quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Tancos, pretextos e segredos

Gil Prata, coronel paraquedista, ex-juiz militar. ex-subdiretor da Polícia Judiciária Militar e docente da Academia Militar, publicou no JN de ontem um artigo que não deve ser ignorado: "o furto de material de guerra nos paióis de Tancos não só se deve a falta de prevenção e a evidente falha de segurança militar mas, também, a falha das autoridades judiciárias".
No DN de hoje, Tancos tornou-se um pretexto para atacar o primeiro-ministro, como se já não bastasse a saída de um ministro da Defesa a esse pretexto.
Se o assalto a Tancos tem a ver com terrorismo, ainda que por hipótese remota, seria natural que o primeiro-ministro fosse disso mesmo informado.
A não haver essa informação, a autoridade judiciária falharia no mais elementar princípio de colaboração no combate a um crime, a um perigo, para o qual não chegam apenas a polícia ou o Ministério Público.
Há alguma ironia, com certeza hipócrita, em chamar à colação o segredo de justiça para justificar a manutenção na ignorância de um primeiro-ministro em matéria tão delicada.
De uma vez por todas, é preciso dizer que o segredo de justiça não sobreleva a segurança do Estado, e é desta que se fala quando é o terrorismo, ainda que eventual, que está em causa.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Leituras

- Não sei o que se passa com estes pretos de hoje.Nunca nos respondem com cortesia.
- É realmente assim. Estão de tal modo que já não têm o menor respeito pelas pessoas brancas. O negro de outros tempos era um bom sujeito... sabia qual era a sua posição... mas estes pretos de hoje entenderam que já não devem carregar bagagens nem colher algodão. Não senhor! Pretendem ser advogados, professores e sei lá o quê! Asseguro-lhes que isto se está a tornar um problema muito sério. Devíamos entender-nos para pôr os negros, e os amarelos também, no seu respectivo lugar. Eu sou uma pessoa sem preconceitos de raça. Sou o primeiro a regozijar-me com o êxito de um preto... desde que não ultrapasse a sua posição e não tente sobrepor-se à legítima autoridade e à capacidade comercial do branco.
- Sim, o problema está bem enunciado! E ainda há outra coisa que precisamos de fazer - declarou o homem de chapéu de veludo, que se chamava Koplinsky -, é impedir a entrada no país desses malditos estrangeiros. Graças a Deus que já começámos a pôr entraves à imigração. Precisamos de ensinar esses dagos e huns* que isto aqui é um país de brancos e não temos necessidade deles cá. Depois de termos assimilado os estrangeiros que cá estão incutindo-lhes os princípios do americanismo e convertendo-os em bons cidadãos, então talvez fosse o momento de admitir mais alguns.
Tal qual. É um facto - aplaudiram os outros, e a conversa desviou-se para assuntos menos transcendentes. Passaram rapidamente revista aos preços dos automóveis, ao custo dos pneus por quilómetro, às existências de petróleo, discutiram pesca e a próxima colheita de trigo no Dakota.

* Termos de calão que designam nos Estados Unidos os imigrantes de origem espanhola, portuguesa ou italiana (N.doT.).

(pag. 148)

Sinclair Lewis (1885-1951)

sábado, 10 de novembro de 2018

Serviço cívico


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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ansiedade

Poderia ser o título de um livro de poemas, ou de contos com finais felizes. Afinal, trata-se de uma impaciência armada. Este é um caso em que o tempo da justiça traiu a urgência da política. Que a política  não tenha armas para sair deste nó que mói, diz bem das suas limitações. Quando a separação de poderes se torna num jogo de enganos, a democracia é que paga em transparência e credibilidade.

sábado, 3 de novembro de 2018

Leituras

A pena aplicada pela Alçada a Gravito, Francisco Silverio, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas e Manuel Luiz Nogueira foi igual. Foram todos condenados a serem levados com baraço e pregão pelas ruas do Porto até à Praça Nova, e ahi enforcados, sendo-lhes em seguida cortadas as cabeças para serem postas no lugar do delicto.
No dia 7 de Maio de 1829, pelas 10 horas da manhã, sairam da Relação com mais seis companheiros condenados também à morte, além de outros condenados a assistir às execuções, em cujo numero se contava o corregedor de Aveiro Francisco Antonio de Abreu e Lima, e levados com o habitual acompanhamento, do qual faziam parte as tumbas da Misericordia, que haviam de receber os cadaveres, pela Porta do Olival, calçada dos Clerigos e largo dos Loios à Praça Nova, onde em duas forcas levantadas sobre os alicerces do monumento comemorativo da revolução de 24 de Agosto de 1820, o tristemente celebre João Branco e outro algoz deram cumprimento à execranda sentença.
Tres horas depois estava tudo terminado. Os cadaveres decapitados foram levados, pela irmandade da Misericordia, para o «Adro dos Enforcados», na rua hoje chamada da Liberdade, onde o coveiro Joaquim Manuel lhe deu sepultura, sendo mais tarde exumados e trasladados para outro lugar, como teremos ocasião de dizer. As quatro cabeças essas ficaram no patibulo até ao dia seguinte em que o algoz João Branco, acompanhado pelo «Meirinho das cabeças», as foi buscar e metendo-as num saco de couro marchou com elas para a Vila da Feira e Ovar, donde veiu em barco para esta cidade no meio de forte escolta de infanteria e cavalaria que o custodiava. A cabeça de Clemente de Melo ficou na Vila da Feira, sendo ali pregada num alto poste pelo carrasco. A Aveiro chegaram os tristes despojos na madrugada de 10 de Maio, sendo o algoz recolhido na cadeia.
A noticia correu veloz e, num momento, a maior parte das janelas e portas de muitas habitações foram cerradas em sinal de luto. Esta demonstração compreendeu quasi a toda a cidade, pois estendeu-se mesmo a muitas casas de pessoas afectas ao governo de D. Miguel. As instruções vindas do Porto eram que a cabeça de Francisco Silverio fosse colocada junto ao pelourinho (era no largo do Rocio em frente da rua da Rainha e que no seculo XVII tinha o nome de rua de Venesa), a de Gravito em frente da casa da camara e de Manuel Luiz Nogueira, defronte do convento do Carmo.
As autoridades a quem tocava dar cumprimento a esta ordem, viram-se porém em serios embaraços, pela dificuldade de encontrara quem fornecesse os postes necessarios e os colocasse nos mencionados locais. Gastou se todo o dia nestas diligencias, até que no dia seguinte o juiz de fóra fez prender diferentes lavradores do lugar de Azurva, a quem obrigou a trazer os pinheiros necesarios, e alguns carpinteiros que violentadissimos os ergueram nos locais designados, depois do algoz ter colocado em dada um deles uma das cabeças segura por um grande prego. A esta medonha selvageria assistiram tripudiantes alguns miguelistas mais exaltados e bastante gentalha vinda em grande parte dos lugares visinhos, que aplaudiu o carrasco quando este, procurando ageitar a cabeça do infeliz Gravito, lhe dirigiu umas graçolas soezes como no-lo afirmou uma testemunha ocular.

(pags. 55/57)