sábado, 31 de março de 2012

É no que estamos

O PSD guardou o seu programa para a segurança e as corporações voltaram a brincar com a justiça. É no que estamos.

Pontos de vista

O Diário de Notícias, a partir do Relatório Anual de Segurança Interna respeitante a 2011, noticia que em cada 10 cidadãos presos pelas polícias apenas 2 continuam presos por decisão judicial. Ou as polícias prendem muito, ou os juízes libertam muito. Ambas as hipóteses são verdadeiras, consoante os pontos de vista.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Segurança Interna

As variações quantitativas constantes dos sucessivos relatórios anuais de Segurança Interna são irrelevantes. Todos os anos, por esta época, sustentam apenas medíocres discursos de sociologia criminal. Seria interessante saber em quantas situações daquelas que são contabilizadas nesses relatórios como crimes não vêm a ser consideradas como tal pelo Ministério Público. Sobre os nossos crimes, a verdade é que sabemos muito pouco.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Razões

Quem não tem cão caça com gato; quem não tem um media partner arranja um blogue.

Apostasias

Centenas de cidadãos requereram à Agência Espanhola de Proteção de Dados o cancelamento ou a retificação de elementos a si respeitantes e existentes nos registos paroquiais de batismo. A Agência deu-lhes razão. Em recurso, a Igreja Católica não obteve sucesso na primeira instância, mas veio a ter sucesso no Tribunal Supremo. O Tribunal Constitucional, por razões de processo, não conheceu do tema. Para o Supremo, os registos paroquiais não configuram uma base de dados com elementos pessoais. Na leitura da decisão vale a pena ter em consideração um expressivo voto de discordância.

terça-feira, 27 de março de 2012

Leituras

Medalhas

Sócrates, o ex-primeiro-ministro, será, um dia, agraciado. Sendo um leitor frequente da Bíblia, aprendi que a virtude do mérito está sempre no futuro. Não creio que o próprio tenha qualquer pressa em ostentar uma medalha ocasional. O Senhor Presidente da República sabe o que eu sei. Talvez até melhor. A circunstância do poder não pode ser o poder da circunstância.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Reconhecimento de pessoas

Como meio de prova, o reconhecimento de pessoas consta do artigo 147º do Código de Processo Penal. Os cuidados a ter com o seu uso são, hoje, objetivo de estudo. Os trabalhos desenvolvidos pelo Prof Neil Brewer ajudam-nos a acautelar os procedimentos, evitando acusações infundadas.

Prisão e demência

According to a report from Human Rights Watch, in 2010 roughly 125,000 of the nation’s 1.5 million inmates were 55 years of age and over. This represented a 282 percent increase between 1995 and 2010, compared with a 42 percent increase in the overall inmate population. If the elderly inmate population keeps growing at the current rate, as is likely, the prison system could soon find itself overwhelmed with chronic medical needs.
There is no official count of how many inmates suffer from dementia. But some gerontologists say the current caseload represents the trickle before the deluge. They say the risk of the disease is higher behind bars because inmates are sicker to start with — with higher rates of depression, diabetes, hypertension, H.I.V./AIDS and head trauma. Given these risk factors, the dementia rate in prison could well grow at two or three times that of the world outside.
The New York Times

Condução em estado de embriaguez

O despacho do Procurador-Geral da República, de 20 de março, sobre a utilização do instituto da suspensão provisória do processo nos crimes de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes, é um documento fundamental para a estabilização das opções e dos procedimentos processuais dos magistrados do Ministério Público. Em consonância com o que foi definido no âmbito da política criminal, o seu conhecimento importa à generalidade dos cidadãos.

domingo, 25 de março de 2012

Ademocracia

Um dia destes, um amigo falou-me do modo “brutal” como trataram um filho numa operação policial, apesar da (ou por causa da?) presença de câmaras televisivas. Num momento em que o discurso político dominante se estriba na trindade ódio, vingança e castigo, o clima tornou-se propício às desatenções policiais. Já não se trata apenas de uma questão de mais ou menos liberdade, mas de um propósito de afirmação ademocrática do poder.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Servilismo judiciário

A pulsão política de juízes e procuradores sempre foi oportunística e totalitária. À direita ou à esquerda, conforme os ventos da história, o servilismo judiciário não tem um passado com razões de orgulho. Pelo contrário. A literatura está cheia desses casos e dos respetivos sujeitos.

terça-feira, 20 de março de 2012

Governadores Civis

Depois de se ler o Despacho nº 3762/2012, do Ministério da Administração Interna, não será ousado dizer que a decisão de “não proceder à nomeação de novos governadores civis” não será, afinal, destituída de custos: custos financeiros e organizacionais. A passagem para a GNR e para a PSP da gestão dos processos de contraordenação rodoviária, até agora no âmbito dos governos civis, vai trazer àquelas forças de segurança mais uma carga burocrática pouco compatível com a sua função primordial.

Direito a ser esquecido

Não está ainda na lei, mas numa sociedade da informação será o corolário da liberdade a que se tem direito.

sábado, 17 de março de 2012

Roubo

A propósito da notícia indignada que o "Expresso" de hoje publica, sobre um roubo em que o valor do bem subtraído será irrelevante e que irá ser julgado por “três juízes”, dever-se-á lembrar que no crime de roubo o essencial da danosidade não está no valor do bem mas no uso da violência ou da ameaça.

Ortografia judicial

Um juiz nunca será preso por incumprir o acordo ortográfico; aliás, há muito que se sabe que não é preso quando tropeça na gramática. Dado que um juiz não é competente em matéria de ortografia, escrever como lhe apetece é apenas isso: não vincula quem quer que seja.

sexta-feira, 16 de março de 2012

A pobreza dos recursos

Os tribunais da Relação julgam, na maioria dos casos, banalidades penais, o que parece incomodar os desembargadores. Estes deveriam saber, ao ascender à Relação, que assim seria, ou não fossem banalidades, na maioria dos casos, o que julgaram enquanto foram juízes na primeira instância. Se acabarem com os recursos respeitantes às banalidades penais, seja lá o que isso for, com certeza que serão necessários menos desembargadores: em benefício do orçamento mas com prejuízo da justiça. Há um discurso ofensivo dos direitos que, passando por um ataque doentio à advocacia e atingindo as garantias constitucionais, assentou arraiais e progride à sombra de um populismo que se pensaria passado.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Narrativas

O Professor António Manuel Hespanha, em O Caleidoscópio do Direito (1), tece algumas interessantes considerações sobre a “narrativa dos media” e a “narrativa do direito”, considerações que não deveriam escapar à formação dos magistrados. Acrescentaria a estas duas narrativas a narrativa policial, cada vez mais parceira da narrativa dos media. Há, com certeza, uma razão histórica para que tal se verifique. Ao longo dos anos, a certificação da narrativa policial foi sendo feita pela narrativa dos media. Na generalidade dos casos, um condenado na narrativa dos media é também um condenado na narrativa policial, ainda que venha a ser absolvida na narrativa do direito. A sobreposição destas narrativas no imaginário popular, mais do que um risco para a justiça, tornou-se um perigo para o cidadão.
(1)Almedina, 2ª edição, 420/427

Presos em França

Em França, em 1 de Março, atingiu-se um novo máximo: 66445 presos. Por outro lado, a taxa de ocupação das prisões situou-se nos 116,13%.

domingo, 11 de março de 2012

Oficiais de justiça

A desvalorização da carreira dos oficiais de justiça, o desinvestimento na sua formação, a previsível extinção do seu Conselho, traduzem uma política que valoriza a expressão mediática em desfavor da adequação social. Já aqui escrevi sobre o esquecimento a que foram sujeitos. Hoje é possível concluir que não fazem parte da reforma, mas da contra-reforma.

Cadeias

Entrei numa cadeia, pela primeira vez, no verão de 1958. No Aljube. Acompanhava os meus pais numa visita a um familiar que se encontrava preso. Há imagens que ficaram para sempre. Da entrada, na rua, antes da porta se abrir, retenho ainda os gestos de simpatia solidária dos outros familiares. Sei, hoje, que essa simpatia era importante para que o medo se desvanecesse. O bolo que a minha mãe levava, colocado em cima de uma mesa à qual se sentava um guarda, foi religiosamente esboroado. Disse-me o meu pai, depois, que queriam ver se no bolo se escondia alguma lima. A sala da visitas estava dividida em duas partes, separadas por dois gradeamentos paralelos que não permitiam que presos e familiares, pelo menos, tocassem as mãos. Depois de um ruído de ferros, abriu-se uma porta, ao fundo, e os presos, em fila, dirigiram-se para o banco corrido onde se iriam sentar. Para nós, do lado de cá, havia um outro banco. Quando a minha mãe encostou ao gradeamento uma fotografia, um dos guardas que se encontravam na sala deu um passo rápido e arrancou-lha das mãos. Era uma fotografia da minha, e da do meu irmão, primeira comunhão que tínhamos feito havia cerca de um mês. Segundo o meu pai, pensaram que poderia ser uma mensagem. Aquele preso voltei a vê-lo no final de abril de 1974. Em liberdade.

sábado, 10 de março de 2012

Raça

François Hollande, provavelmente o futuro presidente francês, quer tirar da constituição do seu país a palavra raça. Na nossa, tal palavra consta do artigo 13º, nº 2. A palavra raça tem um passado histórico que não abona a seu favor. Em nome das raças, cometeram-se ignomínias. Sendo cientificamente irrelevante, bani-la, ainda que não seja uma obra de misericórdia, contribuirá para o reforço da igualdade.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A História

A História não se promulga nem, muito menos, se adivinha. Em 31 de janeiro de 1969, Mário Sacramento, num discurso inesquecível, dizia que “a História é um que fazer incessante, e nunca ninguém viu ou verá tudo aquilo por que se bateu ou luta, pois algo fica sempre a meio caminho”. Pode tentar-se reescrever o passado, mas isso não é, com certeza, fazer História.

quinta-feira, 8 de março de 2012

O feminino da justiça

Em 2006, em 1650 juízes, 809 (49%) eram mulheres; em 2010, em 1777 juízes, 990 (55,7%) eram mulheres. Hoje, em muitos tribunais, são já 100%.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O perfil que se perfila

A fragilidade do procurador-geral da República é institucional. No atual contexto do seu estatuto, tem uma autoridade limitada e uma responsabilidade acrescida. Sem uma cadeia de gestão solidária e só perante ele responsável, a dinâmica da magistratura é dispersa e ineficiente. Se é verdade que não pode ficar refém de um governo, não é menos verdade que não pode dispensar o contínuo apoio institucional de quem o nomeia. As vicissitudes das relações dos últimos três procuradores-gerais com os respetivos presidentes da República são um bom motivo de reflexão. Por isso mesmo, a nomeação, ainda este ano, de um novo procurador-geral será um ato politicamente decisivo neste segundo mandato do Professor Cavaco Silva.

Mulheres

"As mulheres são mais e têm maior longevidade. Casam e são mães (de menos filhos) cada vez mais tarde. Continuam a ser elas a assegurar a maioria das licenças de acompanhamento parental. O risco de pobreza é superior para elas, bem como a taxa de privação material. As mulheres presas são cada vez menos e as mulheres vítimas (de crimes contra as pessoas) são cada vez mais. As doenças do aparelho circulatório são a sua principal causa de morte. Estão em maioria no ensino secundário e superior. Têm vindo a aderir às novas tecnologias. Integram o mercado de trabalho, mas têm taxas de desemprego mais elevadas. Continuam a ser as principais agentes na prestação de cuidados."

Estatísticas no Feminino: Ser Mulher em Portugal 2001-2011

terça-feira, 6 de março de 2012

Divergências

Tenho com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público significativas divergências sobre o que deve ser a organização da magistratura e o papel do procurador-geral da República. Ao longo dos anos, refletir sobre essa matéria tem sido uma das minhas preocupações. Sei que o que penso não me levará à glória nem terá próxima consagração legal. As ideias, e só essas interessam, também fazem o seu caminho com a persistência de quem as defende. É o que me resta. E não é pouco.

Esclarecimentos

O Dr. João Palma, Presidente da Direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, telefonou-me. Com a sua autorização verbal, registo os seguintes esclarecimentos:
- O recente Congresso que se realizou no Algarve não teve qualquer comparticipação do Ministério da Justiça, ao contrário do que aconteceu com anteriores;
- O patrocínio de entidades privadas sempre ocorreu em idênticos eventos;
- À sua realização associou-se uma dádiva para a Fundação António Aleixo.

domingo, 4 de março de 2012

Transparências

Em nome da independência ética e da autonomia funcional, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público deveria tornar público os acordos de promoção e patrocínio que fez com diversas entidades privadas visando a realização do seu recente Congresso. Pelas mesmas razões, seria importante saber se o Ministério da Justiça concedeu algum subsídio e, em caso afirmativo, o seu valor.

sábado, 3 de março de 2012

Bitaites

Não se pode, não se deve, governar a justiça em função das primeiras páginas do Correio da Manhã. De indignação em indignação, cair-se-á, facilmente, na indignidade. Não será óbice, para o Jumbo ou para o Continente, constituírem-se assistentes. Têm advogados e têm dinheiro. Mas para os outros? Ou será que iremos ter um novo desenho do crime de furto em função da área, em função dos metros quadrados?

sexta-feira, 2 de março de 2012

Negros

A odisseia dos negros em Portugal tem sido mal contada. Quando a genética nos vem dizer que uma em cada sete portuguesas tem, algures, uma linhagem africana, então aquela odisseia é também nossa.

Alface

Conhecemo-nos em outubro de 1967, na Faculdade de Direito de Lisboa, ele chegado de Montemor-o-Novo, eu vindo de Aveiro. Foi solidariedade à primeira vista. Tinha uma ironia meiga, visível no sorriso que nunca ofendia. Vivemos as aventuras da iniciação num tempo em que uma viagem de metro custava quinze tostões. A escrita, é o que penso, foi-lhe uma opção pausada e minuciosa. A única homenagem que posso fazer ao Alface é continuar a lê-lo. Amigos assim não dão cabo de mim.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Política criminal

Em 1993, por determinação do Procurador-Geral da República, Dr. Cunha Rodrigues, procedi a uma análise do ainda embrionário, e sem estatuto, Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa. Num dos itens, teci algumas considerações sobre a necessidade de definir uma política criminal que permitisse uma gestão adequada de um número cada vez mais elevado de inquéritos. Na impossibilidade de dar igual tratamento a todos, exigia-se que fossem definidas prioridades que enquadrassem e responsabilizassem a investigação criminal. Com efeito, a investigação era regida pelo acaso de cada caso, sendo ocultas as razões das prioridades que de facto existiam. A situação manteve-se assim nos anos seguintes, servindo para culpar e desculpar consoante as circunstâncias. Apenas em 2006, com a aprovação da Lei Quadro de Política Criminal, foi dado um primeiro passo no sentido de ultrapassar aquilo a que na altura considerei ser a policialização do inquérito. Trata-se de uma lei que poderia dar consistência a uma das funções primordiais do Ministério Público: a direção do inquérito. Só por si, uma lei vale muito pouco. Neste caso, resultado de uma inércia que é já atávica, valeu muito menos.