terça-feira, 31 de outubro de 2023

Das cauções, um novo teatro II

Leio no ADVOCATUS que "Armando Pereira já pagou dez milhões de caução e fica em liberdade".
No mundo das suposições, suponhamos, então, que os milhares de arguidos, em prisão preventiva ou em detenção domiciliária, vêm requerer, invocando este precedente, que aquela sua situação seja substituída por uma caução. O que responderá a justiça? Que há crimes que admitem aquela solução e outros que não a admitem? Que a caução para este efeito sempre andará na ordem dos milhões de euros, ou, no mínimo, na ordem das centenas de milhares? Que há arguidos e arguidos?
Temo concluir que os pobres, ou os remediados, que são a maioria dos arguidos, jogam numa outra divisão da justiça.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Das cauções, um novo teatro

Os media passaram a salivar com o valor das cauções: já se está em 10 milhões para não se ficar em prisão preventiva ou detenção domiciliária. Insistem no pagamento quando, na verdade, uma caução não se paga; presta-se. A liberdade não se vende nem se compra. Também não é uma medida preventiva para ricos como parece que se está a tornar. Nenhum arguido pode ficar em prisão preventiva ou em detenção domiciliária por não prestar uma caução. Ou se justifica a prisão preventiva ou a detenção domiciliária, ou não. No caso de não se justificar, aplicar-se-ão outras medidas preventivas, nas quais se inclui a prestação de caução. 

sábado, 28 de outubro de 2023

Absolvição outra

"O Tribunal de Castelo Branco absolveu ontem o presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, ..., de dois crimes de peculato de uso e de dois de peculato. O autarca era acusado de usar a viatura do município, por duas vezes, numa viagem a Santarém e noutra ao Porto, para participar em reuniões do Partido Socialista (PS), tendo com isso lesado o Estado em cerca de 200 euros."

JN, de 27/10/2023, pag. 18 (transcrição da edição em papel) 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Acesso à nacionalidade: o claro e o escuro

"Portugal tem tido, neste índice, uma posição de destaque, entre os países mais bem classificados, em resultado da aprovação de legislação com uma orientação cosmopolita e humanista, favorável à integração de migrantes em todos os domínios. Por exemplo, no acesso à nacionalidade Portugal ocupa o primeiro lugar entre os países da União Europeia, seguido de perto apenas pela Suécia.
O relatório recente do Banco Mundial, Migrants, Refugees and Societies, propõe uma abordagem inovadora para maximizar os impactos positivos dos movimentos migratórios, tanto nos países de origem como de destino. ... No relatório são observadas não apenas as políticas públicas de integração de migrantes, mas também os impactos da sua aplicação. Curiosamente, Portugal surge como o país com o mais baixo resultado na concretização da política de acesso à nacionalidade: apenas 17% de nascidos no estrangeiro naturalizados, contra 27% em Espanha, 37% na Alemanha, 44% na Bélgica e na Áustria. Ou seja, sendo verdadeiros tais resultados, temos uma das melhores leis da nacionalidade e inúmeros obstáculos à sua concretização."

Maria de Lurdes Rodrigues, do artigo A lei e a sua aplicação
JN, pág. 2, de 26/10/2023 (transcrito do jornal em papel)

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Meios e especialização

O procurador português europeu (ou europeu português?) deu uma entrevista ao Observador. Da dita, o jornalista destacou: "A magistratura judicial tem de ter mais meios e especializar-se para gerir processos como o do BES". Da leitura da declaração, poderia inferir-se que o problema da justiça são os dos processos como o do BES. 
No Público, um ex-ministro do PSD tem uma justiça lenta e ineficaz como uma das causas daquilo que considera o atual descalabro económico.
Numa justiça que terá mais olhos do que barriga e que se deixou apoderar pelo ruído mediático, os meios serão sempre poucos e as especializações sempre perigosas.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A imparcialidade

Volta a ser tema com o caso da juíza que foi casada com alguém que teria beneficiado de um saco, dito azul, do universo BES. Há textos e textos sobre a matéria, e quanto mais se escreve mais difusa se torna. Simplificando, e recorrendo ao Dicionário Priberam, imparcial é quem "julga como deve julgar entre interesses que se opõem". O julgar como deve julgar é um depois que só se poderá conhecer após o julgamento. É, por isso, que a imparcialidade a avaliar será sempre um processo de cautelas. Numa sociedade do escrutínio absoluto e absurdo, pouco se compreende que se deixasse que o caso se tornasse num caso.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Uma sino-absolvição

O Tribunal de Braga absolveu duas empresas e os respetivos responsáveis pela prática de dois crimes de contrabando qualificado.
Os juízes concluíram que os arguidos não sabiam que as chapas que importavam via Hong Kong não eram totalmente fabricadas no Vietnam, desconhecendo, por isso, que tinham de pagar uma taxa antidumping e impostos aduaneiros aplicados pela União Europeia a este tipo de produtos importados da China.
O acórdão realça que, logo que perceberam que tinham de pagar, apressaram-se a fazê-lo e diz que foi a empresa exportadora chinesa que engendrou um plano para que os clientes europeus não pagassem taxa e impostos.

Do JN de hoje, pag. 13

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Uma absolvição óbvia

Do JN*:
"O Tribunal de Beja absolveu seis antigos membros do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA) do crime de abuso de poder, por alagada utilização indevida de 1592 doses de vacinas contra a covid-19, administradas a pessoas com e sem funções na prestação direta de cuidados de saúde.
Em causa estava a administração de vacinas sobrantes, entre 29 de dezembro de 2020 e 31 de janeiro de 2021, a pessoas que não faziam parte das listas em posse da ULSBA."
Nas alegações, o Ministério Público opinou no sentido da absolvição.

*De 16/10/2023, pag. 16

sábado, 7 de outubro de 2023

Quase real

Não sei se o presidente ou se o cidadão, Marcelo esteve em Mafra, no casamento de uma infanta. Logo após os noivos, Marcelo foi ao genuflexório e, de joelhos, comungou das mãos do cardeal emérito. O comentário de quem acompanhava a emissão televisiva, em direto, não poderia ser mais esclarecedor: “Muito religioso, Marcelo Rebelo de Sousa aqui também a querer ser dos primeiros”.