sexta-feira, 17 de março de 2023

Uma decisão precipitada

O acórdão do Tribunal de Contas que negou a autorização para a aquisição de baterias, pela Transtejo,  num momento posterior à aquisição dos novos catamarãs, parece-me simplista, para além da utilização de analogias de todo inadequadas.
Dizer-se que tais aquisições serão idênticas a "comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais", é um argumento simpático para destacar jornalisticamente mas que em nada ajuda a compreender a recusa da autorização.
Teria sido curial pedir prévias explicações à Transtejo sobre a estratégia que a levou a uma aquisição repartida. Por razões financeiras ou técnicas? Teria sido efetivamente poupado o erário publico se a compra das baterias tivesse sido feita de imediato?
Também aqui o contraditório teria sido relevante.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Iraque, 20 anos depois

This paper examines the total costs of the war in Iraq and Syria, which are expected to exceed half a million human lives and $2.89 trillion. This budgetary figure includes costs to date, estimated at about $1.79 trillion, and the costs of veterans’ care through 2050. Since the United States invaded Iraq in 2003, between 550,000-580,000 people have been killed in Iraq and Syria  the current locations of the United States’ Operation Inherent Resolve — and several times as many may have died due to indirect causes such as preventable diseases. More than 7 million people from Iraq and Syria are currently refugees, and nearly 8 million people are internally displaced in the two countries.

Ler aqui o artigo de Neta C. Crawford

quarta-feira, 15 de março de 2023

Serviço cívico

Para melhor leitura, clique na imagem.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Leituras

 
As leis não possuem um poder intrínseco para o bem ou para o mal. Ao longo da História, muitos projetos jurídicos têm-se revelado profundamente cínicos e calculistas. Os reis germânicos tentaram alcançar o poder e o estatuto dos imperadores romanos, Hamurabi foi um chefe militar impiedoso que pretendeu deixar uma imagem benigna às gerações futuras, muitos sacerdotes legisladores e as suas instituições acumularam poder e recursos em seu próprio benefício, líderes autoritários geralmente citam a lei para legitimar as suas ações e os governos contemporâneos tentam convencer-nos de que têm mais controlo sobre uma crise do que na verdade têm. Uma determinada visão de civilização, de competência e de direitos humanos pode funcionar como uma cortina para encobrir a ambição e a ganância ou, muito simplesmente, o poder. Todavia, visões e cortinas só funcionam se as pessoas acreditarem nos valores que elas projetam, e, quando as leis propõem uma visão em que as pessoas acreditam, podem também ser usadas contra qualquer detentor de poder que tente ignorá-las. É isso que confere ao Direito a capacidade para legitimar e limitar o poder.

Pag. 402
Edições Desassossego, 2022

Sobre Fernanda Pirie, ler aqui


sábado, 11 de março de 2023

O contraditório

Segundo o dicionário Priberam, o contraditório é um "princípio de igualdade entre as partes, permitindo que cada uma possa contestar a outra parte ou contra-argumentar".
É um princípio de que se ouve falar, habitualmente, no âmbito da administração da justiça, mas tão essencial nesta como em qualquer outro organismo do Estado. Ou seja, o cumprimento deste princípio não não pode escapar à Inspeção-Geral de Finanças.
Por isto ou por aquilo, a Inspeção-Geral de Finanças ignorou a audição da diretora executiva da TAP no inquérito que levou a cabo sobre o pagamento de uma indemnização que seria indevida. Mesmo admitindo que o Governo tivesse exigido celeridade, esta celeridade nunca poderia trair um princípio de óbvia aplicação.
Perante uma insuficiência tão gritante, o ministro Medina, caso tivesse ouvido a prudência, deveria ter devolvido o inquérito à procedência para que o contraditório se cumprisse. Preferiu anunciar uma exoneração por justa causa em que dificilmente se acredita como causa justa.
Uma decisão precipitada é uma decisão cega.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A entrevista

Marcelo, o comentador, foi entrevistado na RTP1. Para quem acompanha este tipo de entrevistas nas diversas televisões europeias, concluirá que a sua duração foi romanesca e o tom amigável, quase subserviente. Não houve confronto, nem seria essa a função dos jornalistas. Para dizer o que o comentador disse, a verdade é que os jornalistas não seriam necessários. Foi um tempo de antena presidencial apresentado por um comentador muito próximo do presidente. Nos dias anteriores, guardou um prudente silêncio, em tudo idêntico ao de um oráculo. A encenação, essa sim, é necessária.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Leituras

 

Os grandes crimes têm o vínculo à personalidade, e assim a criminologia foi uma ciência exacta. Mas tornaram-se difusos e imprevisíveis, o que torna a acção policial menos eficiente no quadro social.
Se formos ouvir a história dos crimes que se deram na região e de que houve memória até ao nascimento de Camila, vemos que foram crimes de personalidade. O mais antigo de que alguém se podia lembrar era o conhecido pelo crime dos irmãos Pèzinho, que mataram um padre agiota com malvadez consumada. O facto é muito semelhante ao Crime e Castigo de Dostoiewski, este um perfeito crime de personalidade em que o execrável recai sobre a vítima.
Os Pèzinhos, rapazes novos e de costumes ambíguos, assassinaram o padre para o esbulhar das riquezas que recebia como penhor da sua agiotagem; declarando-se culpados, mostravam um certo auto-perdão porque consideravam ter cometido uma acção justa. Eram depressivos, de uma família de depressivos, e os netos deles, mais tarde, juravam ter visto um disco voador sobre o vale de Jugueiros, numa noite de Dezembro muito fria, A frialdade é condutora das visões fantasmas.
A ignomínia do dito padre, que acusavam de sodomia e de cupidez, atenuou muito o juízo da população e diminuiu a pena dos criminosos. Mas não se provou que a vítima fosse outra coisa senão um avarento, promíscuo apenas com as suas histórias de juros e esbulhos mais ou menos legais. O que levara os Pèzinho a matá-lo? Em primeiro lugar fora a imagem que eles tinham do sacerdote e a ideia de que aquele homem, sujo no corpo a ponto da sua autópsia ser à porta fechada em vez de decorrer no adro da igreja, como previsto, traísse alguma coisa de consistente na personalidade colectiva.
Esse mesmo crime, passados quarenta anos, teria uma motivação diferente ou não teria mesmo motivação muito clara. Há sempre um motivo para o crescimento económico duma época histórica, e é uma motivação flutuante. Também o crime tem razões que flutuam e parecem situar-se entre uma forma de idealismo e de realização impulsiva. Como o amor.

Edição de Maio de 2002
Pags 238/239

quarta-feira, 8 de março de 2023

náufragos

a dor é uma imagem distante

vieram de longe, já com a morte
no corpo
por mares desde sempre navegados

vieram na esperança, talvez
não pelas especiarias
mas pela vida


f,b.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A ler

No JN de hoje, o artigo de Maria de Lurdes Rodrigues com o título "A insustentável leveza das leis".

"Conheço leis que nunca foram aplicadas: são aquelas cheias de boas intenções. Conheço outras a que falta regulamentação: são as leis inacabadas. Conheço algumas cujos princípios são contrariados pela regulamentação: são aquelas que parecem não existir. Conheço leis que servem para revogar ou alterar conjuntos de outras leis: são aquelas que transformam sistemas em labirintos. Conheço leis contestadas pelos agentes responsáveis pela sua aplicação: são aquelas que provocam frustrações. Conheço leis cujas alterações lhes retiram coerência: são aquelas que levam "marteladas". Conheço, ainda, leis a que falta a definição clara do conjunto dos procedimentos da sua aplicação: são aquelas que transformam a vida dos cidadãos num inferno de incerteza."

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A fadiga do poder

Há um cansaço que já não (nos) engana. Vê-se pelos rostos, pelo modo com que parecem esconder-se. Dizer o mínimo, ou dizer o máximo nada dizendo, tornou-se um paradigma. O poder exige criatividade, uma imaginação que seja socialmente estimulante. A maioria absoluta, ao contrário do que então se disse, não galvanizou a governação; adormeceu-a. O bom desempenho das finanças é virtuoso, mas não deixa de ser longínquo. A geringonça, com os seus equívocos e as suas tensões, foi um exercício de esperança; os tempos que correm são de indignação.

sábado, 31 de dezembro de 2022

O balanço

O presidente da República continuou no ar; para 2023, perspectiva-se que as milhas voltem a aumentar.

*
A morte anunciada de João Rendeiro, ocorrida em 13 de maio, não consta dos obituários de 2022.

*
Há algo de excessivo no comentariado à volta das mortes de Bento XVI e de Pelé; ou talvez não tanto quanto a este.

*
Passou mais um ano sem uma biografia oficial de Agustina.

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À justiça o que é da justiça permaneceu o mantra de muitos equívocos políticos.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Oh! Costa

Uma maioria absoluta que se deixa embalar num colo presidencial perde, facilmente, a preocupação com os pormenores; e é neles, nos pormenores, que está o diabo. António Costa não pode estar em todo lado, mas tem a obrigação de um contínuo escrutínio sobre quem escrutina: não apenas político, mas também civicamente republicano. O prejuízo democrático é muito superior aos 500 mil euros, a não ser que tivesse um efeito regenerador. Se o terá, já é do domínio da fé.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Absolvição de milhões

Três médicos, um dos quais presidente da Câmara de Oleiros, e um farmacêutico foram absolvidos da prática do crime de de fraude fiscal qualificada que lhes fora imputado pelo Ministério Público.
Da sentença consta que "da análise da factualidade provada, facilmente se conclui no sentido de a mesma não ser apta a preencher os tipos objetivo e subjetivo do crime de fraude fiscal (simples ou qualificada), ou de qualquer outro crime".
Para a acusação, o Estado teria sido prejudicado em 1,7 milhões de euros.*

*Elementos recolhido no JN de 27 de dezembro.


sábado, 24 de dezembro de 2022

Aforismo natalício

É mais popular distribuir medalhas do que conceder indultos.

Boas Festas!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Magnânimo e clemente

Segundo a agência Ecclesia, "o Papa Francisco pediu indultos para presos, neste Natal, dirigindo-se aos vários chefes de Estado". Presumindo que o pedido também chegou a Portugal, o Presidente Marcelo, a um tempo magnânimo e clemente, respondeu-lhe com cinco indultos

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Reflexão

O combate à corrupção nem sempre é virtuoso. Não deixa de ser curioso que estruturas judiciárias sobre as quais recaíam legítimas desconfianças ganhem súbitas confianças quando servem para legitimar, com buscas, prisões ou apreensões, em nome do combate à corrupção, um novo poder, muitas vezes tão autocrático como o anterior.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O terrorista que o não era

O nosso terrorista foi sujeito a um massacre mediático invulgar; o tribunal decidiu que o não era: terrorista. Lamentavelmente, o massacre partiu de uma motivação institucional. O protagonismo mediático na investigação criminal é sempre um mau conselheiro.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Crónica de uma final

O Presidente da Argentina não foi ao Qatar assistir à final do campeonato do mundo, entre o seu país e a França, para não dar azar; Macron foi.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Caos

Segundo a Visão, no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, é caótica a investigação dos crimes de violência doméstica. Apesar daquele Departamento possuir uma Secção Especializada Integrada de Violência Doméstica (SEIVD), a resposta funcional tem sido manifestamente preocupante.
Em outubro de 2022, existiam 2515 inquéritos parados há mais de três meses, 1040, há mais de seis meses, e 255, há mais de um ano. O acumular destes atrasos não é repentino, traduzindo uma ineficiência que se deve arrastar há muito.
A Procuradoria-Geral da República determinou a realização de uma sindicância.
Que a situação tenha vindo a público e despertado a hierarquia por ação de um advogado preocupado com os interesses de um seu cliente, realça não só a importância da advocacia no controlo da atividade judiciária, mas também um descontrolo interno incapaz de precaver ou antecipar o mau funcionamento de um serviço.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Crónica à bo(r)la

As variáveis de um jogo de futebol, de tantas que são, não devem poder ser contabilizadas. Por isso, é feito de surpresas, mesmo quando a equipa mais cotada ganha o desafio. É uma soma de acasos sobre acasos, em que cada jogo, sendo único, é irrepetível; nesse mundo de acasos, as táticas tornam-se exercícios de superstição.
Há uns anos, uma equipa do Norte foi ao Sul disputar um jogo. Num passeio que deram próximo do local de alojamento, alguns jogadores, em brincadeira, decidiram trepar uma árvore. A do Norte ganhou o jogo. No ano seguinte, voltaram ao Sul para um desafio com o mesmo clube. Ficaram no mesmo alojamento e deram um mesmo passeio. Passando pela mesma árvore, o treinador insinuou que está seria a da sorte. Entre a brincadeira e a convicção, houve quem voltasse a trepá-la. Não voltaram a ganhar, talvez porque a razão da sorte se tivesse tornado na razão do azar.
O resultado do Portugal-Marrocos só pode causar espanto a quem ainda não percebeu a magia mágica do futebol. Esta crónica apenas pretende resgatar o guarda-redes Diogo Costa às insinuações do comentariado futebolístico. Não há culpas onde reinam os acasos.

Do senso, ou da falta dele, ao censo

A Comissão Nacional de Proteção de Dados coimou o Instituto Nacional de Estatística em quatro vírgula três milhões de euros; em causa o inestimável Recenseamento de 2021.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Leituras

 


Se as cadeias e as prisões são algo a abolir, então o que as substituirá? Esta é a questão desconcertante que frequentemente interrompe e impede que prossiga a reflexão sobre as hipóteses de abolição. Por que razão é tão difícil imaginar alternativas ao atual sistema de encarceramento? Existem várias razões para a nossa relutância à ideia de que será possível criar, um dia, um sistema de justiça inteiramente diferente - e talvez mais igualitário. Antes de mais, concebemos o sistema existente, com a sua exagerada dependência do aprisionamento, como um modelo absoluto, o que dificulta bastante a ponderação de qualquer outra maneira de lidar com mais de dois milhões de pessoas presentemente detidas nas prisões, cadeias, estabelecimentos juvenis e centros de detenção de imigrantes do país. Ironicamente, até a campanha contra a pena de morte tende a alicerçar-se no pressuposto de que a prisão perpétua é a alternativa mais racional à pena capital. Por muito importante que seja abolir a pena de morte, deveríamos perceber que a campanha contemporânea contra a pena capital tende a repetir padrões históricos que conduziram ao posicionamento da prisão como forma dominante de punição. A pena de morte tem coexistido com a prisão, não obstante o pressuposto de que o encarceramento seria uma alternativa aos castigos corporais e à condenação à morte. Esta é uma dicotomia crucial. Confrontá-la criticamente implica levar a sério a possibilidade de associar o objetivo da abolição da pena de morte às estratégias que visam a abolição da prisão.

(Pag. 144)

Nota: com certeza, livro de leitura relevante no Centro de Estudos Judiciários.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Alcácer Quibir, de novo

Fernando Santos, o treinador, tornou-se o D. Sebastião da primeira metade do século XXI. Veremos como vai armar a esquadra e definir a estratégia. 
Antecipando a óbvia imaginação da comunicação social, se Portugal vier a perder o desafio com Marrocos, é Alcácer Quibir que se repete; se ganhar, é Portugal que se vinga.
No final, e isso é certo, o presidente da República fará a síntese: a síntese que ficará para a história.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Nós e a Justiça

No JN, com o título em epígrafe, Nuno Marques escreveu um texto relevante sobre as explicações que a justiça deve aos cidadãos.
Desse texto, transcrevo:
Na verdade, é a Justiça que deve prestar contas por estes falhanços em que tudo é colocado no mesmo saco indiferenciado com o rótulo de "políticos corruptos". Não basta que a Justiça trabalhe de forma autónoma e isenta. Podemos e devemos questionar as suas decisões. A Justiça tem, inquestionavelmente, que manter a autonomia, mas com isso não pode isolar-se, eximindo-se de prestar contas dos falhanços com que a sociedade é confrontada e que minam o funcionamento do Estado de direito.
O tempo da Justiça não é o tempo da informação. Mas quando termina o seu curso e é concluída a sua ação, a Justiça não pode manter sombras que alimentam a dúvida. Não pode deixar por explicar as acusações que nunca avançaram, as buscas e apreensões com objetivos que estão longe de visar a aplicação da lei ou as detenções montadas para as câmaras de televisão.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Serviço público