domingo, 30 de junho de 2013

Dos recursos penais*

Uma reforma faz-se em nome de propósitos. Ou deveria fazer-se.
Uma reforma na área dos recursos penais poderá justificar-se em nome dos interesses dos potestativos recorrentes ou para satisfação daqueles que os decidem.
Uma reforma que tenha uma vocação estatística assume um desígnio doméstico que não se coaduna com o exercício das liberdades.
O que se pretende com esta reforma, aqui e agora, num momento de crise identitária da justiça?
Duvido que uma reforma dos recursos na área penal seja uma necessidade desnecessária. Ou por outras palavras: que seja desnecessariamente urgente.
Eu sei que os recursos são incomodidades.
Eu sei que muitas reflexões em volta dos recursos poderiam acabar nesta interrogação: e não se pode exterminá-los?
A exterminação dos recursos, traduzido no indelével silenciamento dos recorrentes, é uma tentação antiga, sempre debaixo de uma alegada eficácia de moralidade duvidosa.
Há quem não acredite nos recursos e há quem veja neles uma tábua de salvação.
Parece-me óbvio que uma reforma dos recursos deverá aumentar a sua credibilidade, reforçando a tábua e aumentando a expectativa de salvação.
O economicismo que está subjacente a um certo discurso oficioso, e onde convergem os interesses das corporações, é um retrocesso judiciário.
Sustenta-se que há recursos a mais. Que se recorre por tudo e por nada. Que a banalização dos recursos não é suportável pelo sistema.
Não acredito numa reforma que tenha por fim a redução do número de recursos estrangulando o seu âmbito: limitando a liberdade de recorrer.
Trazendo a história a estes passos, anoto que António Manuel Hespanha (As vésperas de Leviathan), para meados do Século XVII, sustenta que um terço (1/3) do movimento dos tribunais de primeira instância atingia os tribunais superiores.
Afinal, talvez a banalização não seja assim tão recente.
 
*De uma espécie de conferência dita em 2005, parte I.
 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Da política

Alfredo José de Sousa, atual provedor de Justiça, e um dos excelentes juízes com quem tive a felicidade de trabalhar, teve a coragem de dizer o que deveria ser linear: o provedor pode ter posições políticas, mas não partidárias.
Será de trazer à colação o que um outro magistrado, referência maior da magistratura portuguesa, refletiu sobre idêntica matéria e que aqui assinalei.


Pena de morte nos EUA

Fonte: Death Penalty Focus

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Serviço público

Para ler, clicar.

5 a 4

Por 5 a 4, o Supremo Tribunal dos EUA considerou inconstitucional uma lei de 1996 que negava benefícios federais a casais do mesmo sexo legalmente casados.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Antes tarde do que nunca

Com um atraso de anos, foi publicada a lei de organização e funcionamento do conselho de fiscalização da base de dados de perfis de ADN. No artigo 17º, promete-se a transparência. No artigo 26º, ficciona-se mais um crime.

domingo, 23 de junho de 2013

Legal Equality

Some justices are committed to formal equality. Others say the Constitution requires a more dynamic kind of equality, one that takes account of the weight of history and of modern disparities.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O melhor roteiro para passear no Porto

  
Nota: O prefácio é de Manuel António Pina. Já que estamos num blogue sobre direitos e outras aparências, sempre se dirá que no Jardim da Cordoaria, paredes meias com o Palácio da Justiça, qualquer jurista não perderá o seu tempo a apreciar uma Araucaria bidwillii ou uma Sequoiadendron giganteum.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O excesso de ADN no Reino Unido

Perante  o aumento desmesurado e injustificado da base de dados de ADN no Reino Unido (Inglaterra e País de Gales), o Parlamento, em 1 de maio de 2012, aprovou a Lei de Proteção das Liberdades, determinando que os perfis de ADN respeitantes a inocentes fossem removidos e todas as amostras de ADN destruídas.
Em maio de 2013, o Governo anunciou que tinham sido apagados 1,136,000 perfis e destruídas 6,341,000 amostras.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Dever de lealdade

Há ainda quem continue a associar dever de lealdade e conivência. Não se deve lealdade à incompetência ou à mentira. A lealdade, em democracia, é devida à liberdade, à transparência dos procedimentos.

Agustina, por 4,90 €

Nota: Tem a Laudatio proferida por Aniello Angelo Avela e a Lectio Magistralis de Agustina Bessa-Luis, para além de um retrato da escritora por Alberto Luís. A sessão de doutoramento Honoris Causa realizou-se em Roma, em 17.IV.2008. Trata-se de uma edição bilingue de 1500 exemplares, dos quais 500 numerados e autografados; estes, naturalmente, não se encontrarão facilmente nem com este preço. Comprei um dos outros mil, anteontem, numa banca de livros na estação de metro da Trindade. Ainda havia por lá mais alguns.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Uma magistratura de proximidade

O Ministério Público é uma magistratura de proximidade; não será difícil explicá-lo. Representando os interesses dos trabalhadores, dos menores, dos ausentes, da comunidade, do Estado, o que se espera de uma magistratura com estas funções não é a equidistância mas a militância. Não se defendem interesses sem paixão e sem sentido de iniciativa: sem proximidade.

Preciosidades

A palavra ius - muito antiga na língua latina, posto que não seja a primitiva ou pelo menos não tenha sido esta a sua primeira forma, e embora tenha havido, a par (certamente desde o início), outra palavra com o mesmo significado de ius -, traduz-se nas línguas românicas por: dereito, no antigo português, e ainda hoje no dialecto mirandês, em galego, navarro e aragonês; derept, em romeno; direito, no actual português, e, por vezes, também no moderno galego; derecho, em castelhano; diritto, em italiano; droit, em francês; dret, em catalão e no dialecto do Vale de Arán; drech, em toda a língua de Oc, sobretudo em provençal; dreit, no antigo aragonês e em limusino; dreto, no dialecto ribargozano; dritto em italiano antigo e no moderno italiano dialectal e corrente; drecho, em espanhol antigo, e ainda hoje em forma popular e em forma corrente na zona aragonesa; dreito, em português e galego vulgares, etc.
Todavia a palavra dereito (direito, derecho, assim como as outras palavras das várias línguas românicas) traduz ius, mas não vem de ius; procede do termo directum, ou melhor, derectum; e ius e derectum afiguram-se-nos desde logo palavras totalmente diferentes.
Como se explica então que, sendo jus e derectum duas palavras distintas e sendo dereito tradução de ius, provenha, não de ius, mas de derectum?
Haverá alguma convergência semântica ou de conteúdo entre ius e derectum?
Eis a questão.
(pag. 15/18)
Nota: foi uma oferta do Doutor André Evangelista Marques. Obrigado.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Uma apreciação negativa


Quando os cidadãos não se revêem no Ministério Público, o problema não é apenas daqueles mas também deste. A apreciação continuadamente negativa que é feita do desempenho do Ministério Público, bem longe da apreciação positiva de há cerca de uma década, deveria ser o centro das preocupações de quem o gere e de quem o representa. É urgente uma magistratura voltada para o exterior, companheira das grandes preocupações sociais e não parceira de conluios estratégicos. Enquanto não se reconhecer que não há autonomia sem competência e que não há competência sem hierarquia, serão vãs todas as retóricas que pretendam justificar um desempenho que a sociedade não legitima.

domingo, 16 de junho de 2013

Luis Diaz

Emigrante cubano, esteve preso durante 25 anos por um crime que não cometeu. Em 3 de agosto de 2005, a justiça americana reconheceu o erro, ilibando-o. Graças ao ADN e a estruturas cívicas com grande capacidade de atuação, foi possível, pelo menos, repor a dignidade de um cidadão. A história pode ser lida aqui.

Os perfis de ADN no Canadá

No respetivo banco de dados, em 31 de maio de 2013, encontravam-se 355820 perfis: 270403 respeitantes a pessoas condenadas, 85417 respeitantes a prova biológica recolhida na investigação. Até à mesma data, tinham sido encontradas 26672 correspondências entre perfis de condenados e perfis resultantes da prova recolhida, e 3259 correspondências entre perfis resultantes da prova recolhida.
O que se realça é a prontidão e clareza com que as autoridades canadianas disponibilizam no seu site estes dados, para além de outros elementos que nos permitem uma melhor análise sobre a função de uma base de dados genéticos.

sábado, 15 de junho de 2013

Offshore Leaks

Alguns dos segredos podem ser desvendados aqui.
No Le Monde, hoje, escreve-se:
Le réseau à l'origine des révélations sur les paradis fiscaux baptisées "Offshore Leaks" a ouvert vendredi 14 juin au soir sa base de données au public, espérant ainsi découvrir de nouveaux scandales. Basé à Washington, le Consortium indépendant des journalistes d'investigation (ICIJ) estime dans un communiqué mis en ligne sur son site que "les meilleures informations pourraient bien venir d'une collaboration ouverte, où les lecteurs peuvent explorer la base de donnée".

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Os perfis de ADN em França

Em 31 de agosto de 2012, em França, no respetivo ficheiro, existiam 2039874 perfis genéticos: 398698 respeitantes a pessoas condenadas, 1641176 respeitantes a pessoas arguidas ou suspeitas (mises en causes). Amostras não identificadas cifravam-se em 149097.
Os perfis das pessoas condenadas serão guardadas durante 40 anos, e a dos arguidos ou suspeitos durante 25 anos.
No blogue Bug Brother, do jornal Le Monde, faz-se uma análise crítica destes números que parecem excessivos. Aí se diz que o ficheiro de perfis genéticos, inicialmente concebido apenas para crimes sexuais, passou, em 10 anos, de 3224 pessoas para mais de dois milhões. Em 2002, 65% das pessoas com perfis registados eram pessoas condenadas; em 2012, essa percentagema de pessoas condenadas situava-se nos 18%. Neste contexto, o que significa a presunção de inocência?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Leituras

Apaga-se o som daqueles sermões magníficos; casam-se os moços que defendiam com braço forte o recinto do púlpito e o pregador. A energia que emanava da sua presença e da memória dela foi, pouco a pouco, mergulhando na sombra. Ficou um entendimento débil com essa aura maravilhosa e em que os homens descansam mesmo quando já não acreditam. As bocas repetiram os milagres enquanto os costumes eram favoráveis às narrativas faladas em que se suspende a alma do ouvinte e se recreia a sua fantasia. Depois ficou só o culto rotineiro em que já não se celebra o homem cujo prodígio era maturidade de espírito. O movimento em volta da sua basílica não define mais o carácter duma civilização, mas sim um pietismo ambulante e uma agitação turística.

(pags. 178/179)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O medo


O medo não é um subproduto da crise; é a sua indignidade. Silva Peneda, no 10 de junho, falou dele. Paulo Ferreira, no JN, aponta as razões várias para ter medo. Al Berto, em 1991, reuniu o seu trabalho poético com o título O Medo. Alexandre O`Neill, em 1960, escreveu O Poema Pouco Original do Medo. Este começa assim:
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
A jurisprudência do medo é farta. Haveremos ainda de discutir a sua constitucionalidade.

Leituras

A sociedade é-o, num sentido estrito, somente onde o indivíduo age e tem vigência. Cria-se então um tipo de comunidade sui generis. Eis que, sempre que o indivíduo seja esmagado ou malogrado irá voltar-se a cair num tipo de comunidade inferior, já superada entre nós; tratar-se-á de um verdadeiro regresso histórico.

(pag. 112)

terça-feira, 11 de junho de 2013

A bem da Nação

Quando comecei a assinar ofícios, era delegado do procurador da República, interino, todos terminavam com essa expressão que se manteve durante décadas: A Bem da Nação. Com a irreverência própria da idade e a crença de que a revolução também passava por aí, disse ao funcionário que trabalhava comigo que, no futuro, só assinaria ofícios em que a saudação final fosse A bem da Nação. Respondeu-me, em pânico, O senhor doutor não sabe no que se mete. Não o demovi dessa convicção e, assim, continuei com o bê maiúsculo e a má consciência de que estava a pactuar com o fascismo.

Leituras


Filho. Já não gosto destas fogueiras. Para que é que os deuses precisam delas? É verdade que dantes queimavam sempre alguém?
Pai. Eles não abusavam. Queimavam coxos, mandriões e insensatos. Queimavam quem não servia. Quem roubava nos campos. De qualquer modo, basta para contentar os deuses. Bem ou mal, chovia.
Filho. Não compreendo que gosto tinham nisso os deuses. Se chovia na mesma. Até Átamas. Apagaram a fogueira.
Pai. Vê bem, os deuses são os senhores. São como os patrões. Queres que vissem queimar um deles? Entre si ajudam-se uns aos outros. Em contrapartida a nós ninguém nos ajuda. Que faça chuva ou bom tempo, o que importa aos deuses? Agora acendem-se as fogueiras, e diz-se que faz chover. O que lhes importa, aos patrões? Alguma vez os viste virem ao campo?
Filho. Eu não.
Pai. Vês? Se dantes bastava uma fogueira para fazer chover, e queimar nela um vagabundo para salvar a colheita, quantas casas de patrões é preciso incendiar, quantos matar pelas ruas e pelas praças, antes que o mundo se torne justo e entre nós se tenha uma palavra a dizer?
Filho. E os deuses?
Pai. O que têm os deuses?
Filho. Não disseste que os deuses e os patrões andam de mãos dadas? São eles os patrões.
Pai. Vamos degolar um cabrito. O que fazer? Mataremos os vagabundos e quem nos rouba. Faremos uma fogueira.
Filho. Quem me dera que fosse já amanhã. A mim os deuses fazem-me medo.
Pai. E fazes bem. Os deuses, devemos tê-los do nosso lado. Na tua idade é mau não se preocupar com isso.
Filho. Eu nem quero pensar nisso. São injustos, os deuses. Que necessidade têm eles de que se queime gente viva?
Pai. Se assim não fosse, não seriam deuses. Quem não trabalha, como queres que passe o tempo? Quando não havia patrões e se vivia com justiça, era preciso matar alguém de vez em quando para lhes dar prazer. Eles são assim. Mas nos nossos tempos já não precisam disso. Somos tantos a viver mal que lhes basta olhar para nós.

(pags. 82/83)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

"Assumir a dimensão política da justiça"

A revista Visão, em 27 de agosto de 2009, com o título em epígrafe, fez uma pré-publicação do livro de Cunha Rodrigues O Recado a Penépole. A recolha do jornalista Tiago Fernandes dá, naturalmente, particular atenção ao relacionamento entre a justiça e a política. Eis um dos textos que destacou do livro:
Sucessivas gerações de magistrados foram «educadas» segundo uma concepção adversarial da política. Cultivaram a ideia ou o preconceito da obstinação da política em perverter a justiça, de políticos sempre desejosos de invadir o terreno judicial e da justiça como reserva moral. Em resumo, de uma independência necessitada de fronteiras e, cada vez mais, de fortalezas.
Foi um caminho sem grandeza nem futuro.
 
Sobre o livro, escrevi aqui em dezembro de 2009.

domingo, 9 de junho de 2013

Chuvas

Chove, no Bom-Velho de Cima; não uma chuva oblíqua que permite o sonho, mas uma chuva miúda que trai a esperança. Numa outra Europa, a chuva inunda os campos e as cidades, de uma forma incomum. Enquanto houver Europas várias, não serão as chuvas a determinarem as diferenças. 

sábado, 8 de junho de 2013

Segurança, privacidade

Em sociedades de alto risco em matéria de segurança, mas também de alto risco em matéria de privacidade, como ponderar o equilíbrio entre ambas  quando se antegonizam? Se a lei ou a moral as hierarquizasse, a solução seria mais fácil. Não as hierarquizando, o recurso a critérios de equilíbrio e de dignidade não poderá deixar de ter em consideração o momento histórico em que o dilema se equaciona. Obama terá infletido no que defendia sobre esta matéria, indo ao encontro daquilo que pensa a maioria dos políticos do seu país. Seja como for, a "invasão massiva" das comunicações, tanto quanto um perigo para a privacidade, não o será menos para a segurança da democracia.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Mais escutas

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna respeitante a 2012, foram registadas 13046 interceções telefónicas (11440, em 2011), representando um acréscimo de 14%.
 
Os meus passos em volta das escutas estão aqui.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Um novo rumo

John Kerry, Secretário de Estado dos EUA, anunciou, na Assembleia Anual da Organização dos Estados Americanos, um novo rumo no combate às drogas. Fê-lo com uma simples frase: Sim, temos de nos fixar na procura. Depois de um combate hipócrita e inglório apenas pelo lado da oferta, parece compreender-se que são necessária políticas sociais que permitam uma redução significativa da procura.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Leituras


OS MÁRTIRES DA LIBERDADE

As forcas em que os doze Mártires da Pátria morreram, na Praça Nova, foram mandadas colocar por D. Miguel no mesmo sítio onde, anos antes, haviam sido lançados os alicerces de um monumento que a cidade queria construir em memória da Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820. Houve um tempo em que a forca era amovível. Montava-se onde os tribunais decidiam que devia ser executada a pena. Os ladrões, os assassinos, os facínoras, em geral, eram enforcados nos locais onde os crimes haviam sido cometidos. Os políticos eram executados nos sítios de maior movimento das cidades, com o evidente propósito de dissuadir quem quer que fosse a atentar contra a chamada ordem pública. Os cadáveres dos Mártires da Liberdade, depois de decapitados, foram a enterrar no Adro dos Enforcados que ficava onde agora se erguem as novas instalações do Hospital de Santo António, face à atual Rua de Alberto Aires de Gouveia, antiga Rua da Liberdade. Atualmente, os restos mortais daqueles patriotas repousam num mausoléu que está no talhão privativo da Santa Casa da Misericórdia do Porto, no cemitério do Repouso.
(pag. 203)

terça-feira, 4 de junho de 2013

Mapa judiciário

Voltará a falar-se dele depois das eleições autárquicas; é o que presumo.

Leituras

Embora seja tentador pensar as migrações transatlânticas para as Américas como sendo de cariz europeu, até cerca de 1820 o emigrante que com mais frequência se encontrava no Atlântico era africano. Antes de 1820, cerca de dois milhões e meio de europeus migraram para as Américas, mas na mesma altura quase oito milhões e meio de africanos foram levados nos navios negreiros. Do número total de africanos desembarcados nas Américas, menos de dez por cento foram levados para a América do Norte. A grande maioria foi descarregada no Brasil e nas Caríbas, por uma simples razão: iam trabalhar nas plantações de açúcar. Apesar da dispersão de escravos por todos os recantos das economias americanas (com trabalhos que iam das lides domésticas até às funções de vaqueiros), foi o açúcar que fez a grande maioria atravessar o Atlântico.
(pags 84/85)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Emigração

A emigração de hoje não é para sobreviver mas para viver. Não voltarão.

Leituras


Os heréticos condenados eram levados para um estrado de madeira, erguido cerca de um metro acima do solo, e amarrados a um poste por uma pesada corrente; os feixes de lenha eram então empilhados à sua volta até uma altura que escondesse parcialmente os membros dos olhos dos espectadores. O mayor gritava «Pega fogo à lenha!» e «Fiat justitia!» («Faça-se justiça!»), e o carrasco, depois de ver de que lado soprava o vento, chegava o archote aos feixes. Há numerosas xilogravuras do processo, em algumas das quais se vê a igreja de St Bartholomew por detrás da fogueira acesa em Smithfield. Há sempre uma grande multidão a assistir. Por vezes, o devoto povo tem de ser contido por soldados a cavalo e guardas apeados armados de alabardas. Ergue-se um palanque para os «nobres» que desejem testemunhar o interessante acontecimento. Outras pessoas vêem, das janelas, como o corpo do condenado, carbonizado e derretido pelas chamas, tomba para a frente, preso pela corrente. Nunca se sabia ao certo, porém, quando seria o grande momento; um herético demorou quarenta e cinco minutos a morrer, e John Foxe conta que «quando tinha o braço esquerdo a arder e carbonizado, tocou-lhe com a mão direita, e o braço separou-se-lhe do corpo, e ele continuou a rezar até ao fim, sem gemer».
(pag. 216)

sábado, 1 de junho de 2013

Suspeitas & Desculpas

Sobre milhares de advogados foram lançadas suspeitas de que teriam obtido dinheiros indevidos nas defesas oficiosas. Tais suspeitas, na sua quase totalidade, careceriam de justificação. Quem lhes deve um pedido formal de desculpas?

Leituras

Por associação de ideias, emergia-lhe também a certeza absoluta, que se lhe foi cimentando ao longo da vida, de que a justiça é como uma dama caprichosa que nunca se sabe o que vai exigir no momento seguinte para ser feliz, num naipe infindável de possíveis minudências, muitas delas imponderáveis, havendo alturas em que nada parece ajustar-se às suas pretensões, para desespero de quem procura servi-la. Por via disso, muitas vezes não se cumpre. ou, admitia Rosário, ter passado a vida iludido em busca da idealização da justiça que em si fez nascer, apenas para ganhar o ânimo necessário para poder continuar a perseguir essa linha do horizonte que, concluía, nunca alcançara.
(pag. 16)

Nota: Rosário é um polícia de investigação criminal, aposentado à data desta reflexão.