quarta-feira, 29 de março de 2023

Contornar o direito de defesa

O Inspetor-Geral de Finanças, no Parlamento, justificou que não tivesse sido ouvida a diretora executiva da TAP, presencialmente, como é de regra, porque a sua língua estrangeira podia ser usada para contornar perguntas.
Estando em causa um inquérito em que a atuação daquela era manifestamente visada, será mais de crer que tal procedimento teria sido usado para contornar respostas.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Uma decisão precipitada

O acórdão do Tribunal de Contas que negou a autorização para a aquisição de baterias, pela Transtejo,  num momento posterior à aquisição dos novos catamarãs, parece-me simplista, para além da utilização de analogias de todo inadequadas.
Dizer-se que tais aquisições serão idênticas a "comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais", é um argumento simpático para destacar jornalisticamente mas que em nada ajuda a compreender a recusa da autorização.
Teria sido curial pedir prévias explicações à Transtejo sobre a estratégia que a levou a uma aquisição repartida. Por razões financeiras ou técnicas? Teria sido efetivamente poupado o erário publico se a compra das baterias tivesse sido feita de imediato?
Também aqui o contraditório teria sido relevante.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Iraque, 20 anos depois

This paper examines the total costs of the war in Iraq and Syria, which are expected to exceed half a million human lives and $2.89 trillion. This budgetary figure includes costs to date, estimated at about $1.79 trillion, and the costs of veterans’ care through 2050. Since the United States invaded Iraq in 2003, between 550,000-580,000 people have been killed in Iraq and Syria  the current locations of the United States’ Operation Inherent Resolve — and several times as many may have died due to indirect causes such as preventable diseases. More than 7 million people from Iraq and Syria are currently refugees, and nearly 8 million people are internally displaced in the two countries.

Ler aqui o artigo de Neta C. Crawford

quarta-feira, 15 de março de 2023

Serviço cívico

Para melhor leitura, clique na imagem.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Leituras

 
As leis não possuem um poder intrínseco para o bem ou para o mal. Ao longo da História, muitos projetos jurídicos têm-se revelado profundamente cínicos e calculistas. Os reis germânicos tentaram alcançar o poder e o estatuto dos imperadores romanos, Hamurabi foi um chefe militar impiedoso que pretendeu deixar uma imagem benigna às gerações futuras, muitos sacerdotes legisladores e as suas instituições acumularam poder e recursos em seu próprio benefício, líderes autoritários geralmente citam a lei para legitimar as suas ações e os governos contemporâneos tentam convencer-nos de que têm mais controlo sobre uma crise do que na verdade têm. Uma determinada visão de civilização, de competência e de direitos humanos pode funcionar como uma cortina para encobrir a ambição e a ganância ou, muito simplesmente, o poder. Todavia, visões e cortinas só funcionam se as pessoas acreditarem nos valores que elas projetam, e, quando as leis propõem uma visão em que as pessoas acreditam, podem também ser usadas contra qualquer detentor de poder que tente ignorá-las. É isso que confere ao Direito a capacidade para legitimar e limitar o poder.

Pag. 402
Edições Desassossego, 2022

Sobre Fernanda Pirie, ler aqui


sábado, 11 de março de 2023

O contraditório

Segundo o dicionário Priberam, o contraditório é um "princípio de igualdade entre as partes, permitindo que cada uma possa contestar a outra parte ou contra-argumentar".
É um princípio de que se ouve falar, habitualmente, no âmbito da administração da justiça, mas tão essencial nesta como em qualquer outro organismo do Estado. Ou seja, o cumprimento deste princípio não não pode escapar à Inspeção-Geral de Finanças.
Por isto ou por aquilo, a Inspeção-Geral de Finanças ignorou a audição da diretora executiva da TAP no inquérito que levou a cabo sobre o pagamento de uma indemnização que seria indevida. Mesmo admitindo que o Governo tivesse exigido celeridade, esta celeridade nunca poderia trair um princípio de óbvia aplicação.
Perante uma insuficiência tão gritante, o ministro Medina, caso tivesse ouvido a prudência, deveria ter devolvido o inquérito à procedência para que o contraditório se cumprisse. Preferiu anunciar uma exoneração por justa causa em que dificilmente se acredita como causa justa.
Uma decisão precipitada é uma decisão cega.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A entrevista

Marcelo, o comentador, foi entrevistado na RTP1. Para quem acompanha este tipo de entrevistas nas diversas televisões europeias, concluirá que a sua duração foi romanesca e o tom amigável, quase subserviente. Não houve confronto, nem seria essa a função dos jornalistas. Para dizer o que o comentador disse, a verdade é que os jornalistas não seriam necessários. Foi um tempo de antena presidencial apresentado por um comentador muito próximo do presidente. Nos dias anteriores, guardou um prudente silêncio, em tudo idêntico ao de um oráculo. A encenação, essa sim, é necessária.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Leituras

 

Os grandes crimes têm o vínculo à personalidade, e assim a criminologia foi uma ciência exacta. Mas tornaram-se difusos e imprevisíveis, o que torna a acção policial menos eficiente no quadro social.
Se formos ouvir a história dos crimes que se deram na região e de que houve memória até ao nascimento de Camila, vemos que foram crimes de personalidade. O mais antigo de que alguém se podia lembrar era o conhecido pelo crime dos irmãos Pèzinho, que mataram um padre agiota com malvadez consumada. O facto é muito semelhante ao Crime e Castigo de Dostoiewski, este um perfeito crime de personalidade em que o execrável recai sobre a vítima.
Os Pèzinhos, rapazes novos e de costumes ambíguos, assassinaram o padre para o esbulhar das riquezas que recebia como penhor da sua agiotagem; declarando-se culpados, mostravam um certo auto-perdão porque consideravam ter cometido uma acção justa. Eram depressivos, de uma família de depressivos, e os netos deles, mais tarde, juravam ter visto um disco voador sobre o vale de Jugueiros, numa noite de Dezembro muito fria, A frialdade é condutora das visões fantasmas.
A ignomínia do dito padre, que acusavam de sodomia e de cupidez, atenuou muito o juízo da população e diminuiu a pena dos criminosos. Mas não se provou que a vítima fosse outra coisa senão um avarento, promíscuo apenas com as suas histórias de juros e esbulhos mais ou menos legais. O que levara os Pèzinho a matá-lo? Em primeiro lugar fora a imagem que eles tinham do sacerdote e a ideia de que aquele homem, sujo no corpo a ponto da sua autópsia ser à porta fechada em vez de decorrer no adro da igreja, como previsto, traísse alguma coisa de consistente na personalidade colectiva.
Esse mesmo crime, passados quarenta anos, teria uma motivação diferente ou não teria mesmo motivação muito clara. Há sempre um motivo para o crescimento económico duma época histórica, e é uma motivação flutuante. Também o crime tem razões que flutuam e parecem situar-se entre uma forma de idealismo e de realização impulsiva. Como o amor.

Edição de Maio de 2002
Pags 238/239

quarta-feira, 8 de março de 2023

náufragos

a dor é uma imagem distante

vieram de longe, já com a morte
no corpo
por mares desde sempre navegados

vieram na esperança, talvez
não pelas especiarias
mas pela vida


f,b.