sábado, 31 de dezembro de 2016

Reverter, inverter, subverter

Depois de esgotada uma política de reversão, que foi pontual,  uma coligação de distintas matrizes só poderá sobreviver se conseguir realizar uma política de inversão, que seja global, não cedendo nenhum dos parceiros ao instinto, sempre possível, da subversão. 
Um Bom Ano de 2017.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Pregação

Nem os reis podem ir ao Paraíso, sem levar consigo os ladrões; nem os ladrões podem ir ao Inferno, sem levar consigo os reis. Isto é o que hei de pregar. 

António Vieira, Sermão do Bom Ladrão

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Mais um exemplo

O chefe de Estado francês decidiu indultar uma mulher, que se tornou um símbolo da luta contra a violência conjugal, condenada a 10 anos de prisão pelo assassínio do seu marido.
François Hollande concedeu-lhe "uma remissão do resto da sua pena de prisão", o que "põe fim imediato à sua detenção", indica um comunicado da presidência francesa.
"O presidente da República considerou que o lugar" de Jacqueline Sauvage "não era na prisão, mas junto da sua família", adianta.
Jacqueline Sauvage, de 69 anos, matou o marido em 2012 com três tiros nas costas após 47 anos de violência sexual de que também foram vítimas os seus quatro filhos. O assassínio ocorreu um dia depois do suicídio do seu filho.
As três filhas de Jacqueline testemunharam contra o pai, explicando terem sido violadas e espancadas, tal como a sua mãe.
Jacqueline Sauvage foi considerada culpada em primeira instância e num recurso em dezembro de 2015.
O seu caso comoveu associações feministas, personalidades do mundo da cultura e responsáveis políticos. Circularam petições pedindo a sua libertação, tendo uma delas recolhido perto de 436 mil assinaturas.
O presidente Hollande concedeu-lhe um perdão parcial no início do ano, permitindo-lhe pedir a liberdade condicional, mas esta foi recusada em primeira instância e em apelo.


Jornal de Notícias

sábado, 24 de dezembro de 2016

Um exemplo

Just weeks before leaving office, President Obama on Monday issued 78 pardons and commuted the sentences of 153 prisoners, extending his acts of clemency to a total of 1,324 individuals, one of the larger uses of the presidential power to show mercy in modern presidential history.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Indultos e Afetos

Ao longo dos anos, tenho comentado a parcimónia presidencial na concessão de indultos (aqui, aqui, aqui). No Natal de 2016, ano dos afetos e das selfies presidenciais, será que os presos poderão ter uma outra esperança?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Leituras

A situação herdada do fascismo, em matéria de alojamento, era a seguinte:
- deficit de 600 mil alojamentos
- 25% da população vivia sem condições de habitabilidade
- 52% não possuía abastecimento de água
- 53% não possuía energia eléctrica
- 60% não possuía rede de esgotos
- 67% não possuía instalações sanitárias

Baptista Lopes, O Processo SAAL, pag. 42

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Os números que faltam

No Dia Internacional Contra a Corrupção, foram fartos os números dos presos policiais e das acusações deduzidas. Estão por saber os números das decisões judiciais que concluíram pela prática  do crime de corrupção e, para melhor esclarecimento, os números dos presos que cumprem pena pela  prática do aludido crime.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Ditadura, justiça, eficácia

No dia 7 de fevereiro de 1962, pelas 9 horas e 50 minutos, no Tribunal da Boa Hora, teve início o julgamento, à revelia, de 33 cidadãos a quem se imputava a participação no assalto ao paquete Santa Maria.
No dia 10 do mesmo mês, um sábado, pelas 10 horas e 15 minutos, deu-se início à leitura da resposta aos quesitos e da respetiva sentença.
Sete réus foram absolvidos, e aos restantes foram aplicadas penas entre os 15 e os 22 anos de prisão maior.
Todos os réus foram defendidos pelo mesmo defensor oficioso.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Leituras

Durante os últimos anos, o conceito de transparência teve uma carreira meteórica nas nossas sociedades democráticas. A observação do poder apresenta-se como o grande instrumento de controlo cidadão e de regeneração democrática. Ora bem, como qualquer outro princípio político, tem de ser promovido e equilibrado com outros instrumentos. Convém que o entusiasmo pela transparência não nos esconda as dificuldades inerentes ao seu verdadeiro exercício, bem como os seus inconvenientes e os seus possíveis efeitos secundários, assim como o jogo de ocultações que pode promover. Além de observar, os cidadãos devem dispor de outras capacidades igualmente essenciais para a democracia. Se atendermos a todas as variáveis que intervêm na sociedade democrática podemos afirmar que a transparência é um valor que deve ser promovido na sua justa medida, tão necessário como limitado, que uma democracia requer transparência mas não a suporta em excesso nem a pode erigir como princípio único. As nossa democracias oculares articulam-se em torno da observação do combate que as suas elites travam, e na observação desse espetáculo radica tanto a força do seu controlo como as limitações da transparência.

Daniel Innerarity, A Política em Tempos de Indignação, pag. 283

domingo, 20 de novembro de 2016

Serviço cívico

Na sua 4ª edição, o Prémio Teresa Rosmaninho – Direitos Humanos, Direitos das Mulheres foi atribuído ao estudo “A Violência Obstétrica: A violência institucionalizada contra o Género” apresentado pela Mestranda da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, Vânia Alexandra dos Santos Simões.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

A eficácia da justiça penal*

Muito obrigado pelo convite, senhor Conselheiro Simas Santos, sobretudo por continuar a acreditar em méritos que eu não tenho.
Também um particular agradecimento a todos vós por poder falar a pessoas com certeza mais habilitadas para analisar este tema do que eu.
Com uma plateia de criminologistas (ou criminólogos?), por mim gosto mais da designação criminólogo, e ao lado de um especialista, como é o Dr. Nuno Maia, em comunicar a justiça, sinto que as linhas destes vinte minutos de fama servirão apenas a para a desconstrução, não direi implosão, de um mito: o da eficácia de uma impossibilidade.
O que devemos enfatizar no sistema de justiça penal?
A resposta das polícias?
A persistência dos procuradores?
O contributo dos advogados?
A clarividência dos juízes?
 A finalidade das prisões?
Tenho dúvidas que a generalidade dos cidadãos tenha a perceção do sistema de justiça penal como um todo.
Ou sequer que se preocupe com isso.
Tenho dúvidas que a comunicação social trate o sistema de justiça penal como um todo.
Ou que sobre isso possa ter qualquer preocupação.
O sistema de justiça penal é um bolo fatiado, ou como tal é apresentado, havendo fatias que são mais apetitosas do que outras: não há homogeneidade na massa.
Por exemplo, a maioria das vezes parece que a justiça se esgota com a aplicação das penas e que o seu cumprimento já não seja uma questão da justiça.
Outras vezes, parece que a justiça é o que pensa a polícia, como se o pensamento da polícia fosse a relevância de uma condenação ou a irrelevância de uma absolvição.
A novela de uma polícia que prende e de uma magistratura que solta tem sempre a garantia de leitores indignados, que são os leitores mais queridos de uma comunicação social sem dimensão crítica.
Permitam-me que intrometa aqui a criminologia.
O que é a criminologia?
Não diria que é uma ciência, mas uma competência para conhecer e articular os múltiplos conhecimentos que se tecem em redor do crime: dos crimes, dos criminosos, das penas e da redenção de quem as sofre.
Mas também dos múltiplos conhecimentos que se tecem em redor de quem investiga, de quem acusa, de quem defende, de quem julga e de quem guarda.
E por que não também o conhecimento sobre quem divulga e comenta?
Se pensar-se que a eficácia é uma perceção, essa perceção constrói-se através de uma mediação, fazendo do mediador o agente que certifica a eficácia.
Não tenho dúvidas que os bons e os maus polícias, ou a imagem que deles temos, dependem do modo como se constroem as notícias.
A investigação criminal sabe disso há muito tempo.
Nos Estados Unidos, no seu início, a investigação dos crimes foi um negócio em que existia uma feroz concorrência.
A publicitação dos seus feitos, muitas vezes romanceados, era-lhes fundamental para o negócio.
Por outro lado, jornais ávidos de histórias, eram parceiros ideias para tal publicitação.
Apesar da investigação criminal se ter tornado coisa pública, a matriz parece continuar a ser a mesma.
Não é, pois, sem razão que todos os manuais de criminologia contêm capítulos sobre a representação do crime nos meios de comunicação de massa: nos mass media.
Aí se pode ler, pelo menos para alguns autores, que os media não são a causa do crime, o que é óbvio, mas na sua insistência deliberadamente dramática geram um alarme público que questiona a lei e a ordem e justifica um discurso favorável a soluções repressivas.
Aliás, afigura-se-me que quanto maior é a crise dos media, que é a crise também da nossa sociedade, maior é a extensão do crime nos jornais e nos noticiários televisivos.
No sábado passado, ao ler o JN, encontrei um exemplo que poderia atestar esta afirmação.
É também curioso que o crime tivesse passado a ser matéria em programas televisivos que à partida seriam de mero entretenimento.
Vejam os programas matinais em que a moda, a culinária e o Marco Paulo rivalizam com comentaristas criminais, muitos deles polícias reformados, num discurso que, de uma só vez, investiga, acusa e condena - comentaristas indignados para um público que se indigna com muita facilidade.
Em 2005, o sociólogo António Barreto escrevia:
“Não conheço uma só pessoa que tenha tido uma experiência feliz com a justiça. Que vítima, arguido ou testemunha, tenha visto o seu caso resolvido com prontidão, urbanidade e eficácia.”
Creio que em 2016 o teor desta afirmação não seria muito diferente.
Não será uma certidão de óbito sobre a justiça mas é uma incomodidade que juízes e procuradores deveriam levar a sério.
O que aqui estará em causa não será apenas a eficácia do sistema mas a sua própria razão de ser.
Não é verdade que a justiça é para as pessoas, para a harmonia social, para o equilíbrio das relações interpessoais?
Ou será que a justiça é, ou se transformou, um monólito institucional com vocação autofágica?
Ou será que a justiça não se consegue ver a um espelho?
Vivemos em sociedades de organização estatal em que acreditamos que os equilíbrios dos poderes, incluído o poder judicial, são essenciais a uma sociedade justa, ou seja, uma sociedade com justiça.
Mas o poder judicial é o um poder? Ou é uma função?
De um poder legislativo ou executivo, em sociedades ocidentais, podemos alterar-lhes a composição pelo voto e a responsabilidade de cada um de nós está no seu próprio voto.
Podemos dizer, pelo voto, se os consideramos ou não eficazes.
Como o havemos de dizer à justiça?
O filósofo José Gil, num artigo sobre a Justiça, na Enciclopédia Einaudi, volume 39, questiona:
“Não existe verdadeira justiça senão numa sociedade justa. Mas se a sociedade o é, qual a necessidade de uma justiça?”
A verdade é que continuamos a viver em sociedades onde se multiplicam as injustiças, em que o ceticismo e o pessimismo alastram, mas a ideia de justiça parece permanecer sem erosão, por mais vaga e difusa que seja.
A funcionar como uma esperança, ainda que etérea.
Relativamente ao sistema de justiça penal, as sociedades, particularmente a nossa, têm sempre uma posição ambivalente.
Umas vezes, considera-se que a justiça que é dócil, permissiva, tímida na condenação.
Outras vezes que é uma justiça que ignora os direitos fundamentais dos cidadãos, que pratica o arbítrio, que não está atenta às condições sociais.
Mas voltemos à terra do discurso utilitário.
Terá sido para isso que me chamaram aqui.
Seria mais fácil falar da eficiência do que falar da eficácia.
Sendo a eficiência o modo e a eficácia o resultado, será de perguntar se uma justiça ineficiente pode ser uma justiça eficaz.
Se há unanimidade nas críticas à justiça, ela radica-se na falta de eficiência, nos seus atrasos quase congénitos, nas suas retóricas cujo sentido é inapreensível ao cidadão, no seu emproamento que já não condiz com o tempo que vivemos.
Pode uma justiça penal que não é eficiente ser uma justiça eficaz?
Pode ser eficaz uma justiça penal em que um grande número de cidadãos não se revê?
Creio que a eficácia do sistema de justiça penal é sempre conjuntural.
Hoje, lemos o jornal ou vemos os noticiários televisivos e somos capazes de acreditar que a justiça penal é eficaz.
Amanhã, depois de os lermos ou ver, somos capazes de denegrir essa eficácia.
Como sabem, a generalização é sempre um exercício precário de análise e que carateriza sociedades inundadas por uma informação ligeira, superficial e que parece mudar todos os dias.
Estava para concluir esta intervenção, e dei por mim a questionar-me sobre a eventual importância da overcriminalization, do excesso de criminalização nas sociedades modernas, com a criação de novos crimes, muitos deles de difícil compreensão.
O campo penal é hoje mais obscuro do que era há uns anos.
Quando se diz que um cidadão cometeu um crime de homicídio, isso é percetível, faz parte de uma noção de crime que é atávica.
Quando se diz que um cidadão cometeu um crime de corrupção para ato lícito ou um crime de tráfico de influências, não creio que a generalidade das pessoas entenda qual o possível conteúdo fáctico desses crimes.
Esse excesso torna necessariamente mais difícil a empatia entre o cidadão e a justiça, permitindo o aparecimento de uma perigosa justiça mediática.
Dado estar numa escola de criminologia, não queria deixar de terminar sem fazer uma breve reflexão sobre a criminologia para a eficácia da justiça penal.
Pode e dever ser um contributo muito relevante.
Para a investigação, para o julgamento, para a comunicação, o vosso conhecimento do crime e dos fenómenos criminais é cada vez mais importante.
O leque de conhecimentos que a criminologia pode abarcar coloca-vos num lugar privilegiado e que não pode ser ignorado.
Até mesmo depois de uma condenação, o cumprimento das penas, nomeadamente das de prisão, é matéria que deve merecer a atenção da criminologia.
Em Portugal, a criminologia como parceiro da justiça penal, no seu sentido mais lato, ainda tem um longo caminho pela sua frente.
Desejo sinceramente que o ISMAI possa estar na vanguarda desse caminho.
Presumo que tenha vindo aqui para vos dizer se a justiça penal é eficaz, ou não o é.
Ao fim e ao cabo, trouxe-vos todas estas palavras para encobrir a minha ignorância.
A verdade é que não sei se a justiça penal é ou não é eficaz.

*Discursata, no ISMAI, no âmbito do curso de Criminologia

domingo, 25 de setembro de 2016

terça-feira, 19 de julho de 2016

Pena de morte no Paquistão

PAKISTAN’S death row is one of the grimmest places on earth. The sordid conditions of its condemned—stowed away for decades, eight men to a 120-square-foot cell, sustained on filthy gruel and constantly recontaminating one another with disease—are the least of its horrors. When this book begins in 2013, an estimated 8,000 people were awaiting execution. A former minister estimates that two-thirds were innocent. “Trials” is about a foreign lawyer’s plunge into this swirling injustice. The surprise is the flowering of virtue that she finds at its centre.


Será fácil imaginar o que virá a pena de morte se vier a ser introduzida na Turquia.

sábado, 16 de julho de 2016

Leituras


Entre 1536 e 1821, a Inquisição portuguesa instruiu mais de 55 mil processos: a maior parte destes estão ainda conservados nos arquivos nacionais de Lisboa. O fundo do tribunal de Lisboa totaliza 17976 processos, o de Évora 11751 e o de Coimbra 10275; o tribunal de Goa, cujos arquivos foram destruídos em 1816, estava em 16192 processos, quando um levantamento estatístico foi realizado em 1774. Foi possível determinar a parte do criptojudaísmo para o primeiro século de atividade inquisitorial: delito de acusação em 83% dos processos de Coimbra e de Évora, e 68% dos processos de Lisboa, foi manifestamente a verdadeira razão de ser do Santo Ofício português; as outras heresias (bruxaria, cripto-islamismo, protestantismo, etc.) são marginais em relação a esta. Única exceção, a Inquisição de Goa estava principalmente preocupada com os hindus mal convertidos, não correspondendo aí os criptojudeus senão a 9% dos prisioneiros. Porém, o judaísmo era em toda a parte, mesmo em Goa, o delito mais gravemente reprimido. Em Évora, os judaizantes representaram 99% dos condenados à morte. Em Goa, 71% dos supliciados eram acusados de judaísmo.
A missão essencialmente antijudaica da Inquisição portuguesa, manifesta na sua atividade e na sua propaganda aquando dos autos-da-fé, era evidente um poderoso fator de estigmatização dos cristãos-novos enquanto grupo social. Nesse clima de perseguição, os judeo-portugueses deixaram completamente de ocupar postos na administração política do reino. Assim se deu igualmente o fim do século de ouro da ciência neo-cristã. Em 1564, o cardeal infante D. Henrique exigiu a exclusão dos cristãos-novos do colégio de São Paulo da faculdade de medicina de Coimbra.

(pag. /84/85)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Pontapé de saída

O PCP deu o pontapé de saída. Há muito que se adivinhava que seria necessário mexer, sem segredos, nas secretas. O mérito do PCP, ainda que se possa não concordar com tudo o que defende nesta área, foi o de trazer para o espaço público uma matéria que, passados todos estes anos sobre o 25 de Abril, continua ainda a concitar dúvidas e receios.
Precisamos ou não de serviços de informações? Ou as diversas polícias existentes poderão assumir tais funções?
E sendo necessários, há a disponibilidade para lhes dar os meios de ação idênticos aos que possuem aos da generalidade dos serviços de informações dos outros países, nomeadamente os europeus?
Por razões que se afiguram óbvias, a substituição das pessoas justificar-se-á; mas também assumir a remodelação não deixará de ter idêntica urgência.
Para sossego de muitos cidadãos, a fiscalização deste tipo de serviços tem de ser credível. Sem ela, todas as substituições e remodelações serão inquinadas por um pecado original.
Por último, e não menos relevante, é preciso libertar os serviços de informações dos fazedores de opinião que, objetiva e subjetivamente, os condicionam, pelo menos na sua perceção pública.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Leituras


A glorificação dos mercados e o triunfo do esplendor consumista são outros dos traços mais salientes dos dias que correm. As devastadoras imagens que enchem as redes sociais a propósito das vendas da Black Friday, mostrando multidões enlouquecidas comprando o que precisam e o que não precisam ou, até, o que sabem e o que não sabem sequer do que se trata, demonstram a perversidade dos mercados, espelhada na evocação do dia do grande crash bolsista para propagandear saldos. Outro exemplo deplorável, neste caso em Portugal, são as célebres vendas do 1º de Maio da rede de supermercados Pingo Doce.
Tudo isto se passa num mundo em que o Direito perdeu progressivamente a sua importância, beneficiando o quase exclusivo enquadramento económico, passando a ser muitas vezes considerado apenas como um obstáculo à acção política, numa triste reedição do estado de excepção de Carl Schmitt, que defendia que o interesse público deveria prevalecer sobre as regras jurídicas. Na ausência de regras jurídicas enquadradoras, nem sequer sobraram os pactos e as tradições que ordenavam, também eles, as sociedades, num movimento que podemos associar à ideia da perda das boas maneiras no sentido que lhe é dado por Lucinda Holdforth. Com o vazio criado pelo declínio do Direito nada responde às problemáticas da coesão social.
Por fim, não podemos ignorar a perda de valores das nossas sociedades, onde um jogador de futebol, com total condescendência por parte de todos nós, separa um filho e oculta-lhe a identidade ou paradeiro da mãe e, ademais, comenta que o filho tem muita sorte porque tem um pai e que muitas crianças nem pai têm. E uma empresa imobiliária – a Remax – publica num jornal português um contrato de recrutamento de colaboradores: «Procuramos máquinas», sem vergonha nem pudor, atestando o modelo que se pensa corresponder, no mundo em que vivemos, ao êxito. Dias mais tarde, descubro que noutra imobiliária – a ERA – as pessoas também são máquinas.
(pags. 43/44)

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Agent provocateur

No âmbito policial, sobre o agente provocador, tem sido larga a reflexão moral e persistente a jurisprudência. No âmbito jornalístico, ainda agora se começa a compreender o seu alcance. 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Terror fiscal


Diário de Lisboa, 17 de junho de 1966.

Clicar na imagem para melhor leitura.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Serviço cívico

Para melhor leitura, clicar sobre a imagem.

Razão moral

Quando abundam as prisões para primeiro interrogatório judicial e escasseiam os trânsitos em julgado, não é a celeridade da justiça que se deve questionar, mas a sua intrínseca razão moral.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Leituras

Denn gut sind Satzungen, aber
Wie Drachenzähne, schneiden sie
Und töten das Leben, wenn im Zorne sie schärft
Ein Geringer oder ein König.
*
Pois boas são as leis, mas
Como dentes de dragão dilaceram
E matam a vida, quando em fúria as torna rigorosas
um subalterno ou um rei.

(pags. 138/139)

segunda-feira, 14 de março de 2016

Leituras

Em algumas reportagens fui uma espécie de barriga de aluguer do meus saudoso camarada de Redacção Manuel António Pina, a quem devo a sugestão de vários trabalhos que ele entendia serem mais adequados às minhas características de repórter.
Recordo, a propósito, uma reportagem sobre julgamentos "encenados" nos Tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça, quais "farsas" em que os acórdãos já estariam "pré-cozinhados", mesmo antes da respectiva audiência.
Licenciado em Direito, com amigos nas magistraturas, o Pina, assim era tratado entre nós, reunia muito melhores condições para fazer essa reportagem, tanto mais que as suas fontes estavam muito bem colocadas.
Mas o problema residia exatamente nas fontes. Atendendo ao extraordinário melindre da matéria e, ainda, às funções que desempenhavam, nenhuma das fontes do Pina queira ser identificada e, por mais que o seu anonimato fosse preservado, ele pensava que amigos seus seriam conotados como suas gargantas fundas. Procurando evitar comprometedoras suspeitas, este meu camarada ofereceu-me a reportagem. Mas não  se ficou por aí. Confiou-me as suas próprias fontes, que também confiaram totalmente em mim, crédito esse facilitado, segundo me disseram, por conhecerem o meu trabalho.
Em manchete, na edição do JN de 5 de Novembro de 1966, podia ler-se: "JULGAMENTOS ´ENCENADOS`NO SUPREMO E NA RELAÇÃO!".
No dia 23 de Outubro de 1996, uma quarta-feira, dia da semana em que se realizavam as audiências dos julgamentos em recurso penal no Tribunal da Relação do Porto (TRP), foram concluídos 19 em cerca de 75 minutos. Na quarta-feira seguinte, realizaram-se 18: nove, de manhã, e outros tantos de tarde. Pelo meu relógio, estas últimas demoraram, em média, menos de quatro minutos...
Importa ainda referir que esse tempo foi quase todo gasto pelos desembargadores-relatores na exposição da questão em apreço e objecto de recurso. Era dada então a palavra ao Ministério Público (MP), cujos procuradores intervenientes no processo davam como reproduzidos os seus pareceres escritos e já constantes dos autos. Eles limitavam-se, então, a pedir "justiça".
A parte seguinte destinava-se às alegações dos advogados que, em princípio, primavam pela ausência. Numa dessas sessões, dos 17 advogados com procuração apenas três responderam à chamada; e, noutra, dos 12 notificados não compareceu nenhum.
Quando a funcionária judicial informava o tribunal de que o advogado do arguido não estava, o desembargador-presidente dirigia-se a um dos advogados estagiários, que faziam fila na sala, e perguntava: "Não se importa de defender o arguido?" Obviamente que não; eles estavam lá precisamente para isso.
O defensor oficioso fazia uma vénia aos magistrados, que "muito respeitosamente" cumprimentava, para, logo de seguida, também pedir "justiça". Apenas isso.
Por tal cumprimento e pedido, os arguidos ou os cofres do Ministério da Justiça, consoante os casos, teriam de pagar ao defensor oficioso um montante variável entre os cinco e os sete mil escudos.
Mas, pelo que vi e ouvi, nessas duas quartas-feiras, nenhum advogado que esteve presente foi mais brilhante; nenhum deles pareceu acreditar que as suas alegações valessem para alguma coisa.
O tom de voz de alguns desembargadores convidava à sonolência. Ninguém, a não ser os magistrados mais próximos de si, os ouvia. Isso mesmo confirmou uma dessas estagiárias nomeada defensora oficiosa, que reconheceu "não ter" ouvido "nada" do que disse o relator do processo. Mas nada ter percebido do que falara o relator do processo não aqueceu nem arrefeceu. Ela pediu; à mesma, "justiça", pois era para isso que era paga.
Cumprido o ritual da sessão, começava outra. E assim sucessivamente. Chegada a hora do almoço, o desembargador interrompia os trabalhos, anunciando que prosseguiriam por volta da 16 horas, altura em que seria depositada na secretaria o acórdão.
Da parte da tarde, a história repetia-se. Apenas era alterada a hora da entrega dos acórdãos, que estariam disponíveis às 16h30.

(Pags. 323/325)

sexta-feira, 11 de março de 2016

Leituras

Marcello não deixou, porém, de mostrar desde o início as diferenças que tinha em relação a Salazar, adoptando um novo estilo que surpreendeu os portugueses, habituados à figura austera e ausente do ditador. Marcello, pelo contrário, aparecia constantemente na imprensa, deixando-se fotografar no seu gabinete de trabalho e até em ambiente familiar, e trocava graças com os jornalistas, procurando assim manter uma certa proximidade com a imprensa, mesmo entre elementos que eram desafectos do regime.
Assim, logo no dia da tomada de posse, o Diário de Lisboa registava o novo estilo do presidente do Conselho:
«Misturado no trânsito da manhã, sem qualquer escolta, a não ser a dos carros dos jornalistas, o "Mercedes 230-S" do sr. prof. Marcello Caetano atravessou a cidade e deteve-se às 11 horas diante do Palácio de São Bento, onde o novo Chefe do Governo foi fazer a sua primeira visita aos presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa. Viajou do lado direito da parte traseira do seu carro pessoal, conduzido pelo sr. António da Veiga Lopes, de 29 anos, seu motorista particular há sete meses.
A viagem entre a Rua Duarte Lobo, onde o sr. prof. Marcello Caetano reside, no nº 46, e o Palácio de São Bento demorou pouco mais de 10 minutos, decorrendo sem pressas, ao sabor do trânsito das ruas da cidade.
Ao descer do carro, para subir a escadaria do Parlamento, o novo Presidente do Conselho conversou afavelmente com os jornalistas. Tendo-lhe sido perguntado se iria almoçar a casa, respondeu com bom humor.
-Porque não? Porque não havia de fazê-lo?
E em seguida, sorridente:
- A não ser que vocês não me deixem.
O sr. prof. Marcello Caetano explicou depois que pretendia fazer uma vida tão normal quanto lhe fosse possível, afirmando, visivelmente bem-disposto, que os jornalistas deviam começar a habituar-se à ideia de passar a vê-lo frequentemente. E comentou:
- Temos que fazer um pacto...
E subiu as escadarias, dirigindo-se para o elevador situado à esquerda do palácio, no interior do edifício.»

(pgs.465/465)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Leituras

Os roubos e os furtos eram os crimes mais noticiados nas páginas dos periódicos locais. Descreviam as ocorrências e os bens subtraídos, e denunciavam a inoperância das autoridades e a identificação dos assaltantes e, posteriormente, davam conta da sua condenação ou absolvição.
Nos primeiros meses de 1865, o concelho de Ponte de Lima foi atingido por uma onda de assaltos. À luz do dia, nas ruas da vila ou nas estradas mais movimentadas, como a que ligava Ponte de Lima a Braga, os transeuntes eram atacados e ameaçados com varapaus para não revelarem a identidade dos salteadores nem apresentarem queixa. Todavia, tais acontecimentos eram relatados nas página do periódico local, O Lethes, que lançava afiadas farpas à administração local e regional, que apelidava de "surda". Logo no seu primeiro número, este jornal traça o cenário que se vivia no concelho com um artigo que apresentava o sugestivo título "Ponte de Lima ou Falperra":
"[...] Não há auctoridade neste concelho. Os factos demonstram que esta a tirar tudo à decantada Falperra, ou ainda pior. Os ladrões andam desaforados por toda a parte. Não se falla senão em malogrados tramas de roubo e assassinato, assaltos dados a algumas casa e até a diversas pessoas nos caminhos ainda mais públicos."

(Pag. 206)

terça-feira, 1 de março de 2016

Leituras

Em 1921, um outro processo é aberto, estando em causa a conduta do juiz de direito da comarca de Chaves. Os factos são considerados «da mais alta gravidade» pelo representante do Ministério Público junto do Conselho Superior da Magistratura Judicial e é ordenada sindicância. O inspector encarregado é de opinião que se deve punir o magistrado.

 Este Juiz serviu longamente nos Açores: creio que nas comarcas da Horta e de Angra do Heroísmo. Dali trouxe a fama de se embriagar, e de tal modo se arreigou no espírito do povo essa convicção que não é olhado geralmente com aquele respeito e com aquele acatamento dispensados ordinariamente aos magistrados judiciais das províncias.
 É, de ordinário, irritável, duríssimo nas penas e, em geral, não sai de casa depois de jantar, sendo este último facto um dos argumentos que se afirma que ele depois de jantar fica inutilizado para o serviço. Porquê?...
 Porque algumas pessoas que o têm procurado, de tarde, em casa, asseveram que ele tem o bafo da aguardente; e porque das poucas vezes que tem saído depois do jantar, sempre se tem mostrado, pela sua irritabilidade, de um modo estranho e anormal.

O magistrado seria aposentado durante o correr do processo, não havendo por isso penalização por parte do Conselho.

(Pag. 299)

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Leituras

O universo do funcionalismo público a que continua sujeito, e que afinal lhe proporciona o diário sustento, diverte-o e incomoda-o a um tempo só, amostragem preciosa como se lhe revela do comportamento do semelhante. Distraído de quanto constitui a ininterrupta preocupação de quantos o rodeiam, as promoções, as diuturnidades, os concursos, as ajudas de custo, as mudanças de categoria, e sobretudo a reforma, julgam-no um irresponsável que se dedica a uma espécie de passatempo inócuo, o qual consiste em preencher volantes folhas de papel de cópia, e numa caligrafia demasiado graúda, detonadora do imprudente, ou do perdulário. Se o invejam por alguma das benesses que aufere, e sobretudo a de se deslocar com relativa independência, eis que levam tudo isto à conta do recreio que se autoriza a uma criança turbulenta, a fim de que não provoque desacatos na sala de aula. Doentiamente receosos das consequências da alternância dos partidos no poder, resguardam-se com o cinzentismo que lhes possibilite o trânsito sem penalidades de uma bancada a outra, membros virtuais de um imaginário hemiciclo parlamentar. Alimentam entretanto mútuos agravos em que empregam as pausas de lazer, e que em geral provêm de questões de precedência representativa, ou de ultrapassagem na carreira.

(Pag. 289)

sábado, 27 de fevereiro de 2016