quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A entrevista imprevista e imperdível

Da entrevista de Rui Rio, hoje ao JN:

Mas o MP tem o dever de investigar todas as suspeitas?

O MP não só tem de ser autónomo, como tem a obrigação legal e ética de investigar tudo o que possa levantar suspeitas. Se não o fizesse, seria gravíssimo. Estaria a pactuar com o crime e a ser seletivo, ou seja, a proteger alguém. O que tem estado muito errado é a forma como o faz e, muitas vezes, o fraco conhecimento que os investigadores revelam sobre as matérias em causa. Se investigassem com discrição, com competência, no completo respeito pela lei e sem violação do segredo de justiça, nada haveria a apontar. Antes pelo contrário, porque haveria um melhor combate à corrupção.

domingo, 10 de dezembro de 2023

A devassa no auge

Segundo o PÚBLICO, "no âmbito Operação Influencer foram interceptadas pelo menos 82 mil comunicações ao ex-ministro das Infra-Estruturas João Galamba, que foi secretário de Estado com a pasta da energia desde 2018 até Janeiro deste ano". Admitindo que apenas 50 mil dessa comunicações foram telefónicas, e que cada uma delas durou, em média, 5 minutos, obteremos 4166 horas de escutas. Que se possa devassar a atividade de um ministro deste modo, particularmente numa área tão sensível como a das infra-estruturas, é um problema de segurança nacional.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Da ordem moral

A transparência e a integridade têm de começar nas instâncias judiciárias, na comunicação social e nas associações que dizem promovê-las e defendê-las. Lamentavelmente, o que vêm permitindo é o achismo generalisante de que a opinião pública e publicada se alimenta. Esta intoxicação cria um caldo de cultura em que a inveja justiceira se torna paradigma do exercício cívico. Só assim se compreende a notícia do JN* de que a Polícia Judiciária "recebe 70 denúncias de corrupção por mês", denúncias que, "na maioria dos casos, não passam de imputações genéricas, sem uma descrição de factos concretos nem provas".

*O JN voltou hoje às bancas; senti a sua falta neste últimos dois dias. Espero que os seus trabalhadores não tenham a necessidade de recorrerem novamente à greve.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Síntese exemplar


 Primeira página do Jornal de Notícias

sábado, 2 de dezembro de 2023

Escutas preventivas

A lei não as consente. São aquelas que têm por trás uma vocação maníaca: ele há de cair. Admiti-las apenas será possível numa sociedade totalitária; aquelas em que todos somos culpados até prova em contrário.
Os quatro anos de escutas a que um ministro foi sujeito, independentemente das intermitências, mereceria uma análise política. É evidente que, já em tempo de indisfarçada campanha eleitoral, será sempre mais fácil deixar no esquecimento esse incómodo.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Condições carcerárias

O Estado português voltou a ser condenado, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a indemnizar três cidadãos pelas condições carcerárias a que se encontraram sujeitos. Segundo o JN, Portugal já foi condenado pelos mesmos motivos, desde 2019, num número significativo de casos. Os magistrados judiciais e do Ministério Público, em funções nos diversos tribunais que tutelam a execução das penas, não serão testemunhas dessas condições?

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Com medo

Do artigo da Professora Maria de Lurdes Rodrigues, com o título em epígrafe, hoje publicado no Jornal de Notícias:

"O inquérito instaurado à procuradora-geral-adjunta é um passo mais no caminho da intimidação que tem sido percorrido por alguns procuradores e pelo seu sindicato. Inquérito aberto para averiguar da possibilidade de existência de delito disciplinar num texto de opinião. Repito, num texto de opinião. Entretanto, onde não há necessidade de inquérito para saber se existe ou não delito, neste caso criminal, a procuradora-geral da República mantém-se em estado de total letargia. Crime comprovado, à vista de todos, com total impunidade, regularmente praticado: a violação seletiva do segredo de justiça numa fase em que o processo apenas é conhecido por procuradores.
Ora, este crime reiterado não é simplesmente processual. Tem consequências substantivas, substituindo a justiça pelo linchamento moral, profissional e político. É acusação sem processo, castigo sem julgamento, estigma sem defesa. No entanto, e pelos vistos, tudo isto vale menos para a senhora procuradora-geral da República do que a imposição do silêncio e a anulação do espírito crítico dentro da organização que tutela. Ou seja, a imposição do medo também entre os membros da corporação."

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Gota de justiça

Dos 19 detidos pela PJ, apenas a um foi aplicada uma medida de detenção domiciliária; aos restantes, coube apenas uma medida cautelar mínima, ou seja aquela que decorre, necessariamente, da constituição de arguido: prestação de termo identidade e residência.
Continua um uso excessivo, melhor dizendo, um abuso, da detenção para aplicação judicial de uma medida de coação. Nesta matéria, há muito que o Ministério Público deveria estabelecer regras de procedimento que evitassem estas situações que não dignificam a justiça e ofendem os cidadãos.


sábado, 25 de novembro de 2023

Ad hominem

No Público, de 19 de novembro, foi publicado um artigo de Maria José Fernandes, procuradora-geral adjunta, sobre o desacerto no desempenho do Ministério Público. Trata-se de um artigo relevante sobre o qual se deve refletir.
A reação conservadora e corporativa por parte de elementos do sindicato dos magistrados do Ministério Público não se fez esperar. Mais do que o conteúdo do artigo, o que lhes importou foi a pessoa, iniciando-se o processo de descredibilização desta. Em consonância, surgiu o comentariado dos avençados com o mesmo propósito.
A isto, junta-se a determinação da Procuradoria-Geral da República em instaurar uma averiguação, na perspectiva disciplinar, visando a mesma magistrada.
O dever de reserva não pode ser o manto diáfano da incompetência, nem, em seu nome, se pode obstaculizar a transparência da reflexão crítica.

domingo, 19 de novembro de 2023

Já cheira a cadáver

Ontem, as autoridades policiais procederam, ainda que sem sucesso, às buscas num poço com o propósito de ali encontrem o corpo de uma pessoa desaparecida. O evento foi transmitido em direto e congregou um número elevado de pessoas (populares no jargão televisivo). Tendo durado umas horas, aguçou o seu sentido de justiça, com a recolha de declarações para todos os gostos. Talvez a mais significativa foi aquela em que alguém resumia um sentimento que, presumo, deveria ser geral: Já cheira a cadáver.
Com as buscas na operação influencer e nas fugas cirúrgicas de elementos em segredo de justiça que se lhe seguiram, estou em crer que os comentaristas devem ter tido o mesmo sentimento, Já cheira a corrupção, ainda que o tivessem verbalizado de um modo pretensamente mais sofisticado.

sábado, 18 de novembro de 2023

Condicionantes

É curioso que o post que publiquei em 25 de fevereiro de 2017 tenha sido o mais visto deste blogue:
Tanto quanto a política não deve condicionar a justiça, a justiça não deve condicionar a política.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O pecado original

A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado* do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, é o que estatui o artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Tendo a operação influencer** corrido, e continuando a correr, a céu aberto, seria interessante, já agora, conhecer os despachos do Ministério Público e judicial que promoveram e determinaram a realização da intercepção e gravação de comunicações telefónicas que, com toda a probabilidade, iriam também envolver o primeiro-ministro.
A consistência desses despachos explicar-nos-iam muitas das perplexidades com que hoje somos confrontados.

*Negrito da minha responsabilidade
**Designação de um humor patético e perigosamente conclusivo


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

"Podemos confiar no Ministério Público?"

Um artigo do jornalista Pedro Tadeu, no DN, com o título em epígrafe, enumerando alguns dos casos que têm posto em causa a credibilidade do Ministério Público. A ler aqui.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Indignação

Com o que se passou nos últimos seis dias, uma investigação criminal, direta e exclusivamente realizada pelo Ministério Público, levou aos limites um exercício de vexame judiciário.
Seremos muitos os que se indignarão com aquele a que foi sujeito o presidente da Câmara de Sines. Pelo que se noticiava, pareceria óbvio que os factos que lhe eram imputados não integrariam um crime de corrupção. Seria leal e justo, pois, que pudesse ser desagravado, arquivando-se quanto a ele, pelo menos, o inquérito, e, assim, fazer cessar a condição de arguido em que ainda se encontra.
A ética é tão imperativa como a lei.

domingo, 12 de novembro de 2023

Conluios

Em 13 de abril de 2021, publiquei um poste com o título em epígrafe. Creio que se tornou mais atual do que então. Aqui.

Anexim

Nas escutas, cada um ouve aquilo que quer ouvir.

sábado, 11 de novembro de 2023

Premonição

22 de janeiro de 2021

25 de janeiro de 2021

Investigação preguiçosa

Transcrevi, aqui, um texto de Cunha Rodrigues, antigo procurador-geral da República, que integra o seu livro Memórias Improváveis, sobre as escutas telefónicas.
No atual contexto, merece ser lido ou relido.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Por falar em circo

A tenda foi montada há mais de 48 horas. Os detidos continuam detidos sem que um juiz ainda os tivesse interrogado e pronunciado sobre a sua (deles) situação. Li que a papelada recolhida nas buscas exigirá análise, o que tardará os interrogatórios. Então o que vale não são os elementos de prova recolhidos até às detenções? Então as detenções não foram devidamente preparadas e não deveria estar já preparado o expediente para a apresentação judicial dos detidos?
Ninguém ignora que este tempo de vazio é o do frisson mediático: um tempo em que se vão deixando cair, distribuindo-os, uns tantos segredos de justiça que animam o comentariado. Que esses segredos sejam penalmente irrelevantes, pouco importa; o que importa é que possibilitem dissertações sobre o caráter dos detidos. É, assim, que, devagarinho, se vai construindo um veredicto.
Este tipo de procedimento tornou-se habitual e representa um retrocesso civilizacional.

"Já te disse, falaremos disso mais tarde"

Esta será uma frase de António Costa, pronunciada ao telefone, que não deixará de ficar na estória.
Segundo o ADVOCATUS, António Costa e Matos Fernandes "combinaram, em momentos diferentes, encontros para falar sobre procedimentos administrativos relacionados com a exploração do lítio e do hidrogénio. Ou seja, não abordaram estes temas via telefone. Já te disse, falaremos disso mais tarde, chegou uma vez a exaltar-se Costa perante a insistência de Matos Fernandes". 
O que se pode concluir deste procedimento e desta frase? Numa semiótica de justiceiros,  o encobrimento de uma atividade criminosa. Numa semiótica do bom senso, apenas se poderá concluir que António Costa sabe, como todos deveríamos saber, que há conversas que não se podem nem devem ter ao telefone; nomeadamente sobre assuntos relevantes da gestão governativa.

Sobre a semiótica das escutas escrevi aqui.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Competência reservada

A Unidade de Combate à Corrupção, da Polícia Judiciária,  "é a unidade especializada para resposta aos fenómenos criminais associados à criminalidade económico-financeira", nos quais se destacam os crimes de corrupção, peculato, tráfico de influências e participação económica em negócio. (cf. artigo 31º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 137/2019, de 13 de setembro - Lei Orgânica da Polícia Judiciária)
É da competência reservada* da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação, entre outros, dos crimes de branqueamento, tráfico de influência, corrupção, peculato e participação em negócio. (cf. artigo º, nºs 1 e 2, da Lei nº 49/2008, de 27 de agosto)
Ontem, nas busca realizadas, que presumo complexas, teriam participado três magistrados judiciais, dois representantes da Ordem dos Advogados, nove funcionários da Autoridade Tributária e 145 (ou próximo disto) elementos da Polícia de Segurança Pública.
Sem desmerecer da capacidade funcional de quem quer que seja, não deixa de ser estranha a ausência de polícias especializados e a quem a lei confere uma especial competência.
Não questionando que o Ministério Público possa afastar da investigação a estrutura policial que para o efeito teria competência reservada, a questão que se coloca é a de se conhecerem, ou não, os critérios e os normativos internos que justificam tal procedimento.
Ou será à la carte?

*Negrito da minha responsabilidade

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Coincidências

No SOL de 3 de novembro, na sua capa, com a importância que lhe é devida, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça declarou que "a corrupção está instalada em Portugal".
Hoje, 7 de novembro, o país acorda com a notícia de que o chefe de gabinete do primeiro-ministro foi detido, como também foi detido um seu amigo e colaborador próximo.
Sabe-se também que o próprio primeiro-ministro também não escapará à investigação, bem como outros dos seus ministros ou ex-ministros.
Há momentos em que a presunção de inocência é politicamente irrelevante.

Serviço público


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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Das cauções, um novo teatro II

Leio no ADVOCATUS que "Armando Pereira já pagou dez milhões de caução e fica em liberdade".
No mundo das suposições, suponhamos, então, que os milhares de arguidos, em prisão preventiva ou em detenção domiciliária, vêm requerer, invocando este precedente, que aquela sua situação seja substituída por uma caução. O que responderá a justiça? Que há crimes que admitem aquela solução e outros que não a admitem? Que a caução para este efeito sempre andará na ordem dos milhões de euros, ou, no mínimo, na ordem das centenas de milhares? Que há arguidos e arguidos?
Temo concluir que os pobres, ou os remediados, que são a maioria dos arguidos, jogam numa outra divisão da justiça.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Das cauções, um novo teatro

Os media passaram a salivar com o valor das cauções: já se está em 10 milhões para não se ficar em prisão preventiva ou detenção domiciliária. Insistem no pagamento quando, na verdade, uma caução não se paga; presta-se. A liberdade não se vende nem se compra. Também não é uma medida preventiva para ricos como parece que se está a tornar. Nenhum arguido pode ficar em prisão preventiva ou em detenção domiciliária por não prestar uma caução. Ou se justifica a prisão preventiva ou a detenção domiciliária, ou não. No caso de não se justificar, aplicar-se-ão outras medidas preventivas, nas quais se inclui a prestação de caução. 

sábado, 28 de outubro de 2023

Absolvição outra

"O Tribunal de Castelo Branco absolveu ontem o presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, ..., de dois crimes de peculato de uso e de dois de peculato. O autarca era acusado de usar a viatura do município, por duas vezes, numa viagem a Santarém e noutra ao Porto, para participar em reuniões do Partido Socialista (PS), tendo com isso lesado o Estado em cerca de 200 euros."

JN, de 27/10/2023, pag. 18 (transcrição da edição em papel) 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Acesso à nacionalidade: o claro e o escuro

"Portugal tem tido, neste índice, uma posição de destaque, entre os países mais bem classificados, em resultado da aprovação de legislação com uma orientação cosmopolita e humanista, favorável à integração de migrantes em todos os domínios. Por exemplo, no acesso à nacionalidade Portugal ocupa o primeiro lugar entre os países da União Europeia, seguido de perto apenas pela Suécia.
O relatório recente do Banco Mundial, Migrants, Refugees and Societies, propõe uma abordagem inovadora para maximizar os impactos positivos dos movimentos migratórios, tanto nos países de origem como de destino. ... No relatório são observadas não apenas as políticas públicas de integração de migrantes, mas também os impactos da sua aplicação. Curiosamente, Portugal surge como o país com o mais baixo resultado na concretização da política de acesso à nacionalidade: apenas 17% de nascidos no estrangeiro naturalizados, contra 27% em Espanha, 37% na Alemanha, 44% na Bélgica e na Áustria. Ou seja, sendo verdadeiros tais resultados, temos uma das melhores leis da nacionalidade e inúmeros obstáculos à sua concretização."

Maria de Lurdes Rodrigues, do artigo A lei e a sua aplicação
JN, pág. 2, de 26/10/2023 (transcrito do jornal em papel)

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Meios e especialização

O procurador português europeu (ou europeu português?) deu uma entrevista ao Observador. Da dita, o jornalista destacou: "A magistratura judicial tem de ter mais meios e especializar-se para gerir processos como o do BES". Da leitura da declaração, poderia inferir-se que o problema da justiça são os dos processos como o do BES. 
No Público, um ex-ministro do PSD tem uma justiça lenta e ineficaz como uma das causas daquilo que considera o atual descalabro económico.
Numa justiça que terá mais olhos do que barriga e que se deixou apoderar pelo ruído mediático, os meios serão sempre poucos e as especializações sempre perigosas.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A imparcialidade

Volta a ser tema com o caso da juíza que foi casada com alguém que teria beneficiado de um saco, dito azul, do universo BES. Há textos e textos sobre a matéria, e quanto mais se escreve mais difusa se torna. Simplificando, e recorrendo ao Dicionário Priberam, imparcial é quem "julga como deve julgar entre interesses que se opõem". O julgar como deve julgar é um depois que só se poderá conhecer após o julgamento. É, por isso, que a imparcialidade a avaliar será sempre um processo de cautelas. Numa sociedade do escrutínio absoluto e absurdo, pouco se compreende que se deixasse que o caso se tornasse num caso.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Uma sino-absolvição

O Tribunal de Braga absolveu duas empresas e os respetivos responsáveis pela prática de dois crimes de contrabando qualificado.
Os juízes concluíram que os arguidos não sabiam que as chapas que importavam via Hong Kong não eram totalmente fabricadas no Vietnam, desconhecendo, por isso, que tinham de pagar uma taxa antidumping e impostos aduaneiros aplicados pela União Europeia a este tipo de produtos importados da China.
O acórdão realça que, logo que perceberam que tinham de pagar, apressaram-se a fazê-lo e diz que foi a empresa exportadora chinesa que engendrou um plano para que os clientes europeus não pagassem taxa e impostos.

Do JN de hoje, pag. 13

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Uma absolvição óbvia

Do JN*:
"O Tribunal de Beja absolveu seis antigos membros do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA) do crime de abuso de poder, por alagada utilização indevida de 1592 doses de vacinas contra a covid-19, administradas a pessoas com e sem funções na prestação direta de cuidados de saúde.
Em causa estava a administração de vacinas sobrantes, entre 29 de dezembro de 2020 e 31 de janeiro de 2021, a pessoas que não faziam parte das listas em posse da ULSBA."
Nas alegações, o Ministério Público opinou no sentido da absolvição.

*De 16/10/2023, pag. 16

sábado, 7 de outubro de 2023

Quase real

Não sei se o presidente ou se o cidadão, Marcelo esteve em Mafra, no casamento de uma infanta. Logo após os noivos, Marcelo foi ao genuflexório e, de joelhos, comungou das mãos do cardeal emérito. O comentário de quem acompanhava a emissão televisiva, em direto, não poderia ser mais esclarecedor: “Muito religioso, Marcelo Rebelo de Sousa aqui também a querer ser dos primeiros”.

sábado, 30 de setembro de 2023

Leituras

 

Com o tempo, a classe dos ladrões, ou proprietários de escravos - que se apoderara de todas as terras, e possuía todos os meios de criação de riqueza -, começou a compreender que a maneira mais fácil de gerir os seus escravos e de os explorar não era possuí-los, como outrora, separadamente, tendo cada proprietário um certo número de escravos como se de outras tantas cabeças de gado se tratasse; que era preferível dar aos escravos uma estreita margem de liberdade, que tornasse possível impor-lhes a responsabilidade de proverem à sua própria subsistência, obrigando-os ao mesmo tempo a venderem o seu trabalho à classe dos proprietários de terras - os antigos senhores - dos quais receberiam com paga aquilo que eles houvessem por bem dar-lhes.
Bem entendido, uma vez que os novos libertos (como alguns erradamente lhes chamaram) não tinham nem terra nem qualquer propriedade ou meio de subsistência, não lhes restava outra escolha, caso não quisessem morrer de fome, senão a de venderem o seu trabalho aos proprietários de terras, recebendo como paga apenas o meio de satisfazerem as necessidades vitais mais grosseiras, ou por vezes menos do que isso.
Os novos libertos, ou assim ditos, pouco menos escravizados eram do que antes. Os seus meios de subsistência talvez fossem ainda mais precários do que outrora, quando era do interesse dos proprietários de escravos mantê-los em vida. Os ex-escravos corriam agora o risco de ser despedidos, postos fora das suas casas, privados de emprego e até da possibilidade de ganharem a vida por meio do seu trabalho, caso fosse esse o interesse ou o capricho do proprietário. Muitos deles ficavam assim reduzidos pela necessidade a mendigar ou a roubar para não morrerem de fome; o que, bem entendido, ameaçava os bens e a tranquilidade dos seus antigos senhores.
Por conseguinte, os anteriores proprietários julgaram necessário, em vista da segurança das suas pessoas e dos seus bens, aperfeiçoar de novo a sua organização enquanto governo, e fazer leis que mantivessem submissa a nova classe perigosa; por exemplo, leis fixando o preço pelo qual os seus membros seriam obrigados a trabalhar, e prescrevendo castigos terríveis, sem excluir a própria morte, para os roubos e outros delitos que aqueles fossem levados a cometer como único meio de não morrerem de fome.
Tais leis foram aplicadas durante séculos, ou, em certos países, milénios; continuam hoje a ser aplicadas, com maior ou menor severidade, em quase todos os países do mundo.

pags. 117/118
Tradução de Miguel Serras Pereira
Editor Vasco Santos

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Vigilâncias

"The United States has witnessed an explosive expansion of mass surveillance since the 9/11 attacks. This post-9/11 expansion has built on wartime population surveillance dating back to World War I, as well as on an even deeper history of government tracking and harassment of racial justice and labor movements, political dissidents, immigrants, and people of color. Yet it is also markedly different from what existed before, in both its technological capacities and its scale and breadth. 1960s-era FBI agents, who wiretapped residential phones and planted informants in political movements, could hardly have imagined the government’s ability to track location and usage data on the miniature computers nearly everyone now carries in their pocket. The public sphere, as well as many private homes, are replete with cameras, often accessible to both local authorities and corporations. The immigration tracking system has ballooned as well, bringing ever more intimate aspects of immigrants’ lives under the gaze of the government and private contractors. Intertwined factors such as technological advancement, the rise of social media, and longstanding racist and anti-immigrant politics have contributed profoundly to these expansions.
However, the pervasive fear, sanctioned Islamophobia and xenophobia, weakened civil liberties protections, and exponentially increased funding of the post-9/11 era undoubtedly made contemporary mass surveillance possible. These forces amplified each other to enable the unprecedented breadth and scale of surveillance reigning across the United States today."

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Lei do mercado

Em 2022, a quantidade de cocaína produzida na Colômbia atingiu as mil setecentos e trinta e oito toneladas, correspondendo a um aumento de 24% relativamente ao ano anterior. 




O garnisé

Ontem, no noticiário das 20 horas, a RTP fingiu uma entrevista ao ministro da Educação. O que se passou não foi comunicação, foi oposição pura e dura. A indignação do dono do microfone tornou-se num espetáculo triste, incompatível, creio eu, com as regras deontológicas do jornalismo.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

+ uma autarca absolvido

O presidente da Câmara de Penamacor foi absolvido dos crimes de prevaricação de titular de cargo político e falsificação de documentos, por ter lançado em 2018 o concurso para uma estrada que estava feita desde 2015.
Absolvidos foram também os restantes arguidos por não ter sido provada a coautoria dos crimes, nomeadamente dois técnicos da autarquia, um empresário, a sua empresa e um funcionário da mesma.
O coletivo de juízes não deu como provado que os arguidos tivessem agido para benefício de terceiros ou, futuramente, ter proveito próprio.

Não se noticia se o Ministério Público tem ou não o propósito de interpor recurso.

sábado, 9 de setembro de 2023

De quem é a responsabilidade?

Segundo o JN de 5 de setembro, com o título "juíza de fraude na cortiça arrasa megaprocessos", a mesma, justificando o adiamento da decisão que envolve 131 arguidos, declarou que "quando as coisas são malfeitas, não há nada a fazer".
Há muitos anos que há um consenso sobre a ineficácia dos megaprocessos. Apesar disso, eles continuam a inundar os media, traduzindo uma inconsistência institucional persistente.
A hierarquia do Ministério Público, perante estes casos, pode e deve dar explicações. Nem sempre o segredo de justiça justifica o silêncio da justiça.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Anexim

 O VAR está para o futebol assim como o CITIUS para a justiça; ou vice-versa.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Hipocrisia

Foi ontem promulgada uma lei de amnistia e perdão que é um exercício de hipocrisia. Presumo que, para não perturbar as férias judiciais, só entrará em vigor em 1 de setembro. Francisco, o Papa, merecia melhor.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Leituras


O termo religio não deriva, segundo uma etimologia tão insípida quanto inexata, de religare (aquilo que liga e une o humano e o divino), mas de relegare, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve marcar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o "reler") perante as formas - e as fórmulas - a observar para respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é aquilo que une os homens e os deuses, mas aquilo que zela por mantê-los distintos. À religião não se opõe, por isso, a incredulidade e a indiferença para com o divino, mas sim a "negligência", isto é, uma atitude livre e "distraída" - ou seja, livre da religio das regras - face às coisas e ao seu uso, às formas da separação e ao seu significado. Profanar significa: abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência que ignora a separação, ou, melhor, faz dela um uso particular.

(Pags 105/106)
 

sábado, 29 de julho de 2023

Sem ironia

No JN, na secção Sobe e Desce, publicou-se uma foto de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, coroada com uma seta para baixo, acompanhada do texto:
"Viu o juiz Carlos Alexandre arrestar-lhe novamente a pensão de 26 mil euros, no âmbito do processo EDP, em que responde por vários crimes".
Na minha opinião, teria sido mais curial e feita melhor justiça publicar uma fotografia do juiz Carlos Alexandre, coroada com uma seta para cima, acompanhada do texto:
O juiz Carlos Alexandre arrestou novamente, a Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, a pensão de 26 mil euros, no âmbito do processo EDP, em que este responde por vários crimes.

*Edição de 28 de julho, última página

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Autonomias

A autonomia não garante a competência; já a competência profissional e a afirmação ética garantem a autonomia. O enviesamento discursivo sobre a autonomia do Ministério Público, como se se tratasse de um ataque político a uma magistratura ou de um ataque desta aos políticos, não esclarece nem dignifica. O esclarecimento público e a coesão interna são uma exigência para todos os serviços, da justiça à política. A avaliação dos políticos faz-se pelo voto; a avaliação dos magistrados faz-se pela sua transparência funcional.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Cinzas

Em vez de se remeterem ao silêncio que a situação justificaria, há quem, através dos meios de comunicação que lhes são próximos, continue a  alimentar a novela. Pretendem agora tornar Rui Rio no vilão da dita, insinuando que este, não abrindo de imediato a porta, frustrou a  "a eficiência do efeito surpresa".
Como nos velhos filmes, talvez tivessem ficado cinzas recentes na lareira.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

E as outras?

O presidente da direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público enunciou que "as investigações a órgãos democráticos devem ser particularmente cuidadosas".

domingo, 16 de julho de 2023

Leituras

 

Da contracapa -
O jornalista alemão Volker Weidermann narra, de maneira documentada e comovedora, a amizade entre Stefan Sweig, Joseph Roth, Kisch, Irmgard Keun, Willi Wüzenberg, Koester, Kester e outros intelectuais fugidos ao nazismo, que se reuniram em Ostende, no Verão de 1936. O último convívio da esperança, antes do terror que se aproximava.

Edição da UNICEPE, Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto
1ª edição: 500 ex. - 22 de fevereiro de 2019
(Para o 77º aniversário do falecimento de Stefan Zweig)

sábado, 15 de julho de 2023

A (des)proporção

Do Expresso -
Carta enviada por Hugo Soares a Lucília Gago fala em falta de respeito "pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade" e critica que "se desarrumem sem aparente critério as casas dos cidadãos", como Rui Rio, e se obrigue representantes a ficar até às 4h da manhã na sede.
A (des)proporção na utilização dos meios na investigação criminal é um sério problema ético que atinge os fundamentos da democracia. Que só agora um dirigente de um partido político o venha suscitar, sem se refugiar no deixem a justiça funcionar, traduz bem da distorção crítica que afeta os políticos.
A (des)proporção das prisões preventivas, ou das escutas, ou das buscas, ou das apreensões, muitas vezes mais próximas de uma devassa do que de uma investigação, tem afetado centenas de cidadãos perante a impotência destes e o silêncio daqueles.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Adiamentos

Basta folhear os jornais: os tribunais são pródigos em adiamentos e em razões para os mesmos. Leio no JN que "o tribunal adiou a leitura do acórdão, prevista para hoje" no caso Futebol Leaks, por causa de uma eventual amnistia. Trata-se de uma nova razão que se me afigura não ter fundamento legal.
A leitura do acórdão não inibe a aplicação de uma eventual amnistia e em nada prejudica o interesse do arguido; creio mesmo que seria no interesse deste.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Esquecer o crime, perdoar a pena

A amnistia e o perdão são instrumentos legais que poderiam ter um impacto muito positivo numa política criminal seriamente empenhada na reinserção social. O populismo punitivo, com o fervor mediático que o acompanha, parecem ter condenado à exclusão aqueles instrumentos. Mesmo os partidos políticos que dizem afastar-se desse populismo, embarcam numa manifesta incomodidade quando este tema não pode ser contornado.
Espero que a amnistia e/ou o perdão que se anunciam, tenham a universalidade do visitante e não sejam o exemplo de uma cobardia tática dos visitados.

terça-feira, 27 de junho de 2023

Leituras

 


Um precioso documento sobre o quotidiano de uma Companhia de Caçadores na Guerra Colonial em Angola (1971/1973).
Tem o prefácio de Carlos de Matos Gomes.
Edição de Diário de Bordo.

sábado, 24 de junho de 2023

Ainda há quem telefone

Admitindo, com probabilidade, que, em 2022, 15000 telefones foram postos sob escuta pelas autoridades judiciais; tendo como certo que as comunicações telefónicas, que cresceram exponencialmente, são essenciais ao quotidiano; não exagerando se considerar que cada telefone sob escuta interage com, pelo menos, outros dez telefones no período em que aquela decorre; poder-se-á, assim, contabilizar que dezenas de milhares de pessoas, naquele ano, foram escutadas e o que disseram estará, algures, (des)guardado. Porém, a maioria dessas pessoas não o saberá, a não ser que venha a ter uma posição processual, ou que venha a haver alguma inconfidência mediática.

sábado, 17 de junho de 2023

Inquiridores / Inquisidores

Dei algum do meu tempo de reformado à audição da Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP.
Do muito que se prometia, fiquei a ver aviões.
Onde esperava inquiridores bem preparados, eficazes e distanciados, encontrei inquisidores impreparados, parciais e com a manha policial de uma Série B.
O esclarecimento não era a razão; descredibilizar os visados era o fim.
Tal prática, de baixo teor moral e politicamente indefensável, parece ter-se tornado a rotina e o paradigma de outros inquéritos, mesmo nos criminais.
Seria eu mesmo parcial, se não retirasse o PCP deste caldeirão.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Leituras

 

ÍNDICE

 CAPÍTULO I – VIOLÊNCIA DE GÉNERO, VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

CAPÍTULO II – CARATERIZAÇÃO PSICOLÓGICA DAS RELAÇÕES VIOLENTAS

| A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DAS VÍTIMAS

CAPÍTULO III – ASPETOS MÉDICO-LEGAIS DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

CAPÍTULO IV – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E DOMÉSTICA

| O CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | A PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DA LIBERDADE SEXUAL: ANÁLISE DOGMÁTICA DO CRIME DE COAÇÃO SEXUAL

| O CRIME DE VIOLAÇÃO | CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ARTIGO 170º CP)

| O CRIME DE INFANTICÍDIO

| MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA

| CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS CRIMES

CAPÍTULO V – VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

| A CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE

| DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

| SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO

| A FASE DE INSTRUÇÃO | MEDIDAS DE COAÇÃO E MEDIDAS DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS

CAPÍTULO VI – APOIO SOCIAL ÀS VÍTIMAS

CAPÍTULO VII – DIREITO DA FAMÍLIA | AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

| ALIMENTOS E AS CRIANÇAS

| A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS

| REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO

| UNIÃO DE FACTO

CAPÍTULO VIII – DIREITO INTERNACIONAL DA FAMÍLIA

| O RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS E A CONVENÇÃO DE HAIA

CAPÍTULO IX – IMPLICAÇÕES LABORAIS DA VIOLÊNCIA DE GÉNERO E DOMÉSTICA

| CONCILIAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE PROFISSIONAL E A VIDA FAMILIAR

| A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A VIOLÊNCIA DE GÉNERO NO MERCADO DE TRABALHO

CAPÍTULO X – VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

CAPÍTULO XI – DIREITO DOS SEGUROS

CAPÍTULO XII – DIREITO DAS MIGRAÇÕES E DO ASILO


E-book de livre acesso aqui


quarta-feira, 7 de junho de 2023

Demagogia judicial

Leio no JN* que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) pediu ontem à ministra da Justiça que crie um grupo de trabalho para analisar os processos penais com "cidadãos famosos" e perceber a sua morosidade.
Leitor menos atento será levado a concluir que a morosidade judicial terá apenas como paradigma os processos penais com "cidadãos famosos", daí partindo para a retórica populista que alimenta a perceção justicialista dos tempos que correm.
A verdade é que há muito de endémico nessa morosidade, tocando todo o tipo de processos e afetando cidadãos de todos os estratos e de todas as famas sociais.
Por outro lado, não condiz com a relevância da situação que não tivessem sido enunciados os nomes dos cidadãos que a Associação considera integrarem essa lista obviamente distinta: uma questão de lealdade para com os visados.
Uma comissão para perceber a morosidade judicial, de acordo; os que não são famosos também o merecem.

*De 6 de junho, pag. 13

sexta-feira, 26 de maio de 2023

A devassa continua


O uso ilegal do conteúdo das escutas formalmente legais atingiu, com despudor, o seu auge.
Ao longo da minha vida profissional, e também neste blogue, o (ab)uso deste meio de obtenção de prova foi uma preocupação constante: uma preocupação com fundamentação séria no muito que vi.
Enquanto a Assembleia da República se entretém com um procedimento inócuo do Serviço de Informações de Segurança, a devassa humilhante continua.
Tal como o disse há vários anos, em declarações públicas, esta preocupação deveria estar para além da justiça.

terça-feira, 2 de maio de 2023

O silêncio do SIS

Não consideraria anormal que um ministro comunicasse ao Serviço de Informações de Segurança que um computador, contendo matéria classificada, estaria na posse de quem não teria competência legal para o efeito.
A questão, e essa já não dirá respeito ao ministro, é a de saber o que o Serviço fez com essa informação. Um esclarecimento do respetivo Diretor há muito que se teria justificado.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Leituras

 

PROCTOR: (Enquanto puxa de variados papéis.) Não sou advogado, por isso -

DANFORTH: Os puros de coração não precisam de advogados. Prossiga como achar melhor.

Tradução de Fernando Villas-Boas
(pag. 125)


quarta-feira, 29 de março de 2023

Contornar o direito de defesa

O Inspetor-Geral de Finanças, no Parlamento, justificou que não tivesse sido ouvida a diretora executiva da TAP, presencialmente, como é de regra, porque a sua língua estrangeira podia ser usada para contornar perguntas.
Estando em causa um inquérito em que a atuação daquela era manifestamente visada, será mais de crer que tal procedimento teria sido usado para contornar respostas.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Uma decisão precipitada

O acórdão do Tribunal de Contas que negou a autorização para a aquisição de baterias, pela Transtejo,  num momento posterior à aquisição dos novos catamarãs, parece-me simplista, para além da utilização de analogias de todo inadequadas.
Dizer-se que tais aquisições serão idênticas a "comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais", é um argumento simpático para destacar jornalisticamente mas que em nada ajuda a compreender a recusa da autorização.
Teria sido curial pedir prévias explicações à Transtejo sobre a estratégia que a levou a uma aquisição repartida. Por razões financeiras ou técnicas? Teria sido efetivamente poupado o erário publico se a compra das baterias tivesse sido feita de imediato?
Também aqui o contraditório teria sido relevante.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Iraque, 20 anos depois

This paper examines the total costs of the war in Iraq and Syria, which are expected to exceed half a million human lives and $2.89 trillion. This budgetary figure includes costs to date, estimated at about $1.79 trillion, and the costs of veterans’ care through 2050. Since the United States invaded Iraq in 2003, between 550,000-580,000 people have been killed in Iraq and Syria  the current locations of the United States’ Operation Inherent Resolve — and several times as many may have died due to indirect causes such as preventable diseases. More than 7 million people from Iraq and Syria are currently refugees, and nearly 8 million people are internally displaced in the two countries.

Ler aqui o artigo de Neta C. Crawford

quarta-feira, 15 de março de 2023

Serviço cívico

Para melhor leitura, clique na imagem.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Leituras

 
As leis não possuem um poder intrínseco para o bem ou para o mal. Ao longo da História, muitos projetos jurídicos têm-se revelado profundamente cínicos e calculistas. Os reis germânicos tentaram alcançar o poder e o estatuto dos imperadores romanos, Hamurabi foi um chefe militar impiedoso que pretendeu deixar uma imagem benigna às gerações futuras, muitos sacerdotes legisladores e as suas instituições acumularam poder e recursos em seu próprio benefício, líderes autoritários geralmente citam a lei para legitimar as suas ações e os governos contemporâneos tentam convencer-nos de que têm mais controlo sobre uma crise do que na verdade têm. Uma determinada visão de civilização, de competência e de direitos humanos pode funcionar como uma cortina para encobrir a ambição e a ganância ou, muito simplesmente, o poder. Todavia, visões e cortinas só funcionam se as pessoas acreditarem nos valores que elas projetam, e, quando as leis propõem uma visão em que as pessoas acreditam, podem também ser usadas contra qualquer detentor de poder que tente ignorá-las. É isso que confere ao Direito a capacidade para legitimar e limitar o poder.

Pag. 402
Edições Desassossego, 2022

Sobre Fernanda Pirie, ler aqui


sábado, 11 de março de 2023

O contraditório

Segundo o dicionário Priberam, o contraditório é um "princípio de igualdade entre as partes, permitindo que cada uma possa contestar a outra parte ou contra-argumentar".
É um princípio de que se ouve falar, habitualmente, no âmbito da administração da justiça, mas tão essencial nesta como em qualquer outro organismo do Estado. Ou seja, o cumprimento deste princípio não não pode escapar à Inspeção-Geral de Finanças.
Por isto ou por aquilo, a Inspeção-Geral de Finanças ignorou a audição da diretora executiva da TAP no inquérito que levou a cabo sobre o pagamento de uma indemnização que seria indevida. Mesmo admitindo que o Governo tivesse exigido celeridade, esta celeridade nunca poderia trair um princípio de óbvia aplicação.
Perante uma insuficiência tão gritante, o ministro Medina, caso tivesse ouvido a prudência, deveria ter devolvido o inquérito à procedência para que o contraditório se cumprisse. Preferiu anunciar uma exoneração por justa causa em que dificilmente se acredita como causa justa.
Uma decisão precipitada é uma decisão cega.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A entrevista

Marcelo, o comentador, foi entrevistado na RTP1. Para quem acompanha este tipo de entrevistas nas diversas televisões europeias, concluirá que a sua duração foi romanesca e o tom amigável, quase subserviente. Não houve confronto, nem seria essa a função dos jornalistas. Para dizer o que o comentador disse, a verdade é que os jornalistas não seriam necessários. Foi um tempo de antena presidencial apresentado por um comentador muito próximo do presidente. Nos dias anteriores, guardou um prudente silêncio, em tudo idêntico ao de um oráculo. A encenação, essa sim, é necessária.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Leituras

 

Os grandes crimes têm o vínculo à personalidade, e assim a criminologia foi uma ciência exacta. Mas tornaram-se difusos e imprevisíveis, o que torna a acção policial menos eficiente no quadro social.
Se formos ouvir a história dos crimes que se deram na região e de que houve memória até ao nascimento de Camila, vemos que foram crimes de personalidade. O mais antigo de que alguém se podia lembrar era o conhecido pelo crime dos irmãos Pèzinho, que mataram um padre agiota com malvadez consumada. O facto é muito semelhante ao Crime e Castigo de Dostoiewski, este um perfeito crime de personalidade em que o execrável recai sobre a vítima.
Os Pèzinhos, rapazes novos e de costumes ambíguos, assassinaram o padre para o esbulhar das riquezas que recebia como penhor da sua agiotagem; declarando-se culpados, mostravam um certo auto-perdão porque consideravam ter cometido uma acção justa. Eram depressivos, de uma família de depressivos, e os netos deles, mais tarde, juravam ter visto um disco voador sobre o vale de Jugueiros, numa noite de Dezembro muito fria, A frialdade é condutora das visões fantasmas.
A ignomínia do dito padre, que acusavam de sodomia e de cupidez, atenuou muito o juízo da população e diminuiu a pena dos criminosos. Mas não se provou que a vítima fosse outra coisa senão um avarento, promíscuo apenas com as suas histórias de juros e esbulhos mais ou menos legais. O que levara os Pèzinho a matá-lo? Em primeiro lugar fora a imagem que eles tinham do sacerdote e a ideia de que aquele homem, sujo no corpo a ponto da sua autópsia ser à porta fechada em vez de decorrer no adro da igreja, como previsto, traísse alguma coisa de consistente na personalidade colectiva.
Esse mesmo crime, passados quarenta anos, teria uma motivação diferente ou não teria mesmo motivação muito clara. Há sempre um motivo para o crescimento económico duma época histórica, e é uma motivação flutuante. Também o crime tem razões que flutuam e parecem situar-se entre uma forma de idealismo e de realização impulsiva. Como o amor.

Edição de Maio de 2002
Pags 238/239

quarta-feira, 8 de março de 2023

náufragos

a dor é uma imagem distante

vieram de longe, já com a morte
no corpo
por mares desde sempre navegados

vieram na esperança, talvez
não pelas especiarias
mas pela vida


f,b.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A ler

No JN de hoje, o artigo de Maria de Lurdes Rodrigues com o título "A insustentável leveza das leis".

"Conheço leis que nunca foram aplicadas: são aquelas cheias de boas intenções. Conheço outras a que falta regulamentação: são as leis inacabadas. Conheço algumas cujos princípios são contrariados pela regulamentação: são aquelas que parecem não existir. Conheço leis que servem para revogar ou alterar conjuntos de outras leis: são aquelas que transformam sistemas em labirintos. Conheço leis contestadas pelos agentes responsáveis pela sua aplicação: são aquelas que provocam frustrações. Conheço leis cujas alterações lhes retiram coerência: são aquelas que levam "marteladas". Conheço, ainda, leis a que falta a definição clara do conjunto dos procedimentos da sua aplicação: são aquelas que transformam a vida dos cidadãos num inferno de incerteza."

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A fadiga do poder

Há um cansaço que já não (nos) engana. Vê-se pelos rostos, pelo modo com que parecem esconder-se. Dizer o mínimo, ou dizer o máximo nada dizendo, tornou-se um paradigma. O poder exige criatividade, uma imaginação que seja socialmente estimulante. A maioria absoluta, ao contrário do que então se disse, não galvanizou a governação; adormeceu-a. O bom desempenho das finanças é virtuoso, mas não deixa de ser longínquo. A geringonça, com os seus equívocos e as suas tensões, foi um exercício de esperança; os tempos que correm são de indignação.