estruturas que se duplicam sem qualquer proveito.
Por outro lado, é necessário que o Ministério Público clarifique o seu papel na articulação de uma investigação criminal que é dispersa e pouco dada à complementaridade.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

German Law Journal

Um número para guardar.

Vol.12 Nº O1 Pages 1-598 01 January 2001

It is with considerable excitement, that we announce this new issue to you. Logging in at just under 600 pages, it brings to you - for the first time online - the conference proceedings of the famous comparative legal theory conference, held in Bremen (Germany) in 1986, between scholars from the Law Schools at Bremen and the University of Wisconsin. The proceedings were subsequently published in a much revered "blue" volume, by Nomos Publishing House in Baden-Baden, Germany. The conference brought together leading figures in critical legal thought from both the United States and Germany for a series of discussions on the evolution of legal thought in both countries from the 19th century onwards into the present, reflecting on the roles of courts, parliaments, law schools, the profession and students in the shaping of legal culture. The conference occurred at a crucial time in the development of legal thought - and practice. The post-World War II social consensus and the welfare state had come under considerable pressure, 'law and economics' had begun its journey to become the most influential 'law & society' movement, deep-reaching political transformations were under way, in the United Kingdom, the US and in Germany conservative administrations had taken the reign, and meanwhile the globalization of markets had begun to unfold at breathtaking speed. Yet, the Berlin Wall was still standing - just about.

Adopção

A adopção, apesar de vir na lei, tem sido difícil. É o que dizem os candidatos a adoptantes e que eu posso confirmar por conhecimento de causa. Está aí uma lei nova para técnicos e magistrados antigos. Em idênticas situações, a experiência ensina-nos que entre a lei nova e os antigos procedimentos, estes, não raras vezes, esmagam aquela. Talvez seja uma questão de sobrevivência. Esperemos que essa derrota não venha a repetir-se.
Na jurisprudência também há casos felizes. Esta é a história de um caso feliz.
Numa comarca do Minho, num processo para adopção plena, verificou-se a existência dos seguintes elementos:
- o menor, com quase três anos de idade, desde os quinze dias que vivia com o adoptante;
- os pais do menor consentiram, previamente, na adopção;
- o organismo de apoio social elaborou um relatório sobre a situação do menor e do requerente;
- foram inquiridas sete testemunhas;
- desse acervo de material probatório, concluía-se que entre o menor e o adoptante havia um vínculo em tudo semelhante à da filiação natural.
Encurtando razões: aquela adopção era de todo o interesse para o menor e, declarando-a, o tribunal realizaria, naquele caso, a justiça.
O Ministério Público, face a todos estes elementos, subscreveu um parecer no sentido do que pareceria óbvio.
Mas nem sempre o óbvio é, obviamente, o resultado de uma sentença.
Com o fundamento em não ter havido anterior decisão no sentido da confiança judicial ou administrativa do menor ao requerente/adoptante, o magistrado judicial julgou improcedente o pedido e não decretou a requerida adopção.
O adoptante, persistente como deve ser quem quer empenhar-se na batalha de uma adopção, interpôs recurso e argumentou com a alma.
Agora foi a vez do Ministério Público exemplificar que o óbvio nem sempre é sinónimo de coerência.
Na resposta ao recurso, e em manifesta oposição ao teor do parecer que subscrevera, veio sustentar que o recurso não merecia provimento, aderindo ao conteúdo e sentido da sentença.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 17 de Dezembro de 2003, foi directo ao problema, sem se deixar atropelar por desrazões formais: ficou já patente que aquela prévia fase de confiança administrativa ou judicial nada vinha acrescentar de útil à verdade material em análise. E, assim, revogando a sentença recorrida decretou a adopção plena do menor pelo requerente.
É óbvio que no acórdão se diz muito mais mas nestas coisas de histórias o que interessa é o final. E esse aqui está: feliz, como vos tinha prometido.

Não seria justo se omitisse o relator da história: o Desembargador Gomes da Silva.

In Os Cordoeiros, 6 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo A.M. no Renascer!...

Nota de hoje: o diz e desdiz do Ministério Público é antigo e vai ao encontro da perplexidade suscitada no Legalices.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Aprender a executar

Silêncio outro

Quando o silêncio se torna num buraco negro, até a dignidade desaparece nesse vórtice.

Ontem, amanhã

Hoje, estou sóbrio. A sobriedade é inimiga da imaginação. E, sem esta, as epístolas tornam-se penosas. É evidente que há sempre pretextos para escrever. Pormenores do que se passou ontem ou adivinhações do que não se passará amanhã.
Ontem à noite, participei numa pequena reunião em que o Felgueiras, presidente do Sindicato para o qual pago, religiosamente, as quotas, fez um balanço criterioso da situação. Gostei, talvez por que me senti mais novo. As questões sindicais são recorrentes. As variantes nos discursos traduzem apenas os equilíbrios e os desequilíbrios em que a realidade se plasma em cada momento. É um jogo interessante que exige aquela persistência de quem anuncia uma boa nova. E o Felgueiras anunciou algumas.
Amanhã será outro dia. O que sendo óbvio, poderá não ser verdadeiro. Poderá ser apenas mais um dia, sem grandeza e sem memória. A verdade é que a maioria dos dias são assim. E penso, às vezes, que gosto desse sentimento inútil de um tempo definitivamente precário.
Enquanto magistrado, nunca sonhei com grandes processos ou grandes causas. Interesso-me por um exercício minimalista da magistratura. Daquela que se afirma nos pequenos gestos do quotidiano. Daquela que quer e vê resultados imediatos da sua actuação, ainda que modestos. Sem espavento nem entrevistas. É essa cultura de adesão à sociedade em que o magistrado se insere que está a perder-se.
Sem querer cometer qualquer heresia, direi que me interessa mais o trabalho de cada um dos magistrados dispersos pelo país, nos seus isolamentos e nas suas insuficiências, do que aquilo que se discute (ou não discute) nos corredores do poder da magistratura. Temos feito pouco por eles, talvez por se ter um modo de organização que é pouco exigente consigo mesmo ou que se definiu com outras prioridades.
Afinal, escrevi sem saber o que iria escrever. A sobriedade também traz surpresas. Entre o ontem e o amanhã recordarei, mais do que não seja, esta epístola.

In Os Cordoeiros, 4 de Fevereiro de 2004

Recuperado pelo António Maria no Renascer!...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Queixas

Quando o trabalho de casa é feito pelos média, o atraso da justiça torna-se irremediável. Uma justiça reativa, sem capacidade de antecipação, apenas agindo quando não pode deixar de o fazer, não é socialmente credível nem exemplarmente eficaz. Não pode queixar-se dos outros, deve queixar-se de si.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Moralidades

Os magistrados, ainda que não sejam historiadores, deveriam saber que a história não se faz aos gritos. É um espaço de reflexão serena que se pode conciliar com os amores e os desamores inerentes à condição humana. Do mesmo modo, poderia dizer-se que os magistrados, não sendo sociólogos, deveriam ter preocupações sociais que lhes permitissem uma gestão mais madura, justa e eficaz das suas funções.
Nestas coisas quotidianas, não acredito em santos. Mas também não acredito em homens providenciais. O dia seguinte dos ditos homens foi sempre diluviano. É o que a história nos ensina. Apesar de não faltarem exemplos, a tentação de considerar que a culpa ou a desculpa, o êxito ou o inêxito, há-de assentar sobre os ombros de um ungido continua a fazer o seu percurso insensato.
O que sempre faltou ao Ministério Público foi uma capacidade de análise sobre o seu estatuto e sobre a sua prática. Abdicou da criatividade que a discussão permite. Não sendo criativo, permitiu-se uma ausência sistemática do sentido de iniciativa em todos os escalões da estrutura.
As reflexões históricas e sociológicas são fundamentais para se avaliar os méritos e os deméritos do que se fez e do que se poderá, melhorando, fazer. Até na medição estatística continuamos a ser deficientes. A leitura dos relatórios anuais, da primeira instância ao topo, são deprimentes. Reproduzem-se, ano para ano, em cópia de cópia.
É preciso não ter medo da história, por mais recente que ela seja. Do mesmo modo que é preciso reconhecer que o Ministério Público ainda está na adolescência das suas capacidades. Temos muito que crescer. Juntos. Ser magistrado é saber estar para além do Direito. No mínimo, estar próximo da Justiça.

In Os Cordoeiros, 2 de Fevereiro de 2004

Recordado por obra e graça do António Maria no Renascer!...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Às arrecuas

A vida democrática precisa de alternativas, de possibilidades de escolha, em que os discursos, ainda que decididos e, muitas vezes polémicos, contenham propostas socialmente percetíveis e credivelmente exequíveis. Desde a proposta de uma revisão constitucional que não foi uma coisa nem outra, até à dinamitação das empresas que têm um custo social, passando por outros intermezzos que o tempo cuidadosamente apagou, o que se constata é que a verdade de hoje já só será meia verdade amanhã. E talvez seja outra coisa depois de amanhã. Assim, não há alternativas. Há ruído, quanto muito.

Errata em 2/02: No melhor pano cai a vírgula. Deveria estar antes de polémicos e não depois.