sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Leituras

 

Em diferente plano, não era menos importante reforçar a protecção jurisdicional aí onde, por efeito das novas tecnologias, institutos processuais clássicos estavam a adquirir um imprevisível potencial de agressão aos direitos individuais e eram, no limite, portadores de riscos de lesão da confiança cívica.
Era, entre outros, o caso das escutas telefónicas.
O aparecimento de novas tecnologias a preços competitivos teve consequências nos modos de investigação criminal. A recolha de informações começou a ser substituída por um meio mais acessível e menos disruptivo do dia-a-dia dos investigadores. A escuta telefónica punha os arguidos "a falar". Gradualmente, fui-me convencendo que os magistrados e órgãos de polícia criminal iam alargando o perímetro das escutas no sentido de obterem indícios que, depois, iriam consolidar. 
A investigação criminal estava, assim, a tornar-se "preguiçosa".
Os magistrados do Ministério Público conheciam as minhas orientações.
No entanto, a estratégia da investigação tem componentes subjectivas praticamente insindicáveis.
Também neste domínio, a avaliação estatística ia-se tornando das poucas modalidades de controlo que podia evitar a susceptibilidade de certos actores.
Seria interessante conhecer o número de escutas conectado com o tipo de crime e com o destino final dos inquéritos e instruções criminais.

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Apanhado acidentalmente (2)

Afinal foram três as escutas em que o primeiro-ministro foi apanhado; duas foram "consideradas irrelevantes", uma outra foi validada. O Ministério Público não terá estado de acordo com a irrelevância e, por isso, recorreu da decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Fonte: PÚBLICO, de 23 de janeiro.

Nos termos do artigo 11º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, 
2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
b) Autorizar a interceção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respetiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º.
Esta competência foi introduzida no referido Código pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto. Terá tido como propósito o de pôr a salvo estas três entidades de alguma ponderação menos cuidada na autorização de interceções, nomeadamente as telefónicas. Não as põe a salvo, porém, das escutas indiretas, mas a estas ninguém o está.
Sabendo do apetite mediático que as escutas sempre suscitam, não será ousado prognosticar que, a prazo, os especialistas em semióticas das escutas terão muito com que nos entreter.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Apanhado acidentalmente

"Presidente do Supremo mandou destruir escutas em que o primeiro-ministro foi apanhado acidentalmente. Mas o Ministério Público recorreu. Há uma escuta ainda em apreciação. Alvo era o ministro do Ambiente."
Do Expresso 

Qualquer cidadão pode ser apanhado numa escuta; acidentalmente, há menos. Para apanhar um primeiro-ministro numa escuta, nada melhor do que pôr um seu ministro sob escuta.
Não se trata do primeiro primeiro-ministro a ser apanhado numa escuta. Nem se trata também da primeira vez em que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça considerou essas escutas irrelevantes.
A banalização das escutas não serve a justiça; serve o ruído interminável em que se transformou a justiça.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Tributo a António Manuel Hespanha


 A tribute to the late great historian: António Manuel Hespanha

Mafalda Soares da Cunha
Introduction: A Great Historian and a Great Person
PDF ]

Angela De Benedictis
António Manuel Hespanha: a Constant Guide for My Research
PDF ]

Frederico de Lacerda da Costa Pinto
Hespanha is a Sage
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Nuno G. Monteiro
António Hespanha e a Revista Penélope: Fazer e Desfazer a História
PDF ]

Fernando Bouza
António Manuel Hespanha and the Resignification of Habsburg Portugal (1580-1640)
PDF ]

Fernando Dores Costa
António Manuel Hespanha and the Commission for the National Commemoration of the Portuguese Discoveries
PDF ]

Pedro Puntoni
Revisionism in the Tropics: the Political Model of the Portuguese Colonial Empire, by António Manuel Hespanha
PDF ]

Raquel Sofia Lemos
Beloved Professor Hespanha
PDF ]


Para ler aqui.

sábado, 16 de janeiro de 2021

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Entradas de leão

Sobre a nomeação de um magistrado do Ministério Público para a Procuradoria Europeia, o Caso UGT veio de novo à baila.
A esse respeito, o Secretário-Geral da UGT, Carlos Silva, subscreveu uma nota para a comunicação social, da qual transcrevo:


É com profunda estranheza e repugnância que a UGT tem vindo a acompanhar as notícias de vários órgãos de comunicação social, sobre a nomeação do procurador José Guerra para o cargo de procurador europeu.
Estranheza pelo facto de a alegada carta enviada às instâncias comunitárias, a defender a nomeação deste magistrado, pelo Governo português, inclua no seu currículo a sua participação no Processo UGT, vislumbrando-se que tal referência nem sequer corresponde à verdade histórica do processo.
...
Ao Governo cabe nomear quem lhe aprouver, mas sobretudo não vislumbramos a necessidade, para efeitos curriculares, da referência ao que aconteceu num processo judicial, cujo epílogo terminou numa completa absolvição.


Sendo aquilo a que se poderia chamar um mega processo, o Caso UGT não será motivo de orgulho funcional para uma magistratura ou para um magistrado. Se é verdade que durante anos animou a comunicação social, é também verdade que na hora da sua apreciação judicial a pretensão do Ministério Público não obteve sucesso.
Idênticos exemplos se poderiam dar em que, a entradas de leão, corresponderam absolvições sonantes.
Nunca compreendi que estas situações, com pesados encargos para o Estado, não fossem sindicadas e avaliadas no sentido de se saber o que correu mal ou se fez de errado, se é que algo correu mal ou se fez de errado, e o que se poderia evitar no futuro.
É que absolvições em processos desta natureza não podem ser tidas como normais, sob pena do ruído à volta da justiça ser mais relevante do que a própria justiça.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Controlo da atividade policial

Quem policia a polícia dos polícias? é um texto de Fernanda Câncio, no DN, em que se questiona o desempenho funcional da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI). 
A IGAI é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia técnica e administrativa - artigo 1º do Decreto-Lei nº 58/2012, de 14 de março.
No artigo 2º, nº 1, deste diploma, fixa-se a sua missão: A IGAI tem por missão assegurar as funções de auditoria, inspeção e fiscalização de alto nível, relativamente a todas as entidades, serviços e organismos, dependentes ou cuja atividade é legalmente tutelada ou regulada pelo membro do Governo responsável pela área da administração interna.
No nº 2 do mesmo artigo, enumeram-se as suas atribuições.
Não será difícil concluir que se trata de um organismo político-administrativo que abarca mais do que a atividade policial e está funcionalmente dependente do respetivo ministro.
Quem policia as polícias. pelo menos as que tutela, é o ministro da Administração Interna, ainda que coadjuvado pela IGAI. Vale a pena transcrever a atribuição que conta da alínea d) deste nº 2: Efetuar inquéritos, sindicâncias e peritagens, bem como processos de averiguações e disciplinares superiormente* determinados, e instruir ou cooperar na instrução dos processos instaurados no âmbito dos serviços, cuja colaboração seja solicitada e autorizada superiormente*.
O controlo da atividade policial nos seus excessos e ilegalidades é uma preocupação generalizada. Ainda há pouco, o presidente Macron o referiu, dizendo que era preciso proceder a uma reforma em França nessa matéria.
Creio que a ação disciplinar na atividade policial não se pode configurar com a ação disciplinar na função pública.
A necessidade de uma entidade independente das polícias e do governo, tal como a que é referida por Fernanda Câncio para a Inglaterra e País de Gales, será uma via possível.
Mas tornam-se necessárias outras medidas que deixem de fazer das instalações policiais terras de ninguém.

* Negrito da  minha responsabilidade


sábado, 2 de janeiro de 2021

Lapsos

Há lapsos que, por mais que o sejam, inquinam uma nomeação. Será o caso da nomeação do procurador da República José Guerra para a Procuradoria Europeia, independentemente das suas qualidades, aliás reconhecidas pelo Conselho Superior do Ministério Público. A falta de rigor da informação em matéria que se sabia controversa, tendo a convicção de que não foi deliberada, está entre a distração e a leviandade. Daí a clamar-se pela demissão da ministra da Justiça só pode justificar-se pelo desespero político e pelo delírio intelectual; ou vice-versa.