quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Vigilâncias

"The United States has witnessed an explosive expansion of mass surveillance since the 9/11 attacks. This post-9/11 expansion has built on wartime population surveillance dating back to World War I, as well as on an even deeper history of government tracking and harassment of racial justice and labor movements, political dissidents, immigrants, and people of color. Yet it is also markedly different from what existed before, in both its technological capacities and its scale and breadth. 1960s-era FBI agents, who wiretapped residential phones and planted informants in political movements, could hardly have imagined the government’s ability to track location and usage data on the miniature computers nearly everyone now carries in their pocket. The public sphere, as well as many private homes, are replete with cameras, often accessible to both local authorities and corporations. The immigration tracking system has ballooned as well, bringing ever more intimate aspects of immigrants’ lives under the gaze of the government and private contractors. Intertwined factors such as technological advancement, the rise of social media, and longstanding racist and anti-immigrant politics have contributed profoundly to these expansions.
However, the pervasive fear, sanctioned Islamophobia and xenophobia, weakened civil liberties protections, and exponentially increased funding of the post-9/11 era undoubtedly made contemporary mass surveillance possible. These forces amplified each other to enable the unprecedented breadth and scale of surveillance reigning across the United States today."

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Lei do mercado

Em 2022, a quantidade de cocaína produzida na Colômbia atingiu as mil setecentos e trinta e oito toneladas, correspondendo a um aumento de 24% relativamente ao ano anterior. 




O garnisé

Ontem, no noticiário das 20 horas, a RTP fingiu uma entrevista ao ministro da Educação. O que se passou não foi comunicação, foi oposição pura e dura. A indignação do dono do microfone tornou-se num espetáculo triste, incompatível, creio eu, com as regras deontológicas do jornalismo.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

+ uma autarca absolvido

O presidente da Câmara de Penamacor foi absolvido dos crimes de prevaricação de titular de cargo político e falsificação de documentos, por ter lançado em 2018 o concurso para uma estrada que estava feita desde 2015.
Absolvidos foram também os restantes arguidos por não ter sido provada a coautoria dos crimes, nomeadamente dois técnicos da autarquia, um empresário, a sua empresa e um funcionário da mesma.
O coletivo de juízes não deu como provado que os arguidos tivessem agido para benefício de terceiros ou, futuramente, ter proveito próprio.

Não se noticia se o Ministério Público tem ou não o propósito de interpor recurso.

sábado, 9 de setembro de 2023

De quem é a responsabilidade?

Segundo o JN de 5 de setembro, com o título "juíza de fraude na cortiça arrasa megaprocessos", a mesma, justificando o adiamento da decisão que envolve 131 arguidos, declarou que "quando as coisas são malfeitas, não há nada a fazer".
Há muitos anos que há um consenso sobre a ineficácia dos megaprocessos. Apesar disso, eles continuam a inundar os media, traduzindo uma inconsistência institucional persistente.
A hierarquia do Ministério Público, perante estes casos, pode e deve dar explicações. Nem sempre o segredo de justiça justifica o silêncio da justiça.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Anexim

 O VAR está para o futebol assim como o CITIUS para a justiça; ou vice-versa.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Hipocrisia

Foi ontem promulgada uma lei de amnistia e perdão que é um exercício de hipocrisia. Presumo que, para não perturbar as férias judiciais, só entrará em vigor em 1 de setembro. Francisco, o Papa, merecia melhor.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Leituras


O termo religio não deriva, segundo uma etimologia tão insípida quanto inexata, de religare (aquilo que liga e une o humano e o divino), mas de relegare, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve marcar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o "reler") perante as formas - e as fórmulas - a observar para respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é aquilo que une os homens e os deuses, mas aquilo que zela por mantê-los distintos. À religião não se opõe, por isso, a incredulidade e a indiferença para com o divino, mas sim a "negligência", isto é, uma atitude livre e "distraída" - ou seja, livre da religio das regras - face às coisas e ao seu uso, às formas da separação e ao seu significado. Profanar significa: abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência que ignora a separação, ou, melhor, faz dela um uso particular.

(Pags 105/106)
 

sábado, 29 de julho de 2023

Sem ironia

No JN, na secção Sobe e Desce, publicou-se uma foto de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, coroada com uma seta para baixo, acompanhada do texto:
"Viu o juiz Carlos Alexandre arrestar-lhe novamente a pensão de 26 mil euros, no âmbito do processo EDP, em que responde por vários crimes".
Na minha opinião, teria sido mais curial e feita melhor justiça publicar uma fotografia do juiz Carlos Alexandre, coroada com uma seta para cima, acompanhada do texto:
O juiz Carlos Alexandre arrestou novamente, a Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, a pensão de 26 mil euros, no âmbito do processo EDP, em que este responde por vários crimes.

*Edição de 28 de julho, última página

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Autonomias

A autonomia não garante a competência; já a competência profissional e a afirmação ética garantem a autonomia. O enviesamento discursivo sobre a autonomia do Ministério Público, como se se tratasse de um ataque político a uma magistratura ou de um ataque desta aos políticos, não esclarece nem dignifica. O esclarecimento público e a coesão interna são uma exigência para todos os serviços, da justiça à política. A avaliação dos políticos faz-se pelo voto; a avaliação dos magistrados faz-se pela sua transparência funcional.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Cinzas

Em vez de se remeterem ao silêncio que a situação justificaria, há quem, através dos meios de comunicação que lhes são próximos, continue a  alimentar a novela. Pretendem agora tornar Rui Rio no vilão da dita, insinuando que este, não abrindo de imediato a porta, frustrou a  "a eficiência do efeito surpresa".
Como nos velhos filmes, talvez tivessem ficado cinzas recentes na lareira.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

E as outras?

O presidente da direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público enunciou que "as investigações a órgãos democráticos devem ser particularmente cuidadosas".

domingo, 16 de julho de 2023

Leituras

 

Da contracapa -
O jornalista alemão Volker Weidermann narra, de maneira documentada e comovedora, a amizade entre Stefan Sweig, Joseph Roth, Kisch, Irmgard Keun, Willi Wüzenberg, Koester, Kester e outros intelectuais fugidos ao nazismo, que se reuniram em Ostende, no Verão de 1936. O último convívio da esperança, antes do terror que se aproximava.

Edição da UNICEPE, Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto
1ª edição: 500 ex. - 22 de fevereiro de 2019
(Para o 77º aniversário do falecimento de Stefan Zweig)

sábado, 15 de julho de 2023

A (des)proporção

Do Expresso -
Carta enviada por Hugo Soares a Lucília Gago fala em falta de respeito "pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade" e critica que "se desarrumem sem aparente critério as casas dos cidadãos", como Rui Rio, e se obrigue representantes a ficar até às 4h da manhã na sede.
A (des)proporção na utilização dos meios na investigação criminal é um sério problema ético que atinge os fundamentos da democracia. Que só agora um dirigente de um partido político o venha suscitar, sem se refugiar no deixem a justiça funcionar, traduz bem da distorção crítica que afeta os políticos.
A (des)proporção das prisões preventivas, ou das escutas, ou das buscas, ou das apreensões, muitas vezes mais próximas de uma devassa do que de uma investigação, tem afetado centenas de cidadãos perante a impotência destes e o silêncio daqueles.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Adiamentos

Basta folhear os jornais: os tribunais são pródigos em adiamentos e em razões para os mesmos. Leio no JN que "o tribunal adiou a leitura do acórdão, prevista para hoje" no caso Futebol Leaks, por causa de uma eventual amnistia. Trata-se de uma nova razão que se me afigura não ter fundamento legal.
A leitura do acórdão não inibe a aplicação de uma eventual amnistia e em nada prejudica o interesse do arguido; creio mesmo que seria no interesse deste.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Esquecer o crime, perdoar a pena

A amnistia e o perdão são instrumentos legais que poderiam ter um impacto muito positivo numa política criminal seriamente empenhada na reinserção social. O populismo punitivo, com o fervor mediático que o acompanha, parecem ter condenado à exclusão aqueles instrumentos. Mesmo os partidos políticos que dizem afastar-se desse populismo, embarcam numa manifesta incomodidade quando este tema não pode ser contornado.
Espero que a amnistia e/ou o perdão que se anunciam, tenham a universalidade do visitante e não sejam o exemplo de uma cobardia tática dos visitados.

terça-feira, 27 de junho de 2023

Leituras

 


Um precioso documento sobre o quotidiano de uma Companhia de Caçadores na Guerra Colonial em Angola (1971/1973).
Tem o prefácio de Carlos de Matos Gomes.
Edição de Diário de Bordo.

sábado, 24 de junho de 2023

Ainda há quem telefone

Admitindo, com probabilidade, que, em 2022, 15000 telefones foram postos sob escuta pelas autoridades judiciais; tendo como certo que as comunicações telefónicas, que cresceram exponencialmente, são essenciais ao quotidiano; não exagerando se considerar que cada telefone sob escuta interage com, pelo menos, outros dez telefones no período em que aquela decorre; poder-se-á, assim, contabilizar que dezenas de milhares de pessoas, naquele ano, foram escutadas e o que disseram estará, algures, (des)guardado. Porém, a maioria dessas pessoas não o saberá, a não ser que venha a ter uma posição processual, ou que venha a haver alguma inconfidência mediática.

sábado, 17 de junho de 2023

Inquiridores / Inquisidores

Dei algum do meu tempo de reformado à audição da Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP.
Do muito que se prometia, fiquei a ver aviões.
Onde esperava inquiridores bem preparados, eficazes e distanciados, encontrei inquisidores impreparados, parciais e com a manha policial de uma Série B.
O esclarecimento não era a razão; descredibilizar os visados era o fim.
Tal prática, de baixo teor moral e politicamente indefensável, parece ter-se tornado a rotina e o paradigma de outros inquéritos, mesmo nos criminais.
Seria eu mesmo parcial, se não retirasse o PCP deste caldeirão.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Leituras

 

ÍNDICE

 CAPÍTULO I – VIOLÊNCIA DE GÉNERO, VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

CAPÍTULO II – CARATERIZAÇÃO PSICOLÓGICA DAS RELAÇÕES VIOLENTAS

| A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DAS VÍTIMAS

CAPÍTULO III – ASPETOS MÉDICO-LEGAIS DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

CAPÍTULO IV – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E DOMÉSTICA

| O CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | A PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DA LIBERDADE SEXUAL: ANÁLISE DOGMÁTICA DO CRIME DE COAÇÃO SEXUAL

| O CRIME DE VIOLAÇÃO | CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ARTIGO 170º CP)

| O CRIME DE INFANTICÍDIO

| MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA

| CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS CRIMES

CAPÍTULO V – VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

| A CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE

| DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

| SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO

| A FASE DE INSTRUÇÃO | MEDIDAS DE COAÇÃO E MEDIDAS DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS

CAPÍTULO VI – APOIO SOCIAL ÀS VÍTIMAS

CAPÍTULO VII – DIREITO DA FAMÍLIA | AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

| ALIMENTOS E AS CRIANÇAS

| A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS

| REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO

| UNIÃO DE FACTO

CAPÍTULO VIII – DIREITO INTERNACIONAL DA FAMÍLIA

| O RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS E A CONVENÇÃO DE HAIA

CAPÍTULO IX – IMPLICAÇÕES LABORAIS DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E DOMÉSTICA

| CONCILIAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE PROFISSIONAL E A VIDA FAMILIAR

| A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A VIOLÊNCIA DE GÉNERO NO MERCADO DE TRABALHO

CAPÍTULO X – VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

CAPÍTULO XI – DIREITO DOS SEGUROS

CAPÍTULO XII – DIREITO DAS MIGRAÇÕES E DO ASILO


E-book de livre acesso aqui


quarta-feira, 7 de junho de 2023

Demagogia judicial

Leio no JN* que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) pediu ontem à ministra da Justiça que crie um grupo de trabalho para analisar os processos penais com "cidadãos famosos" e perceber a sua morosidade.
Leitor menos atento será levado a concluir que a morosidade judicial terá apenas como paradigma os processos penais com "cidadãos famosos", daí partindo para a retórica populista que alimenta a perceção justicialista dos tempos que correm.
A verdade é que há muito de endémico nessa morosidade, tocando todo o tipo de processos e afetando cidadãos de todos os estratos e de todas as famas sociais.
Por outro lado, não condiz com a relevância da situação que não tivessem sido enunciados os nomes dos cidadãos que a Associação considera integrarem essa lista obviamente distinta: uma questão de lealdade para com os visados.
Uma comissão para perceber a morosidade judicial, de acordo; os que não são famosos também o merecem.

*De 6 de junho, pag. 13

sexta-feira, 26 de maio de 2023

A devassa continua


O uso ilegal do conteúdo das escutas formalmente legais atingiu, com despudor, o seu auge.
Ao longo da minha vida profissional, e também neste blogue, o (ab)uso deste meio de obtenção de prova foi uma preocupação constante: uma preocupação com fundamentação séria no muito que vi.
Enquanto a Assembleia da República se entretém com um procedimento inócuo do Serviço de Informações de Segurança, a devassa humilhante continua.
Tal como o disse há vários anos, em declarações públicas, esta preocupação deveria estar para além da justiça.

terça-feira, 2 de maio de 2023

O silêncio do SIS

Não consideraria anormal que um ministro comunicasse ao Serviço de Informações de Segurança que um computador, contendo matéria classificada, estaria na posse de quem não teria competência legal para o efeito.
A questão, e essa já não dirá respeito ao ministro, é a de saber o que o Serviço fez com essa informação. Um esclarecimento do respetivo Diretor há muito que se teria justificado.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Leituras

 

PROCTOR: (Enquanto puxa de variados papéis.) Não sou advogado, por isso -

DANFORTH: Os puros de coração não precisam de advogados. Prossiga como achar melhor.

Tradução de Fernando Villas-Boas
(pag. 125)


quarta-feira, 29 de março de 2023

Contornar o direito de defesa

O Inspetor-Geral de Finanças, no Parlamento, justificou que não tivesse sido ouvida a diretora executiva da TAP, presencialmente, como é de regra, porque a sua língua estrangeira podia ser usada para contornar perguntas.
Estando em causa um inquérito em que a atuação daquela era manifestamente visada, será mais de crer que tal procedimento teria sido usado para contornar respostas.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Uma decisão precipitada

O acórdão do Tribunal de Contas que negou a autorização para a aquisição de baterias, pela Transtejo,  num momento posterior à aquisição dos novos catamarãs, parece-me simplista, para além da utilização de analogias de todo inadequadas.
Dizer-se que tais aquisições serão idênticas a "comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais", é um argumento simpático para destacar jornalisticamente mas que em nada ajuda a compreender a recusa da autorização.
Teria sido curial pedir prévias explicações à Transtejo sobre a estratégia que a levou a uma aquisição repartida. Por razões financeiras ou técnicas? Teria sido efetivamente poupado o erário publico se a compra das baterias tivesse sido feita de imediato?
Também aqui o contraditório teria sido relevante.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Iraque, 20 anos depois

This paper examines the total costs of the war in Iraq and Syria, which are expected to exceed half a million human lives and $2.89 trillion. This budgetary figure includes costs to date, estimated at about $1.79 trillion, and the costs of veterans’ care through 2050. Since the United States invaded Iraq in 2003, between 550,000-580,000 people have been killed in Iraq and Syria  the current locations of the United States’ Operation Inherent Resolve — and several times as many may have died due to indirect causes such as preventable diseases. More than 7 million people from Iraq and Syria are currently refugees, and nearly 8 million people are internally displaced in the two countries.

Ler aqui o artigo de Neta C. Crawford

quarta-feira, 15 de março de 2023

Serviço cívico

Para melhor leitura, clique na imagem.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Leituras

 
As leis não possuem um poder intrínseco para o bem ou para o mal. Ao longo da História, muitos projetos jurídicos têm-se revelado profundamente cínicos e calculistas. Os reis germânicos tentaram alcançar o poder e o estatuto dos imperadores romanos, Hamurabi foi um chefe militar impiedoso que pretendeu deixar uma imagem benigna às gerações futuras, muitos sacerdotes legisladores e as suas instituições acumularam poder e recursos em seu próprio benefício, líderes autoritários geralmente citam a lei para legitimar as suas ações e os governos contemporâneos tentam convencer-nos de que têm mais controlo sobre uma crise do que na verdade têm. Uma determinada visão de civilização, de competência e de direitos humanos pode funcionar como uma cortina para encobrir a ambição e a ganância ou, muito simplesmente, o poder. Todavia, visões e cortinas só funcionam se as pessoas acreditarem nos valores que elas projetam, e, quando as leis propõem uma visão em que as pessoas acreditam, podem também ser usadas contra qualquer detentor de poder que tente ignorá-las. É isso que confere ao Direito a capacidade para legitimar e limitar o poder.

Pag. 402
Edições Desassossego, 2022

Sobre Fernanda Pirie, ler aqui


sábado, 11 de março de 2023

O contraditório

Segundo o dicionário Priberam, o contraditório é um "princípio de igualdade entre as partes, permitindo que cada uma possa contestar a outra parte ou contra-argumentar".
É um princípio de que se ouve falar, habitualmente, no âmbito da administração da justiça, mas tão essencial nesta como em qualquer outro organismo do Estado. Ou seja, o cumprimento deste princípio não não pode escapar à Inspeção-Geral de Finanças.
Por isto ou por aquilo, a Inspeção-Geral de Finanças ignorou a audição da diretora executiva da TAP no inquérito que levou a cabo sobre o pagamento de uma indemnização que seria indevida. Mesmo admitindo que o Governo tivesse exigido celeridade, esta celeridade nunca poderia trair um princípio de óbvia aplicação.
Perante uma insuficiência tão gritante, o ministro Medina, caso tivesse ouvido a prudência, deveria ter devolvido o inquérito à procedência para que o contraditório se cumprisse. Preferiu anunciar uma exoneração por justa causa em que dificilmente se acredita como causa justa.
Uma decisão precipitada é uma decisão cega.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A entrevista

Marcelo, o comentador, foi entrevistado na RTP1. Para quem acompanha este tipo de entrevistas nas diversas televisões europeias, concluirá que a sua duração foi romanesca e o tom amigável, quase subserviente. Não houve confronto, nem seria essa a função dos jornalistas. Para dizer o que o comentador disse, a verdade é que os jornalistas não seriam necessários. Foi um tempo de antena presidencial apresentado por um comentador muito próximo do presidente. Nos dias anteriores, guardou um prudente silêncio, em tudo idêntico ao de um oráculo. A encenação, essa sim, é necessária.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Leituras

 

Os grandes crimes têm o vínculo à personalidade, e assim a criminologia foi uma ciência exacta. Mas tornaram-se difusos e imprevisíveis, o que torna a acção policial menos eficiente no quadro social.
Se formos ouvir a história dos crimes que se deram na região e de que houve memória até ao nascimento de Camila, vemos que foram crimes de personalidade. O mais antigo de que alguém se podia lembrar era o conhecido pelo crime dos irmãos Pèzinho, que mataram um padre agiota com malvadez consumada. O facto é muito semelhante ao Crime e Castigo de Dostoiewski, este um perfeito crime de personalidade em que o execrável recai sobre a vítima.
Os Pèzinhos, rapazes novos e de costumes ambíguos, assassinaram o padre para o esbulhar das riquezas que recebia como penhor da sua agiotagem; declarando-se culpados, mostravam um certo auto-perdão porque consideravam ter cometido uma acção justa. Eram depressivos, de uma família de depressivos, e os netos deles, mais tarde, juravam ter visto um disco voador sobre o vale de Jugueiros, numa noite de Dezembro muito fria, A frialdade é condutora das visões fantasmas.
A ignomínia do dito padre, que acusavam de sodomia e de cupidez, atenuou muito o juízo da população e diminuiu a pena dos criminosos. Mas não se provou que a vítima fosse outra coisa senão um avarento, promíscuo apenas com as suas histórias de juros e esbulhos mais ou menos legais. O que levara os Pèzinho a matá-lo? Em primeiro lugar fora a imagem que eles tinham do sacerdote e a ideia de que aquele homem, sujo no corpo a ponto da sua autópsia ser à porta fechada em vez de decorrer no adro da igreja, como previsto, traísse alguma coisa de consistente na personalidade colectiva.
Esse mesmo crime, passados quarenta anos, teria uma motivação diferente ou não teria mesmo motivação muito clara. Há sempre um motivo para o crescimento económico duma época histórica, e é uma motivação flutuante. Também o crime tem razões que flutuam e parecem situar-se entre uma forma de idealismo e de realização impulsiva. Como o amor.

Edição de Maio de 2002
Pags 238/239

quarta-feira, 8 de março de 2023

náufragos

a dor é uma imagem distante

vieram de longe, já com a morte
no corpo
por mares desde sempre navegados

vieram na esperança, talvez
não pelas especiarias
mas pela vida


f,b.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A ler

No JN de hoje, o artigo de Maria de Lurdes Rodrigues com o título "A insustentável leveza das leis".

"Conheço leis que nunca foram aplicadas: são aquelas cheias de boas intenções. Conheço outras a que falta regulamentação: são as leis inacabadas. Conheço algumas cujos princípios são contrariados pela regulamentação: são aquelas que parecem não existir. Conheço leis que servem para revogar ou alterar conjuntos de outras leis: são aquelas que transformam sistemas em labirintos. Conheço leis contestadas pelos agentes responsáveis pela sua aplicação: são aquelas que provocam frustrações. Conheço leis cujas alterações lhes retiram coerência: são aquelas que levam "marteladas". Conheço, ainda, leis a que falta a definição clara do conjunto dos procedimentos da sua aplicação: são aquelas que transformam a vida dos cidadãos num inferno de incerteza."

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A fadiga do poder

Há um cansaço que já não (nos) engana. Vê-se pelos rostos, pelo modo com que parecem esconder-se. Dizer o mínimo, ou dizer o máximo nada dizendo, tornou-se um paradigma. O poder exige criatividade, uma imaginação que seja socialmente estimulante. A maioria absoluta, ao contrário do que então se disse, não galvanizou a governação; adormeceu-a. O bom desempenho das finanças é virtuoso, mas não deixa de ser longínquo. A geringonça, com os seus equívocos e as suas tensões, foi um exercício de esperança; os tempos que correm são de indignação.