sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Populismo

Milhões de afetos, milhares de selfies, cinco indultos.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Crime de omissão de auxílio

Estatui o artigo 200º do Código Penal: 
1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 
2 - Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 
3 - A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe não for exigível.
Face aos factos que envolvem a greve dos enfermeiros, nomeadamente a falta a intervenções cirúrgicas que criam situações de perigo para a vida dos doentes, não se justificaria a instauração de inquérito ou inquéritos sobre a matéria?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Leituras

Há poucos sítios que despertem tanta indiferença a uma sociedade como as prisões: poucos querem saber como se trata quem lá está, tornando-se facilmente um território de ninguém. Quem é encarcerado tal altas probabilidades de ser dupla e triplamente punido, de cumprir uma pena para a vida, mesmo quando já está fora das grades.
Na prisão - estudaram-no vários autores, como Michel Foucault - o regime de retaliação enclausura também os nossos medos, os nossos grandes fantasmas, as nossas inseguranças enquanto sociedade. Quanto mais tempo aqueles que elegemos como inimigos lá ficarem, melhor.
Não espanta, por isso, que quem visite os estabelecimentos prisionais em Portugal, em particular os que estão em zonas onde há um maior número de afrodescendentes, veja sobretudo população negra, em enorme desproporção quanto à sua representatividade social. Ainda recentemente (Fevereiro de 2018), o Comité Anti-Tortura do Conselho da Europa afirmou que Portugal está no topo dos países da Europa Ocidental com maior número de casos de violência policial, e que o risco de abusos é maior para afrodescendentes portugueses e estrangeiros - ou seja, aquele organismo reconhece que há discriminação racial por parte das forças de segurança.
Quando comecei a fazer este trabalho sobre o racismo em Portugal pensei de imediato no sistema de Justiça, abrangendo desde a polícia aos tribunais, justamente porque imaginava que o resultado da investigação iria tornar a gerida mais visível. Só não achei que fosse tão profunda.

(pags 25/26)

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Tancos, pretextos e segredos

Gil Prata, coronel paraquedista, ex-juiz militar. ex-subdiretor da Polícia Judiciária Militar e docente da Academia Militar, publicou no JN de ontem um artigo que não deve ser ignorado: "o furto de material de guerra nos paióis de Tancos não só se deve a falta de prevenção e a evidente falha de segurança militar mas, também, a falha das autoridades judiciárias".
No DN de hoje, Tancos tornou-se um pretexto para atacar o primeiro-ministro, como se já não bastasse a saída de um ministro da Defesa a esse pretexto.
Se o assalto a Tancos tem a ver com terrorismo, ainda que por hipótese remota, seria natural que o primeiro-ministro fosse disso mesmo informado.
A não haver essa informação, a autoridade judiciária falharia no mais elementar princípio de colaboração no combate a um crime, a um perigo, para o qual não chegam apenas a polícia ou o Ministério Público.
Há alguma ironia, com certeza hipócrita, em chamar à colação o segredo de justiça para justificar a manutenção na ignorância de um primeiro-ministro em matéria tão delicada.
De uma vez por todas, é preciso dizer que o segredo de justiça não sobreleva a segurança do Estado, e é desta que se fala quando é o terrorismo, ainda que eventual, que está em causa.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Leituras

- Não sei o que se passa com estes pretos de hoje.Nunca nos respondem com cortesia.
- É realmente assim. Estão de tal modo que já não têm o menor respeito pelas pessoas brancas. O negro de outros tempos era um bom sujeito... sabia qual era a sua posição... mas estes pretos de hoje entenderam que já não devem carregar bagagens nem colher algodão. Não senhor! Pretendem ser advogados, professores e sei lá o quê! Asseguro-lhes que isto se está a tornar um problema muito sério. Devíamos entender-nos para pôr os negros, e os amarelos também, no seu respectivo lugar. Eu sou uma pessoa sem preconceitos de raça. Sou o primeiro a regozijar-me com o êxito de um preto... desde que não ultrapasse a sua posição e não tente sobrepor-se à legítima autoridade e à capacidade comercial do branco.
- Sim, o problema está bem enunciado! E ainda há outra coisa que precisamos de fazer - declarou o homem de chapéu de veludo, que se chamava Koplinsky -, é impedir a entrada no país desses malditos estrangeiros. Graças a Deus que já começámos a pôr entraves à imigração. Precisamos de ensinar esses dagos e huns* que isto aqui é um país de brancos e não temos necessidade deles cá. Depois de termos assimilado os estrangeiros que cá estão incutindo-lhes os princípios do americanismo e convertendo-os em bons cidadãos, então talvez fosse o momento de admitir mais alguns.
Tal qual. É um facto - aplaudiram os outros, e a conversa desviou-se para assuntos menos transcendentes. Passaram rapidamente revista aos preços dos automóveis, ao custo dos pneus por quilómetro, às existências de petróleo, discutiram pesca e a próxima colheita de trigo no Dakota.

* Termos de calão que designam nos Estados Unidos os imigrantes de origem espanhola, portuguesa ou italiana (N.doT.).

(pag. 148)

Sinclair Lewis (1885-1951)

sábado, 10 de novembro de 2018

Serviço cívico


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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ansiedade

Poderia ser o título de um livro de poemas, ou de contos com finais felizes. Afinal, trata-se de uma impaciência armada. Este é um caso em que o tempo da justiça traiu a urgência da política. Que a política  não tenha armas para sair deste nó que mói, diz bem das suas limitações. Quando a separação de poderes se torna num jogo de enganos, a democracia é que paga em transparência e credibilidade.

sábado, 3 de novembro de 2018

Leituras

A pena aplicada pela Alçada a Gravito, Francisco Silverio, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas e Manuel Luiz Nogueira foi igual. Foram todos condenados a serem levados com baraço e pregão pelas ruas do Porto até à Praça Nova, e ahi enforcados, sendo-lhes em seguida cortadas as cabeças para serem postas no lugar do delicto.
No dia 7 de Maio de 1829, pelas 10 horas da manhã, sairam da Relação com mais seis companheiros condenados também à morte, além de outros condenados a assistir às execuções, em cujo numero se contava o corregedor de Aveiro Francisco Antonio de Abreu e Lima, e levados com o habitual acompanhamento, do qual faziam parte as tumbas da Misericordia, que haviam de receber os cadaveres, pela Porta do Olival, calçada dos Clerigos e largo dos Loios à Praça Nova, onde em duas forcas levantadas sobre os alicerces do monumento comemorativo da revolução de 24 de Agosto de 1820, o tristemente celebre João Branco e outro algoz deram cumprimento à execranda sentença.
Tres horas depois estava tudo terminado. Os cadaveres decapitados foram levados, pela irmandade da Misericordia, para o «Adro dos Enforcados», na rua hoje chamada da Liberdade, onde o coveiro Joaquim Manuel lhe deu sepultura, sendo mais tarde exumados e trasladados para outro lugar, como teremos ocasião de dizer. As quatro cabeças essas ficaram no patibulo até ao dia seguinte em que o algoz João Branco, acompanhado pelo «Meirinho das cabeças», as foi buscar e metendo-as num saco de couro marchou com elas para a Vila da Feira e Ovar, donde veiu em barco para esta cidade no meio de forte escolta de infanteria e cavalaria que o custodiava. A cabeça de Clemente de Melo ficou na Vila da Feira, sendo ali pregada num alto poste pelo carrasco. A Aveiro chegaram os tristes despojos na madrugada de 10 de Maio, sendo o algoz recolhido na cadeia.
A noticia correu veloz e, num momento, a maior parte das janelas e portas de muitas habitações foram cerradas em sinal de luto. Esta demonstração compreendeu quasi a toda a cidade, pois estendeu-se mesmo a muitas casas de pessoas afectas ao governo de D. Miguel. As instruções vindas do Porto eram que a cabeça de Francisco Silverio fosse colocada junto ao pelourinho (era no largo do Rocio em frente da rua da Rainha e que no seculo XVII tinha o nome de rua de Venesa), a de Gravito em frente da casa da camara e de Manuel Luiz Nogueira, defronte do convento do Carmo.
As autoridades a quem tocava dar cumprimento a esta ordem, viram-se porém em serios embaraços, pela dificuldade de encontrara quem fornecesse os postes necessarios e os colocasse nos mencionados locais. Gastou se todo o dia nestas diligencias, até que no dia seguinte o juiz de fóra fez prender diferentes lavradores do lugar de Azurva, a quem obrigou a trazer os pinheiros necesarios, e alguns carpinteiros que violentadissimos os ergueram nos locais designados, depois do algoz ter colocado em dada um deles uma das cabeças segura por um grande prego. A esta medonha selvageria assistiram tripudiantes alguns miguelistas mais exaltados e bastante gentalha vinda em grande parte dos lugares visinhos, que aplaudiu o carrasco quando este, procurando ageitar a cabeça do infeliz Gravito, lhe dirigiu umas graçolas soezes como no-lo afirmou uma testemunha ocular.

(pags. 55/57)

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Na espuma de Tancos

Escrevi aqui sobre a ingenuidade trágica na justificação do assalto ao paiol de Tancos. Que essa ingenuidade fosse a matriz do que se veio a passar posteriormente, ainda que como tentativa de salvar a honra do convento, é que não seria de esperar. Num contexto de conflito público e notório sobre a competência da investigação, os investigadores militares não deveriam desconhecer que aquilo que fizessem, ou deixassem de fazer, estaria, como esteve, em severo escrutínio. Só por ingenuidade poderiam pensar que qualquer dislate, por mais nobre que pudesse parecer aos seus olhos, não teria consequências.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Ponderação

Li que foi emitido um mandado de captura contra um oficial do exército que se encontra em missão na República Centro Africana. É do domínio público que esta missão, no âmbito de um compromisso internacional, é perigosa, colocando os militares que a integram numa situação de contínuo risco. Foi ponderado esse risco? Ou a urgência da justiça sobrepõe-se a essa ponderação? A coesão dos militares, numa frente em que o terrorismo faz parte do seu quotidiano, é fundamental.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

PGR

1.
Pelas razões históricas que levaram à fixação do período de seis anos para o mandato de procurador-geral da República, gerou-se o consenso de que não haveria lugar à renovação do mandato. As razões táticas agora invocadas para essa renovação não deverão proceder sobre aquelas, sob pena de se inquinar as futuras nomeações.
2.
Ainda que o pudesse não ser, nada parece aconselhar a nomeação de um procurador-geral da República fora do âmbito da magistratura do Ministério Público. O Ministério Público possui nos seus quadros magistrados que, com diferentes sensibilidades e/ou experiências, poderão desempenhar cabalmente a função. Seria uma desconsideração injustificada para todos os magistrados do Ministério Público que assim o não fosse.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Souto Moura, o magistrado

O Público, ontem, noticiou a reforma de Souto Moura naquele estilo piadético em que o essencial sempre se dilui. Souto Moura tem um percurso profissional que o distingue como um dos magistrados mais qualificados da minha geração. Sou testemunha da sua competência e da sua humanidade, do seu empenho e da sua imparcialidade. Enquanto procurador-geral da República foi ele e, acima de tudo, a sua circunstância; o que tem sido sina de todos os magistrados que têm exercido essas funções.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Inabilitação e interdição, adeus

Com o país em férias e o futebol a liderar as audiências, foi publicada, em 14 de agosto, a Lei nº 49/2018. De uma penada, vocábulos com a tradição de séculos desaparecem da liturgia jurídica. Inabilitação e interdição diluir-se-ão na memória dos dicionários, passando a um estado de laicidade. Seremos acompanhados ou acompanhantes, palavras banais a que a jurisprudência virá a dar, a seu tempo, gravitas. O que muda, de facto? O legislador, cada vez mais nas sociedades mediáticas um exorcista, acredita (ou finge acreditar, não sei) no poder mágico das palavras, na sua capacidade salvífica.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Disparidades 6

We found that, compared to their share in the population, blacks are almost twice as likely to be pulled over as whites — even though whites drive more on average, by the way. We also discovered that blacks are more likely to be searched following a stop. Just by getting in a car, a black driver has about twice the odds of being pulled over, and about four times the odds of being searched. Hispanic drivers, overall, are no more likely than whites to be pulled over, but much more likely to be searched.
These racial disparities are particularly pronounced among men rather than women, and younger men rather than older ones. So the numbers certainly validate the idea that young black and Hispanic men are commonly viewed as suspects, not as citizens, by the police.

Entrevista de Frank Baumgartner, Derek Epp and Kelsey Shoub, autores do livro Suspect Citizens, no The Washington Post

terça-feira, 26 de junho de 2018

Caso Pereira Cruz e Outros c. Portugal

A decisão do Tribunal dos Direitos do Homem pode ser lida aqui.
Transcreve-se a parte decisória, sinalizando a negrito a pretensão que obteve provimento.

PAR CES MOTIFS, LA COUR,
1. Décide à l unanimité, de joindre les requêtes;
2. Déclare, à l unanimité, les requêtes recevables pour autant qu il s agit des griefs tirés de l impossibilité de confronter les témoins avec le contenu des dépositions faites par eux au cours de l enquête en ce qui concerne les premier et deuxième requérants, des modifications des faits de la cause en ce qui concerne les deuxième, troisième et quatrième requérants, et du refus de la cour d appel de Lisbonne d admettre des preuves à décharge dans le cadre de la procédure d appel en ce qui concerne le premier requérant et irrecevables pour le surplus;
3. Dit, à l unanimité, qu il n y a pas eu violation de l article 6 §§ 1 et 3 d) de la Convention en raison de l impossibilité de confronter les victimes avec le contenu des dépositions faites par elles au cours de l enquête, pour autant qu il s agit des premier et deuxième requérants;
4. Dit, à l unanimité, qu il n y a pas eu violation de l article 6 §§ 1 et 3 a) et b) de la Convention en raison des modifications des faits de la cause pour autant qu il s agit des deuxième, troisième et quatrième requérants;
5. Dit, par quatre voix contre trois, qu il y a eu violation de l article 6 §§ 1 et 3 d) de la Convention en raison du refus de la cour d appel de Lisbonne d admettre des preuves à décharge dans le cadre de la procédure d appel pour autant qu il s agit du premier requérant;
6. Dit, à l unanimité, que le constat d une violation fournit en soi une satisfaction équitable suffisante pour le dommage moral subi par le premier requérant.

Fait en français, puis communiqué par écrit le 26 juin 2018, en application de l article 77 §§ 2 et 3 du règlement de la Cour.

sábado, 16 de junho de 2018

Os Direitos do Homem e a justiça em Portugal

A prisão preventiva tornou-se numa condenação mediática antecipada, desvalorizando, ou mesmo anulando, o impacte social da decisão judicial que vier a ser tomada a final.  Aquela que deveria ser uma medida de coação ponderadamente excecional, está hoje ao serviço de um espetáculo em que a justiça é apenas o seu palco. O acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Fernandes Pedroso c. Portugal pode/deve ser lido aqui.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Polícias

Temos muitas polícias, talvez polícias a mais, com distintas tutelas políticas. O seu desencontro funcional é permanente, com lutas contínuas sobre competências. Acrescentar-lhe uma polícia tributária seria contribuir para o acréscimo dessa conflitualidade. No âmbito estrito da criminalidade fiscal, a Autoridade Tributária e Aduaneira, como órgão de polícia criminal, tem respondido cabalmente ao que a lei lhe exige. Criar uma polícia tributária para a investigação dos crimes de branqueamento, tráfico de influências, corrupção, peculato ou participação económica em negócio, e só nesta perspetiva seria razoável concebê-la, exigiria uma nova Lei de Organização da Investigação Criminal, arrancando a competência da investigação desses crimes à Polícia Judiciária. Não é de uma nova polícia que se precisa, mas do reforço técnico da Polícia Judiciária.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Germano Almeida

Sou um leitor assíduo da obra de Germano Almeida, Prémio Camões de 2018. Advogado que é, tem sempre reflexões interessantes e irónicas sobre a justiça. Em 17 de maio de 2013, neste blogue, transcrevi um texto extraído do seu romance Os Dois Irmãos. Em modesta homenagem, volto a transcrevê-lo.

Nesse ponto da discussão, o meritíssimo disse que já agora talvez não fosse despropositado ele ouvir do ilustre colega a opinião que os advogados têm dos juízes, de facto era uma coisa que lhe despertava uma certa curiosidade. O advogado sorriu. É capaz de não ser bem uma opinião, para ser antes uma constatação. Os juízes têm demonstrado que a opinião que têm dos advogados em geral não é muito diferente da aqui manifestada pelo digno procurador. Acontece apenas que o juiz desempenha no processo um papel diferente, mas que muitas vezes não é senão o papel de um déspota, infelizmente nem sempre iluminado, porque limita-se a decidir que deve ser assim ou assado e, não poucas vezes, por incompetência ou simples desleixo, sem uma convincente fundamentação que obrigue ao respeito do advogado, mesmo estando ele em desacordo com a decisão. A maior parte dos advogados está de acordo em como os juízes procedem diante dos seus escritos como os professores das escolas primárias: Vamos ver onde este aluno está a falhar! Na maioria deformados pelo papel de decisores, em regra recusam aceitar que, como todos os mortais, também cometem erros, muitas vezes erros crassos e de palmatória, e isto revela-se mais confrangedoramente na sustentação das sentenças ou despachos recorridos. E depois vivem no constante medo atávico de se deixarem enganar pelos aldrabões dos advogados. Não pretendo, evidentemente, dizer que o colega proceda deste modo, o que estou a dizer é que a maior parte dos juízes que conheci e com quem trabalhei age desta forma. O juiz sorria desta análise e acabou por dizer que ela era tão apaixonada quanto a que o digno agente tinha acabado de fazer. Mas disse que estava na hora de reiniciarem os trabalhos se queriam mesmo almoçar descansados e chegar em casa ainda de dia.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Disparidades 5

New data from the New York State Division of Criminal Justice Services (NYS DCJS) highlights the racial disparities that continue to plague our criminal justice system, particularly in the case of marijuana possession. In 2014, New York City decided it would no longer arrest people for low-level marijuana possession. Despite this decision, the NYS DCJS data—which tracks New York Police Department (NYPD) arrest statistics for the first three months of 2018 and includes comparative data for January-March of 2016 and 2017—shows that many people, mainly black and Latino people, are still being arrested.
Ninety-three percent of the people arrested by the NYPD for marijuana possession in January-March of 2018 were New Yorkers of color. Of the 4,081 arrests for criminal possession of marijuana, only 287 of those arrested were white people, compared to 2,006 black people and 1,621 Latino people.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

As claques

A expressão pública de grupos de extrema-direita tem vindo a concretizar-se, há anos, através do futebol, contaminando até já outras modalidades. As claques, pela sua índole funcional, são estruturas facilmente infiltradas e dominadas por conceções fascistas e nazis de organização. Da solidariedade cega à violência gratuita, os seus padrões de atuação são incompatíveis com os valores da tolerância democrática. Mais do que casos de polícia, tornaram-se um problema de segurança interna. É evidente que as claques não acabam por decreto. Por isso mesmo, os clubes têm o dever de não permitir que sejam o seu viveiro. 

domingo, 6 de maio de 2018

A eficácia da carta anónima


“Preso pela primeira vez em 1931, por denúncia feita por carta anónima enviada à Polícia Política, Leonildo da Assunção Felizardo esteve preso cerca de 16 anos consecutivos, apesar de ter sido condenado, depois de recurso, a 4 anos de degredo.
Permaneceu dois anos em Angra do Heroísmo, cerca de oito no Campo de Concentração do Tarrafal e três nas Cadeias Civis Centrais de Lisboa.”


terça-feira, 1 de maio de 2018

Eu sei

No DN, com o título Eu sei, o Professor José de Faria Costa, publicou um texto de leitura e reflexão obrigatórias. Para que a sua vida, a do texto, possa ser mais do que um ai, o meu modesto contributo é transcrevê-lo.

Eu sei. Sim, eu sei. E porque sei, não quero que o meu silêncio ecoe no infinito presente da minha vida para que não possa ser apodado, no futuro passado, de cúmplice.
Eu sei que muitas vezes não é fácil vir a terreiro defender aquilo que deve ser defendido como se defendêssemos as "muralhas da cidade". Mas há um tempo para tudo e não precisamos de recorrer ao Eclesiastes para justificar a bondade do que se acaba de dizer. Eu sei que o tempo mediático talvez já tenha passado para aquilo que brevemente irei escrever. E talvez, por isso mesmo, o queira agora dizer, porque as coisas só ganham sentido quando a poeira frenética da mediação informativa, levada pelo vento do tempo instantâneo, pula para um outro acontecimento, uma outra notícia, verdadeira ou falsa, pouco importa, para um outro dado da comunicação social (escrita, televisiva ou radiofónica).
Eu sei que a liberdade de expressão e os direitos a informar e a ser informado são esteios indestrutíveis de uma qualquer comunidade verdadeiramente democrática e que, por isso, qualquer forma de censura ou limitação desproporcionada, em meu juízo, são intoleráveis. Eu sei que há um ruído insuportável à roda de vários casos, chamados mediáticos, que uma solerte comunicação social considera serem protagonizados por "famosos, ricos e poderosos" e que se alimenta, de modo preciso, da qualificação que, justamente, faz desencadear as pulsões mais primárias dos membros de uma qualquer comunidade de homens e mulheres historicamente situados. Este é, em definitivo, um dado histórico indesmentível e que a mais séria psicossociologia do estudo das massas não deixa de confirmar.
Eu sei que muitos vão dizer, como já antes o disseram, que só desta forma se pode combater o crime, sobretudo a criminalidade altamente organizada e muito particularmente a sofisticada criminalidade económico-financeira e, para mais, continuarão a dizer que o esmagamento das garantias mais elementares dos cidadãos, mesmo que inocentes, nada tem de especial: é o preço a pagar para honrarmos a deusa "transparência", acompanhada da sua irmã "eficiência". E alguns, mais afoitos no seu radicalismo, até dirão que pensar o contrário mais não é do que a redundância de "luxos" que alguma intelligentsia liberal e talvez decadente gosta de defender. Tudo tem de ser transparente. Na vida individual. Na vida colectiva. Tudo pode e deve ser devassado. Sem limites. A intimidade pessoal, a vida privada individual, familiar ou social nada valem quando se quer perseguir os criminosos, quaisquer criminosos, mesmo que só putativos criminosos, esquecendo-se ou postergando-se, sem rebuço, a presunção de inocência até ao trânsito em julgado.
Eu sei que as coisas que têm acontecido nos últimos meses, para não dizer anos - e que se espelham na divulgação de factos sujeitos ao segredo de justiça ou, não o estando, na sua publicitação que é, do mesmo passo, criminalmente punível-, se tornaram, de forma patológica, endémicas no tecido jurídico-social português. Endemia ou pandemia que aparentemente preocupa toda a gente mas que, efectivamente, faz que "toda a gente" nada faça.
Eu sei que tocar ou mexer neste ponto é tocar ou mexer na estrutura político-normativa do próprio Estado, o que nos faz imediatamente duvidar de qualquer movimento de reforma em tempos que são dominados, ferreamente, pela ideologia e pela nomenclatura do pensamento económico-financeiro e que, ao menor suspiro de manifestação de vontade de mudança, de supetão nos é atirado o perverso, estúpido e diletante brocardo: "It"s the economy, stupid." Mas o problema é que este ar malsão que respiramos não vem só da economia. Vem de muito mais fundo. Vem de não se perceber que a administração da justiça em nome do povo - não a justa aplicação do direito ao caso concreto por um juiz e não por representante do Ministério Público - é sempre e definitivamente um problema político. Uma questão que se insere no grande mundo das políticas públicas de quem legisla e de quem governa. Neste sentido, dizer-se "à política o que é da política e à justiça o que é da justiça" é não só apoucar e definhar a máxima religiosa que lhe serve de parâmetro mas também, e talvez por sobre tudo, não querer assumir as obrigações políticas que órgãos, democraticamente eleitos, devem com orgulho, porque mandatados pelo voto, levar a cabo.
Eu sei que uma leitura apressada ou de má-fé dirá que o que vai aqui pressuposto é a tutela doutrinal de uma "justiça para ricos" e de uma "justiça para pobres". Em boa-fé direi que uma tal interpretação está nos antípodas do que sempre defendi, escrevendo e ensinando, há quase meio século. Por imperativo ético e democrático a lei é igual para todos e a todos por igual tem de ser aplicada, com rigor e imparcialidade. E direi mais: a corrupção é um mal, também ele endémico, que tem de ser combatido por todos os meios, incluindo o direito penal, na sua expressão mais firme e rigorosa. Por isso, infelizmente, Portugal vive duas endemias em que uma alimenta a outra, em um indissociável processo simbólico de reciprocidade.
Eu sei que a última metade do século passado foi a afirmação e tutela, em jeito que se queria universal, dos direitos humanos, em todas as suas dimensões e, por sobre tudo, de modo muito particular, quando lidávamos com as "cousas" dos direitos penal e processual penal. Porém, os primeiros anos desta centúria parecem levantar ventos securitários. E se, desde a Ilustração, se dizia que "mais vale ter à solta um culpado do que punir um inocente", parece que, hoje, o mais importante é punir a eito e se se não puder fazê-lo em tribunal que aconteça, então, na praça pública. Oh! Santa Idade Média, regozija-te, os teus lados mais negros estão perdoados. Para quê o "processo justo"? Para quê a presunção de inocência até trânsito em julgado? Para quê a proibição da inversão do ónus da prova em processo penal? Para quê o princípio da legalidade da norma incriminadora? Para quê mostrar a insanidade da delação premiada? Para quê salientar dogmaticamente o irrazoável do querer criminalizar o chamado "enriquecimento ilícito"?
Eu sei. Eu sei que o que escrevi pouco vale para mudar o que quer que seja, porque sei que uma crónica de jornal não tem sequer a vida de um ai e, outrossim, menos sequer a força política de um gesto de criança. Todavia, sei que é preciso: não navegar mas dizer.

sábado, 28 de abril de 2018

Gâmetas anónimos

Anónimos também o são, os alcoólicos, sem que haja inconstitucionalidade; pelo menos, até (ha)ver. As fontes anónimas são pasto de polícias e jornalistas, sem que ninguém contesta a ética do anonimato. De um modo ou de outro, todos querem, em algum momento, o abrigo do anonimato, seja-se pobre ou rico. Ficámos a saber que o gâmetas, esses coitados a quem devemos a vida, não podem ser anónimos. Temo que a razão para tal seja um argumento pretensamente científico a cobrir um preconceito manifestamente ideológico

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Serviço cívico

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sábado, 21 de abril de 2018

Cobardia cívica

Não creio que a democracia, e muito menos a justiça, possam beneficiar com a transmissão televisiva de gravações vídeo de interrogatórios de um qualquer arguido, mormente de um qualquer arguido que goze ainda da garantia constitucional de presunção de inocência. Que tal tenha acontecido sem que lhe sucedesse um sobressalto político, diz bem de uma cobardia cívica que nos maniata. Se é verdade que há uma responsabilidade política objetiva, por vezes tão alardeada, não é menos verdade que há uma responsabilidade judiciária de idêntica natureza que não se deve ignorar. Não deixa de ser irónico que, quando a defesa da privacidade está na ordem do dia, a humilhação seja um propósito, ainda que disfarçado de investigação.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

La Lys

"Falando com o alferes Henri Mercuel, do glorioso Exercito Francez a respeito da medonha hecatombe do dia 9 de abril, disse-me aquele heroe de Verdun, um dos defensores do forte de Vaux e um dos combatentes na grande ofensiva do Somme, que o fogo de barragem alemã, no dia em que caiu uma Divisão portugueza, era comparavel a qualquer das barragens empregada para a conquista da imorredoira Verdun e muito superior á da grande batalha do Somme!
Os alemães empregaram no ataque á frente portugueza dez divisões!
Resistencia dum epicismo heroico e grandioso!
Dum lado dez divisões frêscas e aguerridas; doutro lado, uma divisão portugueza, fatigada e exausta com mais de um ano consecutivo de trincheiras.
Não obstante resistiram!
Não obstante acutilaram e trucidaram com denodo os soldados do kaiser nos primeiros embates sangrentos e nos primeiros recontros inenarraveis!
Os portuguezes cairam, é certo, mas cairam bem!
O éco da nossa resistencia repercutiu-se por toda a parte, oh gloriósos vencidos!
Douglas Haig e Foch nas suas ordens falaram nela aos seus invenciveis soldados! A imprensa mundial falou do nosso valor!
Nesse dia o sol não rompeu aquele céu plumbeo, cobriu-se de luto acompanhando na sua dôr a queda de treze mil bravos!
Do vosso valor e do vosso sacrificio falará um dia a Historia, sempre imparcial e justiceira.
Fostes valorosos e ingentes na vossa derrota!
Disseram-no bem alto os ultimos combatentes que ás cinco horas da tarde ainda batalhavam lado a lado com as tropas da Escocia.
Disseram-no bem alto os batalhões de Infantaria 1, 8, 10, 13, 14, 15, 17, 20 e 29, que ficaram trucidados e desfeitos, que combateram até á ultima, preferindo morrer a entregaram-se vergonhosamente!
E os outros! E os outros!
E a defeza de Lacouture?!...
O Telegramme, jornal francez da região do Norte, dizia no dia seguinte:
L` Histoire parlera un jour d` un bataillon portugais qui à Lacouture s`est battu jusqu`au au dernier cartouche."

Humberto de Almeida, Memórias de um Combatente na França (pags. 165/166)

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Tribunais administrativos e fiscais

O Professor Luís Menezes Leitão refere aqui talvez a maior incapacidade da justiça portuguesa: "o atraso nos tribunais administrativos e fiscais, que nalguns casos chegam a doze anos."
Sobre essa incapacidade, dramática para um número significativo de cidadãos, há um silêncio mediático difícil de entender. Se um qualquer caso de polícia que envolve o futebol ou que pode beliscar um político ganha um alarme público desmesurado, pelo contrário o drama obscuro de quem, na defesa dos seus direitos, se confronta com o Estado nem uma nota de rodapé merece.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Arguido uma vez, arguido para toda a vida

É preocupante o número de processos em que, depois de uma persistente condenação mediática e social, se sucede uma absolvição judicial. Uma absolvição nestas circunstâncias não redime o arguido nem apazigua o sentimento geral de justiça. Pelo contrário, sustenta dúvidas e desvaloriza a importância do julgamento. Como me dizia um amigo, arguido uma vez, arguido para toda a vida. Independentemente do desfecho do processo, complemento eu.

sábado, 17 de março de 2018

Suspeitas não fazem prova

A frase lia-a nas Cenas da Foz (1857), de Camilo Castelo Branco. Quase duzentos anos depois, a prova parece ter-se diluído em suspeitas. Até prova em contrário, tornámo-nos todos suspeitos. A culpa não será só da voracidade mediática, mas também de uma justiça que ganhou em protagonismo o que perdeu em prudência.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Cuidar dos meios

A utilização dos meios de obtenção de prova que se traduzem numa intromissão da vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações, deve pautar-se pelo cumprimento rigoroso dos preceitos legais que os justificam e os disciplinam.
Sem o consentimento da pessoa visada, a sua utilização é sempre um desfavor moral, uma traição ao normal convívio social e cívico a que cada cidadão tem um indelével direito.
Já bastam os desvios que não chegam aos tribunais: uma jurisprudência pragmática nesta matéria não é didática nem torna a justiça mais eficaz. 

A lei diz, a jurisprudência desdiz

"A simples falta de observância do prazo de 48 horas, imposto no n.º 4 do art. 188.º do CPP, para o M.º P.º levar ao juiz os suportes técnicos, autos e relatórios referentes a escutas telefónicas, constitui nulidade dependente de arguição, nos termos dos art.s 190.º e 120.º, ambos do Código de Processo Penal."

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O pa(c)to da justiça

Veio com o conforto do Senhor Presidente e diluiu-se na espuma dos dias; poucos se lembrarão ainda de alguma medida emblemática, se é que as houve. Encontrar o mínimo denominador comum da redenção da justiça de modo a agradar a todos e a ninguém, foi o que aconteceu. Serviu para justificar umas fotografias e, perante o Senhor Presidente, lavar a alma dos seus agentes. A instância crítica da justiça não pode ser um coletivo de corporações, ou dos seus representantes. É preciso uma ideia, uma política, uma determinação. Um voto.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Caprichos

A frase que passou a encimar este blogue é devida a Joseph Roth e extraída do romance Confissão de um assassino.* Tenho encontrado na ficção reflexões sobre a justiça com uma clarividência que ultrapassa a retórica das sebentas ou a empáfia da jurisprudência. "As nossas vidas eram comandadas, não por leis, mas por caprichos. Contudo, estes caprichos eram quase mais previsíveis do que as leis. E, no entanto, até as leis estão dependentes de caprichos. Porque as leis têm de ser interpretadas. As leis, meus amigos, não nos protegem contra a arbitrariedade, pois elas mesmo são interpretadas arbitrariamente. Nunca conheci os caprichos de um pequeno juiz. Hão-se ser piores do que os caprichos das pessoas comuns: ódios mesquinhos e rancores miseráveis."

*Edição Cavalo de Ferro, janeiro de 2018