sábado, 31 de dezembro de 2022

O balanço

O presidente da República continuou no ar; para 2023, perspectiva-se que as milhas voltem a aumentar.

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A morte anunciada de João Rendeiro, ocorrida em 13 de maio, não consta dos obituários de 2022.

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Há algo de excessivo no comentariado à volta das mortes de Bento XVI e de Pelé; ou talvez não tanto quanto a este.

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Passou mais um ano sem uma biografia oficial de Agustina.

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À justiça o que é da justiça permaneceu o mantra de muitos equívocos políticos.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Oh! Costa

Uma maioria absoluta que se deixa embalar num colo presidencial perde, facilmente, a preocupação com os pormenores; e é neles, nos pormenores, que está o diabo. António Costa não pode estar em todo lado, mas tem a obrigação de um contínuo escrutínio sobre quem escrutina: não apenas político, mas também civicamente republicano. O prejuízo democrático é muito superior aos 500 mil euros, a não ser que tivesse um efeito regenerador. Se o terá, já é do domínio da fé.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Absolvição de milhões

Três médicos, um dos quais presidente da Câmara de Oleiros, e um farmacêutico foram absolvidos da prática do crime de de fraude fiscal qualificada que lhes fora imputado pelo Ministério Público.
Da sentença consta que "da análise da factualidade provada, facilmente se conclui no sentido de a mesma não ser apta a preencher os tipos objetivo e subjetivo do crime de fraude fiscal (simples ou qualificada), ou de qualquer outro crime".
Para a acusação, o Estado teria sido prejudicado em 1,7 milhões de euros.*

*Elementos recolhido no JN de 27 de dezembro.


sábado, 24 de dezembro de 2022

Aforismo natalício

É mais popular distribuir medalhas do que conceder indultos.

Boas Festas!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Magnânimo e clemente

Segundo a agência Ecclesia, "o Papa Francisco pediu indultos para presos, neste Natal, dirigindo-se aos vários chefes de Estado". Presumindo que o pedido também chegou a Portugal, o Presidente Marcelo, a um tempo magnânimo e clemente, respondeu-lhe com cinco indultos

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Reflexão

O combate à corrupção nem sempre é virtuoso. Não deixa de ser curioso que estruturas judiciárias sobre as quais recaíam legítimas desconfianças ganhem súbitas confianças quando servem para legitimar, com buscas, prisões ou apreensões, em nome do combate à corrupção, um novo poder, muitas vezes tão autocrático como o anterior.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O terrorista que o não era

O nosso terrorista foi sujeito a um massacre mediático invulgar; o tribunal decidiu que o não era: terrorista. Lamentavelmente, o massacre partiu de uma motivação institucional. O protagonismo mediático na investigação criminal é sempre um mau conselheiro.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Crónica de uma final

O Presidente da Argentina não foi ao Qatar assistir à final do campeonato do mundo, entre o seu país e a França, para não dar azar; Macron foi.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Caos

Segundo a Visão, no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, é caótica a investigação dos crimes de violência doméstica. Apesar daquele Departamento possuir uma Secção Especializada Integrada de Violência Doméstica (SEIVD), a resposta funcional tem sido manifestamente preocupante.
Em outubro de 2022, existiam 2515 inquéritos parados há mais de três meses, 1040, há mais de seis meses, e 255, há mais de um ano. O acumular destes atrasos não é repentino, traduzindo uma ineficiência que se deve arrastar há muito.
A Procuradoria-Geral da República determinou a realização de uma sindicância.
Que a situação tenha vindo a público e despertado a hierarquia por ação de um advogado preocupado com os interesses de um seu cliente, realça não só a importância da advocacia no controlo da atividade judiciária, mas também um descontrolo interno incapaz de precaver ou antecipar o mau funcionamento de um serviço.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Crónica à bo(r)la

As variáveis de um jogo de futebol, de tantas que são, não devem poder ser contabilizadas. Por isso, é feito de surpresas, mesmo quando a equipa mais cotada ganha o desafio. É uma soma de acasos sobre acasos, em que cada jogo, sendo único, é irrepetível; nesse mundo de acasos, as táticas tornam-se exercícios de superstição.
Há uns anos, uma equipa do Norte foi ao Sul disputar um jogo. Num passeio que deram próximo do local de alojamento, alguns jogadores, em brincadeira, decidiram trepar uma árvore. A do Norte ganhou o jogo. No ano seguinte, voltaram ao Sul para um desafio com o mesmo clube. Ficaram no mesmo alojamento e deram um mesmo passeio. Passando pela mesma árvore, o treinador insinuou que está seria a da sorte. Entre a brincadeira e a convicção, houve quem voltasse a trepá-la. Não voltaram a ganhar, talvez porque a razão da sorte se tivesse tornado na razão do azar.
O resultado do Portugal-Marrocos só pode causar espanto a quem ainda não percebeu a magia mágica do futebol. Esta crónica apenas pretende resgatar o guarda-redes Diogo Costa às insinuações do comentariado futebolístico. Não há culpas onde reinam os acasos.

Do senso, ou da falta dele, ao censo

A Comissão Nacional de Proteção de Dados coimou o Instituto Nacional de Estatística em quatro vírgula três milhões de euros; em causa o inestimável Recenseamento de 2021.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Leituras

 


Se as cadeias e as prisões são algo a abolir, então o que as substituirá? Esta é a questão desconcertante que frequentemente interrompe e impede que prossiga a reflexão sobre as hipóteses de abolição. Por que razão é tão difícil imaginar alternativas ao atual sistema de encarceramento? Existem várias razões para a nossa relutância à ideia de que será possível criar, um dia, um sistema de justiça inteiramente diferente - e talvez mais igualitário. Antes de mais, concebemos o sistema existente, com a sua exagerada dependência do aprisionamento, como um modelo absoluto, o que dificulta bastante a ponderação de qualquer outra maneira de lidar com mais de dois milhões de pessoas presentemente detidas nas prisões, cadeias, estabelecimentos juvenis e centros de detenção de imigrantes do país. Ironicamente, até a campanha contra a pena de morte tende a alicerçar-se no pressuposto de que a prisão perpétua é a alternativa mais racional à pena capital. Por muito importante que seja abolir a pena de morte, deveríamos perceber que a campanha contemporânea contra a pena capital tende a repetir padrões históricos que conduziram ao posicionamento da prisão como forma dominante de punição. A pena de morte tem coexistido com a prisão, não obstante o pressuposto de que o encarceramento seria uma alternativa aos castigos corporais e à condenação à morte. Esta é uma dicotomia crucial. Confrontá-la criticamente implica levar a sério a possibilidade de associar o objetivo da abolição da pena de morte às estratégias que visam a abolição da prisão.

(Pag. 144)

Nota: com certeza, livro de leitura relevante no Centro de Estudos Judiciários.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Alcácer Quibir, de novo

Fernando Santos, o treinador, tornou-se o D. Sebastião da primeira metade do século XXI. Veremos como vai armar a esquadra e definir a estratégia. 
Antecipando a óbvia imaginação da comunicação social, se Portugal vier a perder o desafio com Marrocos, é Alcácer Quibir que se repete; se ganhar, é Portugal que se vinga.
No final, e isso é certo, o presidente da República fará a síntese: a síntese que ficará para a história.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Nós e a Justiça

No JN, com o título em epígrafe, Nuno Marques escreveu um texto relevante sobre as explicações que a justiça deve aos cidadãos.
Desse texto, transcrevo:
Na verdade, é a Justiça que deve prestar contas por estes falhanços em que tudo é colocado no mesmo saco indiferenciado com o rótulo de "políticos corruptos". Não basta que a Justiça trabalhe de forma autónoma e isenta. Podemos e devemos questionar as suas decisões. A Justiça tem, inquestionavelmente, que manter a autonomia, mas com isso não pode isolar-se, eximindo-se de prestar contas dos falhanços com que a sociedade é confrontada e que minam o funcionamento do Estado de direito.
O tempo da Justiça não é o tempo da informação. Mas quando termina o seu curso e é concluída a sua ação, a Justiça não pode manter sombras que alimentam a dúvida. Não pode deixar por explicar as acusações que nunca avançaram, as buscas e apreensões com objetivos que estão longe de visar a aplicação da lei ou as detenções montadas para as câmaras de televisão.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Serviço público


 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Hebe Pastor de Bonafini

Há vozes que foram mais relevantes para os direitos humanos do que a própria justiça. Preocupados com a autorização de uma viagem pindérica, os representantes da Nação terão esquecido, espero que provisoriamente, a luta gloriosa desta mãe.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Uma vergonha

 ... que o presidente da República, em nome do futebol, tenha posto, entre parêntesis, os direitos humanos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Das grandes absolvições II

O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão de primeira instância que absolveu o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, da autoria do crime de prevaricação no processo Selminho.
Apesar de constituído arguido, acusado e pronunciado, Rui Moreira não se demitiu das funções autárquicas que exercia e continua a exercer.

 (JN).


Tanta gente, Mariana

Uma ministra, de nome Mariana, contratou, como assessor, função sempre precária, um jovem, ao que dizem sem experiência profissional, mas visivelmente com alguma experiência política. É da mesma filiação partidária da contratante e não consta que vá auferir acima da tabela que a lei consente para o seu exercício.
O que propõe o coro dos indignados? Um menos jovem? Um mais velho? De um outro partido político?  Sem partido? A auferir abaixo da tabela remuneratória por ser jovem?
Mariana da Silva, também ela foi uma jovem assessora e continua, agora, como uma jovem ministra. A juventude não a desmereceu.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Desconsideração, obviamente

 “… no passado mês de Julho uma Advogada foi obrigada por um Juiz do Juízo de Família e Menores de Aveiro a comparecer no tribunal ou a fazer-se substituir por outro Colega nove dias depois de ter dado à luz, apesar de ter pedido um adiamento, que foi recusado pelo Juiz. Essa Advogada estava aliás ainda internada em virtude do parto à data da notificação do Tribunal estando, por isso, comprovadamente sem condições para se ausentar de junto do seu filho recém-nascido, que necessitava dos cuidados e da atenção da sua mãe. Por esse motivo requereu o adiamento com base no Decreto-Lei n.º 131/2009 de 1 de Junho, tendo, no entanto, o tribunal indeferido esse pedido por considerar que a assistência por advogado não era obrigatória e que a Advogada poderia substabelecer noutro Advogado. É difícil conceber maior desconsideração da protecção da maternidade e da função dos Advogados do que dizer a uma Advogada que não precisa de estar presente, ou que deve mandar outro Colega em seu lugar, o qual obviamente nunca acompanhou o processo e não o conhece adequadamente para exercer a representação do seu constituinte de forma eficaz.

sábado, 5 de novembro de 2022

Branco ou tinto?

Por notícias de largo espectro, soube-se que as autoridades apreenderam, na casa de habitação de Manuel Pinho, algumas garrafas de vinho verde. Não sendo o vinho verde de reconhecida longevidade, quem será o responsável se o mesmo vier a azedar? Ou será que as garrafas irão ser vendidas e a quantia obtida depositada à ordem do tribunal? Uma justiça que se presta a caricaturas terá dificuldades em credibilizar-se.

sábado, 29 de outubro de 2022

Efacec

"Ainda não foi desta vez que o atribulado processo de privatização da Efacec foi concluído. Os ministérios da Economia e das Finanças informaram esta sexta-feira, em comunicado conjunto, a ruptura das negociações para a venda de 71,73% do capital social da Efacec, que está nas mãos do Estado, ao grupo nortenho DST." (Público)

Há dois anos, com o título Nacionalizar para vender, refleti sobre o imbróglio de tal nacionalização:
As consequências do imbróglio financeiro, económico e social criado com o arresto do capital maioritário que a engenheira Isabel dos Santos detinha na EFACEC, sendo já evidentes, estão ainda longe de uma total contabilização. Pergunto-me se uma justiça pode ser tão autónoma, os seja, tão cega, que deva tomar uma decisão que se sabia ir paralisar uma empresa cuja relevância nacional não era publicamente ignorada. A solução encontrada pelo Governo - nacionalizar o bem arrestado para o vender e entregar a quantia obtida a quem a justiça, posteriormente, vier a dar razão - é uma artimanha que não deixará de contagiar a confiança de outros investidores estrangeiros. Será interessante vir a conhecer as cláusulas de garantia que o comprador do bem arrestado-nacionalizado exigirá para obviar a futuros imbróglios jurídicos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Difamações, à esquerda e à direita

André Ventura não foi pronunciado, não indo, por isso, a julgamento, pelo eventual crime de difamação em que era ofendido o historiador Fernando Rosas. 
O que estava em causa foi escrito por André Ventura no Facebook em 2021. "Fernando Rosas diz que Marcelino da Mata foi um criminoso, mas foi ele que torturou homens e sequestrou mulheres em 1976."
Segundo a juíza de instrução criminal Ana Maria Arnedo, o arguido "tinha razões para, de boa-fé, acreditar que os factos que eram imputados ao queixoso eram verdadeiros".
Elementos recolhidos no Público.

O juiz de instrução criminal Carlos Alexandre decidiu pronunciar o arguido Mamadou Ba pelo eventual crime de difamação em que é ofendido Mário Machado, remetendo o processo para julgamento.
Nas redes sociais, em 2020, o arguido teria apelidado Mário Machado de "assassino" do cabo-verdiano Alcindo Monteiro.
Da fundamentação invocada pelo magistrado judicial realça-se que Mamadou Ba "nem sequer veio provar a verdade dos factos".
Elementos recolhidos no Público.

domingo, 23 de outubro de 2022

Alberto Luís, sobre a liberdade de crítica às decisões judiciais

Alberto Luís foi um advogado ilustre. Casado com Agustina Bessa-Luís, estou em crer que muitos dos atrevimentos da escritora na área da justiça não lhe terão sido alheios.
Relatou o acórdão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 22 de outubro de 2004, sobre a liberdade de crítica às decisões judiciais.
Trata-se de um texto pleno de ironia e elegância, a seguir transcrito em singela homenagem, que deveria ser de leitura obrigatória na escola que forma juízes e magistrados.

1. O Advogado é livre de criticar decisões judicias nos meios de comunicação social, mas as operações intelectuais da crítica devem respeitar a realidade processual e a matéria de facto essencialmente relevante. 2. Contudo, para discernir um juízo profundo sobre a questão, não podemos contentar-nos com análises apenas formalmente correctas, dogmáticas e moralistas.

O Conselho Superior da Magistratura solicita à Ordem dos Advogados “uma tomada de posição oficial relativamente à possibilidade de um advogado, inscrito nesse organismo, poder criticar sentenças judiciais, nos meios de comunicação social, com falta de rigor, deturpação da realidade processual e omissão de factos essenciais à exacta e correcta compreensão das mesmas”.

Começamos por notar que o CSM se dirige à Ordem dos Advogados tratando-a pela designação indiferenciada de “esse organismo”. Ora, a Ordem dos Advogados é uma corporação profissional, sem nenhuma qualificação legal, é certo, mas com a natureza jurídica de associação pública profissional, constituída ao abrigo do art. 267.º/3 da Constituição.

Por seu turno, o CSM é um órgão do Estado que assegura a defesa da independência externa dos magistrados relativamente a outros poderes. A ele foram confiadas a nomeação, a disciplina e a gestão das carreiras dos juízes; no entanto, apesar de a sua composição afastar a ideia de se tratar de um organismo de autogoverno dos juízes, o CSM nunca deixou de se apresentar no estado de problema ontológico por resolver.

A Ordem dos Advogados pode sem dúvida ser consultada pelos poderes públicos sobre problemas relativos à política e à prática da profissão. E quando emite o seu parecer, pode dizer-se que toma uma “posição oficial” sobre o tema da consulta. Mas ir buscar ao reservatório dos lugares comuns o atributo de “oficial”, não teria nunca o condão de poder variar a significação do parecer, de modo a assimilá-lo a um acto administrativo unilateral decisório, eventualmente susceptível de recurso. Um acto de mera opinião ou de mera informação não tem incidência, ou apenas tem uma fraca incidência, sobre o ordenamento jurídico. Não entra sequer na acepção de jurisprudência administrativa; em direito administrativo, a jurisprudência decorre de decisões jurisdicionais “de princípio” que definem uma noção ou estabelecem uma regra nova em termos gerais e abstractos.

Ora, embora a consulta seja redigida em termos gerais e impessoais, o seu sentido é explicitado pela junção de um recorte de jornal que contém o comentário a uma decisão judicial, subscrito por um Advogado. A sentença comentada não é, contudo, fornecida nem apresentada a exame.

É, todavia, fora de questão ousarmos analisar o conteúdo do escrito do senhor Advogado, uma vez que não se trata aqui de fazer o processo do caso nem de emitir juízos sobre o conjunto dos valores que lhe estão associados.

Aliás, parecem-nos óbvias as respostas a dar às duas questões postas na consulta: sim, é legítimo criticar sentenças judiciais nos meios de comunicação social; não, não é legítimo fazê-lo com falta de rigor, deturpação da realidade processual e omissão de factos essenciais à exacta e correcta compreensão das mesmas.

O valor de verdade destas respostas é de tal modo admitido por toda a gente, que (e vamos exprimir-nos de forma breve e sentenciosa) seria porventura ocioso formular esse tipo de perguntas se não se desse o caso de elas terem a utilidade de fecundar os espíritos e os conduzir a outras impressões e até a novas interrogações.

A instituição da justiça distingue-se tradicionalmente pelo carácter da sua independência e por uma natural indocilidade ao despotismo. E porque partilham a mesma cultura, tanto os magistrados como os advogados sempre mostraram possuir uma singular liberdade e uma disposição constestatária que os opõe às arbitrariedades do poder. Aliás, muitas construções doutrinais radicam nesta oposição, tais como a separação rigorosa do público e do privado e a exigência moral da unidade do indivíduo, mediante a criação de direitos gerais do cidadão que prolongam, com a exigência de liberdade exterior, a posse da liberdade interior.

A própria racionalidade da justiça exige a liberdade do advogado como condição constitutiva, sem a qual não seria sequer possível instaurar uma justiça independente. Por seu turno, o juiz recebe a sua legitimidade da sua independência; a credibilidade do estatuto da justiça baseia-se, pois, na independência. E quanto mais poderoso é o juiz, mais a sociedade espera dele a imparcialidade, a competência e a responsabilidade.

Ora, as diferenças das posições relativas que ocupam magistrados e advogados não resultam duma hierarquia de estatuto, que não existe, mas duma distância social, espécie de hierarquia discreta, inseparável da configuração dos projectos individuais, da orientação das escolhas pessoais, das oportunidades económicas e do conjunto de factores de mobilização colectiva.

No inventário dos elementos constitutivos da personalidade, temos de contar com os materiais dominantes do inconsciente pessoal, cujos conteúdos, ao passarem para o campo da consciência, são, regra geral, de aspecto excessivo e desagradáveis, razão pela qual haviam sido reprimidos. Daí que, se o processo de assimilação do inconsciente não for acompanhado de consciência moral e do conhecimento de si mesmo, alguns indivíduos construirão um sentimento do seu eu como qualquer coisa de provocante.

A actualização da personalidade só se consegue com o alargamento da consciência e com o “desmantelamento da influência dominante e excessiva do inconsciente sobre o consciente” (C.G. Jung).

Desse processo de assimilação do inconsciente deve resultar: a) que os advogados se não mostrem tão seguros de si mesmos e não pretendam saber mais do que todos os outros; b) que os juízes abandonem o sentimento de superioridade e deixem de se representar o estado de espírito de quem se toma por “semelhante a Deus”, reputando a sua justiça não apenas como a dum “juiz”, mas como expressão da sua natureza sagrada.

Quer os juízes, quer os advogados não são a “boca da lei”, mas simples intérpretes de numerosas fontes de direito, algumas superiores à própria lei. Uma delas é a inteligência, embora mais uma vez se mostre desaconselhável que advogados e juízes saiam duma única escola; a diversificação do recrutamento dos dois corpos profissionais decerto acabaria com a classificação petrificada das inteligências: inteligência dialéctica dos advogados, inteligência hermética dos juízes.

Aconselhável é, pois, a diversidade do recrutamento, mas com formação especial comum e com partilha activa da cultura institucional da justiça.

A partilha da cultura actua como instrumento de educação que estimula a dominar pela consciência e pela delicadeza a energia dos processos psíquicos, de modo a que as relações e as situações novas sejam admitidas sem cuidados e em confiança, pondo de parte objecções que possam vir ao espírito e evitando as feridas narcísicas, tão difíceis de cicatrizar.

Tocqueville, na sua obra L’Ancien Régime et la Révolution, lembra um momento histórico exemplar da confraternidade possível de duas profissões que se distinguem das outras pelo seu carácter de independência. Quando, em resultado da reforma da instituição parlamentar confiada a Maupéou por Luís XV de França, os magistrados sofreram a perda do seu estado e dos poderes, os principais advogados que pleiteavam perante o Parlamento associaram-se voluntariamente à sua sorte, renunciando àquilo que fazia a sua glória e a sua riqueza, condenando-se deste modo ao silêncio, de preferência a comparecer diante de magistrados desonrados. Tocqueville comenta o episódio com estas palavras que servem de epílogo ao que queremos salientar: “Não conheço nada de maior na história dos povos livres do que aquilo que aconteceu nesta ocasião, e todavia isso passava-se no século XVIII, ao lado da corte de Luís XV”.

sábado, 22 de outubro de 2022

Leituras


Havia uma inveja de juristas entre os Márcios e os do Barral. Escreviam ambos na Gazeta dos Tribunais, e os seus discursos eram admirados como modelos de litígio forense e arte oratória. Todavia, Afonso do Barral era considerado pela sua clientela como o espelho da eloquência judiciária, superando em habilidade prática todos os outros. José Márcio Relvas limitava-se a dizer que o do Barral tinha algo de velho mágico e encantador de serpentes. De resto, as serpentes não têm ouvido, e o que parece encantá-las é a sensação do perigo, tal como acontece com as pessoas. Sabia que não tinha nem a paixão nem a limpidez de ideias do seu rival e que, apesar da sua experiência, não possuindo a emoção que arrebata as almas, não faria mais do que alegações sumárias e elegantes; o que não convencia senão os que faziam da lei um manual de arte.

(Pag. 323)

Preocupações

Mais relevante do que a preocupação, ainda que justificada, do Presidente do Conselho Superior da Magistratura com o que os juízes dizem nas redes sociais, deveria ser a preocupação com o que escrevem nas respetivas decisões. Carmo Afonso, advogada, no programa da RTP É ou Não É, foi incisiva: "Algumas decisões judiciais estão carregadas de machismo que são muito desmotivantes para as mulheres."

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Aos papéis

Após dezenas de anos em que em que se investiu significativamente na informatização da administração da justiça, os tribunais andam aos papéis. Seria curial pensar-se que a "disrupção do mercado do papel devido à escassez da matéria-prima" não acarretaria já um problema para os tribunais. Mas tal não acontece. A cultura do papel permanece incólume. Comparar as linhas de investimento em digitalização e em papel nos últimos 25 anos traria o esclarecimento necessário.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Celeridade abençoada

Os abusos sexuais ocorridos no âmbito da Igreja Católica traduzem uma disfunção institucional que não pode deixar de influenciar os procedimentos relativos à respetiva investigação criminal. A sua dispersão casuística, que é o que parece estar a acontecer, tomando cada caso como o seu ocaso, não esclarece nem ajuda a prevenir. Não deixa, por isso, de ser estranho o arquivamento de alguns inquéritos, de um modo tão célere, "perante a falta de dados de identificação das vítimas". Mais estranho ainda, caso seja verdade, que não tenha havido o contributo da Polícia Judiciária. Um fenómeno criminal complexo, que ocorre sem delimitação geográfica, exige um tratamento concertado numa estrutura única com âmbito nacional.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Aprender direito

 


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Celeridades e indignação

Com a indiscrição habitual, as autoridades judiciárias procederam a buscas na Presidência do Conselho de Ministros. O secretário de Estado da Presidência declarou, invocando o prestígio das instituições, que o que esperava era "celeridade".
Milhares de cidadãos envolvidos em processos judiciais, o que reclamam, ainda que anonimamente, é celeridade: em defesa do seu bom nome ou dos seus legítimos interesses.
A relevância desta convergência é significativa; pode ser o princípio do fim do mantra à justiça o que é da justiça.

*
A humilhação a que sujeitaram Duarte Lima não decorre da lei; é eticamente censurável, nada o justificando.
Subscrevo, por inteiro, o que aqui se escreveu: Autos de Fé Democráticos.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O estranho caso do rabino Daniel Litvak

Há uns meses, com pompa e circunstância, o rabino da comunidade judaica do Porto foi preso; após o primeiro interrogatório judicial, aplicaram-lhe pesadas medidas de coação: proibição de sair de Portugal, com a entrega dos dois passaportes de que era titular, apresentações às autoridades três vezes por semana e proibição de contactos com um outro arguido.
Agora, o tribunal da Relação de Lisboa determinou a revogação dessas medidas; o acórdão é impiedoso para o Ministério Público e, naturalmente, para a decisão judicial que aplicou aquelas medidas. Segundo o DN, a prova dos invocados "crimes de falsificação de documento, tráfico de influências, corrupção ativa, branqueamento de capitais e associação criminosa" no âmbito da concessão da nacionalidade portuguesa para descendentes de judeus sefarditas, teria assentado "numa generalização sem fundamento factual".
São sempre perigosas as investigações que tentam acompanhar as ondas mediáticas; o nome de Roman Arkadyevich Abramovich não será estranho a esta onda.

domingo, 25 de setembro de 2022

Leituras

 

O funcionário estava sentado atrás de uma barreira de madeira e era, tal como os funcionários da polícia do mundo inteiro, um grande adepto de gabinetes sobreaquecidos. Com pertencia ao serviço de estrangeiros, odiava estrangeiros. Quando Brandeis o cumprimentou com um bom-dia, disse:
- Que é que quer?
- Antes de mais, desejar-lhe um bom dia - respondeu Brandeis. - Além disso, queria também um visto de entrada e saída.
- O senhor não tem nenhuma autorização de permanência!
- Já a pedi. Ainda não está pronta.
- Então pode ir embora, mas não volte cá.
- Terei de voltar! - disse Brandeis. Sussurrou esta frase, como se fosse um segredo.
É uma característica dos funcionários públicos só olharem as pessoas depois da quarta ou quinta frase que estas dizem, como se partissem do pressuposto de que os estrangeiros têm todos o mesmo aspecto e que basta conhecer um para imaginar como serão os outros. Só depois daquela frase de Brandeis é que o funcionário levantou os olhos. Viu a figura imponente de Brandeis, o casaco pesado com o colarinho levantado. Pôs-se de pé, como que para diminuir a diferença de altura entre si e o estrangeiro. Ia para dizer alguma coisa. Brandeis começou, de repente, a falar em voz alta:
- Estou a falar com o senhor Kampe, não é? Volto daqui a a três horas. - Apontou para o relógio com a bengala. - Bom dia.
- Está a ver? - disse a Bernheim - Daqui a três horas tenho o visto. Só porque disse o nome dele, que também não era difícil de saber. Provavelmente, nunca fez nada de mal. Mas como mostrei que sabia como se chamava, tem medo de que eu saiba algo mais sobre ele. Toda a gente tem pecados.

Pag. 89

sábado, 24 de setembro de 2022

Respostas impublicadas 4

Sobre a prestação de contas pelo Ministério Público.

Houve um tempo em que a Procuradoria-Geral da República elaborava um relatório anual sobre a atividade do Ministério Público. Era uma boa prática que mereceria ter sido melhorada; assim não aconteceu. Por outro lado, os esclarecimentos públicos são cada vez mais raros, criando uma ideia, se calhar injusta, de opacidade funcional.

Em democracia, a prestação de contas é uma exigência. Sendo o campo de atividade do Ministério Público muito vasto e diversificado, sou favorável a relatórios setoriais. Esses relatórios não são só importantes para a comunidade, mas também relevam como exercícios de reflexão para a própria magistratura.

As estruturas autónomas da dimensão do Ministério Público tendem a enquistar-se, criando discursos pouco críticos e pouco criativos. No contexto presente, não será fácil normalizar essa prestação de contas e estabelecer uma estratégia que permita uma comunicação pertinente e didática.

Respostas impublicadas 3

Desconfiança no sistema de justiça.

Há um clube dos indignados por vocação; para estes, a desconfiança será a regra.

Preocupa-me, isso sim, a indignação silenciosa de cada um daqueles cidadãos que, sendo utentes da justiça, veem as decisões que os afetam ou que procuram serem proteladas para além de qualquer prazo razoável. Estarão neste caso os muitos que recorrem à justiça administrativa. Sendo nesta área que se dirimem os casos entre os cidadãos e o poder público, não deixa de ser irónica esta particular desproteção do cidadão.

Noutra vertente, preocupa-me também o silêncio indignado dos muitos que foram vítimas de investigações criminais perigosamente ousadas ou infundadas, e que tiveram a sua vida socialmente afetada. Um processo sério e eficaz também se joga nestes parâmetros.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Respostas impublicadas 2

 Sobre os megaprocessos.

Os megaprocessos são a doença infantil da investigação criminal. Há muito que se sabe que não são eficazes nem servem a justiça. Sem dúvida, concedem protagonismos efémeros, mas não facilitam as adequadas decisões judiciais. Seria interessante fazer um levantamento desses megaprocessos que inundaram o espaço mediático nos últimos vinte anos e analisar as suas vicissitudes.

Não creio que se resolva o problema por via legislativa, mas sim pela regra imperecível do bom senso. Neste assunto, também se deveria chamar à colação a hierarquia do Ministério Público. A definição da estratégia e a ponderação dos procedimentos em investigações de expressivas repercussões não podem passar à margem dessa hierarquia, como parece ser a regra. É consabido que se deixou passar a ideia de que qualquer intervenção hierárquica teria conotação política, mas torna-se necessário que tal desconfiança sindical não se torne paralisante.

Por outro lado, não deixa de ser curioso que os megaprocessos tenham a ver com os meios técnicos, cada vez mais elaborados, postos à disposição da investigação, permitindo que esta seja realizada por arrasto. Daqui ao voyeurismo, vai um passo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Respostas impublicadas 1

Sobre o eventual aumento dos prazos de prescrição do procedimento criminal no âmbito da estratégia contra a corrupção.

Quando há um insucesso na investigação, a culpa é sempre dos outros. Da falta de meios humanos ou técnicos; da tática dilatória dos advogados de defesa; da confissão que não pode ser utilizada na audiência de julgamento; ou dos polícias que atrapalham os polícias, sobrepondo-se na investigação. Muitos outros se poderiam acrescentar, sempre em função das circunstâncias.

Na circunstância atual, o outro serão os prazos de prescrição do procedimento criminal quanto aos eventuais crimes de corrupção. Presumo que muitos investigadores gostassem de não ter o incómodo dos prazos de prescrição e que muitos justiceiros gostariam que esses prazos não existissem, tornando a investigação um cutelo permanente sobre suspeitos e arguidos.

Os prazos de prescrição são genéricos e têm como referência a medida das penas que cominam, abstratamente, os crimes. Ou seja, esses prazos não se diferenciam em função dos tipos de crime. Quem investiga, conhece, ou deveria conhecer, esses prazos e desenhar a investigação tendo-os em conta.

Não tem sentido, por isso, falar no aumento do prazo de prescrição do procedimento criminal deste ou daquele crime. Por outro lado, seria irrefletido, em nome da necessidade de aumentar esse prazo, que se viesse a aumentar a pena cominada ao crime, desvirtuando o equilíbrio sancionatório global.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

"VAI TRABALHAR, MALANDRO!"

Na revista digital setenta e quatro, com o título em epígrafe, António Pedro Dores publicou um ensaio dividido em duas partes, "Para que servem as prisões" e "As prisões em Portugal", de leitura obrigatória, já que esclarecedora, para quem se preocupa com o delírio prisional que vai da justiça aos média, não descurando o populismo político.
"Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas há 60 anos que a sua população prisional não para de subir. Em 1974 eram dois mil reclusos, hoje são mais de 14 mil. Os reclusos vivem como zombies entre quatro paredes, como consumidores de drogas ilícitas e/ou com psicotrópicos servidos indiscriminadamente pelo Estado".

sábado, 17 de setembro de 2022

Viva a República!

A Rainha morreu; gostava de cavalos e de cães. Como qualquer um de nós que reinasse durante décadas, teve momentos felizes, mas também infelizes; a tudo sobreviveu. Foi cumprimentada por milhares de pessoas, umas do reino, outras do mundo; gente importante, ou que se tornou importante por ter cumprimentado a rainha. Nasceu rainha, sem necessidade de o aprender a ser. A monarquia não é uma circunstância, mas um destino; sem dúvida, com relevância política, ao contrário do que se insinua. A comoção é visível, associada a uma sensação difusa de orfandade; o anacronismo das cerimónias estimula a nostalgia. Os poderosos que se irão juntar para a despedida final sentir-se-ão, ombro a ombro numa segurança recíproca, ainda mais poderosos; uma ilusão, com certeza. Na monarquia, sobre o futuro, apenas poderá dizer-se que a Deus pertence.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Leituras

 

ESTRANHO CASO JUDICIAL EM INGLATERRA

Em Inglaterra, como se sabe, cada arguido tem como juízes doze jurados da sua classe, cujo veredicto tem de ser unânime, e que, para que a decisão não se arraste por demasiado tempo, ficam isolados sem comida e bebida até chegarem a um consenso. Dois gentlemen, que viviam a alguma distância de Londres, envolveram-se num aceso conflito, na presença de testemunhas; um ameaçou o outro, e acrescentou que em menos de vinte e quatro horas ele iria arrepender-se do seu comportamento. Ao fim da tarde, este fidalgo foi encontrado morto a tiro; a suspeita recaiu obviamente sobre aquele que tinha proferido as ameaças contra ele. Foi detido, levado a tribunal, descobriram ainda várias provas, e 11 jurados condenaram-no à morte; só o décimo segundo teimou em não dar o seu acordo, dizendo-se convicto da sua inocência.
Os seus colegas pediram-lhe que explicasse por que razão pensava assim; mas ele nada disse, e manteve a sua opinião. Já a noite ia longa, e a fome atormentava fortemente os jurados, quando um deles se levantou e declarou que era melhor absolver um culpado do que deixar morrer à fome 11 inocentes; e assim foi redigido o indulto, embora fazendo menção das circunstâncias que haviam forçado o tribunal a essa decisão. Toda a assistência estava contra aquele único casmurro; o caso chegou mesmo à atenção do Rei, que solicitou a sua presença; o homem compareceu, e, depois de o Rei lhe ter garantido que a sua sinceridade não lhe traria consequências prejudiciais, contou ao monarca que, ao regressar um dia da caça, no meio da escuridão, disparara a sua arma, ferindo de morte, desgraçadamente, aquele fidalgo, que se encontrava atrás de um arbusto. Ora -continuou ele- como eu não tinha testemunhas nem do meu acto, nem da minha inocência, decidi guardar silêncio; mas quando ouvi dizer que um homem inocente ia ser acusado, fiz todos os possíveis para conseguir ser um dos jurados; estava firmemente decidido antes a morrer de fome do que a deixar morrer o acusado. O Rei manteve a sua palavra, e o homem foi perdoado.

(pags. 181/182)

Serviço público


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quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Das grandes absolvições

Em primeira instância, os onze arguidos no processo respeitante ao incêndio de Pedrógão Grande foram absolvidos. Foi um julgamento de grande relevância social e mediática e com não menor tormento sobre cada um daqueles arguidos.
Segundo o DN, a leitura do acórdão teria demorado cerca de cinco horas e meia.
No momento em que escrevo, desconheço se o Ministério Público irá interpor recurso da decisão, o que é de admitir face às alegações finais que subscreveu; pediu a condenação de nove dos arguidos.
Seria útil para a transparência judiciária e para o seu didatismo que houvesse o hábito, por parte da PGR, de dar algumas explicações sobre o desempenho do Ministério Público, pelo menos em circunstâncias como esta. Acusar, absolver ou condenar não podem ser fases de uma lotaria.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Espetáculo e indignação

O Professor J.-M Nobre-Correia, num texto com o título O jornalismo num tempo de promessas e incertezas, que pode e deve ser lido aqui, escreveu:
"Na informação, o espetáculo vai ter a prioridade em relação à exposição dos aspetos fatuais do acontecimento, e a indignação será privilegiada em relação à argumentação."
Pergunto-me se o mesmo não poderia dizer-se da justiça. Das assassinas fugas de informação ao pitoresco devastador de quem cabritos vende e cabras não tem à laia de anexim probatório, o parentesco não será distante.

sábado, 10 de setembro de 2022

Há sempre uma escuta em carteira

Manuel Pizarro, indigitado ministro da Saúde, esteve sob escuta durante 270 dias. Sempre de mãos dadas, o melhor do jornalismo e o pior da justiça não perdem uma oportunidade. Sem ironia.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Leituras

 

A este estudo seguiram-se outros, e em todos foram encontrados níveis igualmente chocantes de ruído. Em 1977, por exemplo, William Austin e Thomas Williams realizaram um inquérito a 47 juízes, pedindo-lhes que analisassem os mesmos cinco casos, que envolviam pequenas infrações. Todas as descrições dos casos incluíam resumos das informações usadas por juízes em condenações reais, como o texto da acusação, os depoimentos, o cadastro criminal criminal anterior (se houvesse), o contexto social e elementos de prova relacionados com o caráter. A descoberta fundamental foi a existência de uma «considerável disparidade». Num caso de roubo, por exemplo, as sentenças recomendadas variaram entre cinco anos de prisão e apenas 30 dias (com multa de 100 dólares). Num caso de posse de marijuana, alguns juízes recomendaram penas de prisão efetiva; outros recomendaram pena suspensa.
...
Por muito reveladores que sejam, estes estudos, que envolvem experiências rigorosamente controladas, atenuam quase de certeza a magnitude do ruído no mundo real da justiça criminal. Na vida real, os juízes têm acesso a muito mais informações do que aquelas que são disponibilizadas aos participantes no estudo dos breves esboços com descrições cuidadosamente especificadas. Algumas destas informações adicionais são relevantes, é claro, mas também há muitos indícios de que informações irrelevantes, sob a forma de pequenos fatores aparentemente aleatórios, podem produzir grandes diferenças nos resultados. Por exemplo, os juízes consideraram que era mais provável concederem a liberdade condicional no início de um dia de trabalho ou após uma pausa para comer do que imediatamente antes dessa pausa. Se tiverem fome, os juízes são mais duros.
Um estudo que teve como objeto milhares de decisões do tribunal de menores concluiu que, quando a equipa de futebol local perde um jogo ao fim de semana, os juízes tomam decisões mais duras à segunda-feira (e, em menor escala, durante o resto da semana). Os arguidos negros sofrem as consequências desse aumento de dureza de forma desproporcionada. Um estudo diferente analisou 1,5 milhões de decisões judiciais ao longo de três décadas e também concluiu que os juízes são mais severos nos dias que se seguem a uma derrota da equipa de futebol local, e não tão severos nos dias a seguir a uma vitória.
...
Até um pormenor tão irrelevante como as condições climatéricas pode influenciar os juízes. Analisadas 207 mil decisões judiciais tomadas ao longo de quatro anos referentes a casos de imigração, foi encontrado um efeito importante nas variações diárias de temperatura: quando está calor lá fora, é menos provável que os requerentes consigam asilo. Se lhe moverem perseguição política no país onde nasceu e quiser pedir asilo noutro país, reze para que a sua audiência decorra num dia frio.

(Pags. 26/28)

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

A ler

"... a seleção baseada no mérito não superou a seleção baseada nos legados e heranças sociais, como demonstrado nos estudos sobre as origens sociais dos estudantes do Ensino Superior."


sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Perceção e justiça

A justiça faz-se a partir de procedimentos e meios de prova legalmente permitidos. A perceção não é uma coisa nem outra.
Que juizes contribuam para percecionar a corrupção na justiça com base num achismo corriqueiro, não pode deixar de preocupar. No mínimo, o que se lhes exigiria é que dessem voz aos factos que justificariam a publicitação de tal perceção.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O Rei dos Catalisadores

A estória pode ser lida aqui. Para além do Rei, participam na comédia entidades policiais, Ministério Público e magistratura judicial.
Para se saber quem brinca com quem, seria importante conhecer os discursos processuais de cada um dos intervenientes, publicando-os. A não ser que o segredo de justiça sirva, uma vez mais, como pano de cena.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Denúncia obrigatória

Não sei se um cardeal, ou um bispo, ou um padre, poderão ser  considerados funcionários com a obrigação legal de denunciarem crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas. Na jurisprudência publicada, nada encontrei sobre o assunto. Com uma prática judiciária em que se instaura um inquérito por isto e por aquilo, não seria insólito que se inquirisse sobre a matéria.
Independentemente desta minudência jurídica, do que tenho a certeza é de que há uma denúncia moral a que um cardeal, ou um bispo, ou um padre, não deverão esquivar-se; muito menos justificando essa omissão por uma vontade da vítima cujo corpo e alma são tutelados pela instituição que tanto o omitente como o agressor integram.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Esquadras móveis

A segurança policial nas grandes cidades é cada vez mais complexa. A situação geográfica das esquadras não deve ser arbitrária e deverão ter condições de habitabilidade e de meios que permitam uma mobilidade eficaz dos polícias. Transferir para as esquadras móveis o atavismo burocrático das esquadras não me parece ser a solução, a não ser que apenas se pretenda uma solução mediática. A visibilidade policial e a sua capacidade dissuasora faz-se com polícias e maleabilidade de gestão.
Não menos relevante será o policiamento invisível. Não possuindo números sobre este policiamento e os seus resultados, creio, no entanto, que terão tido uma eficácia que não será despicienda. 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Adiamentos

Segundo o JN, "em 18 meses, foram reagendados 160 mil procedimentos", correspondendo a 15% do total; tais atrasos afetaram, essencialmente, audiências de julgamento.
Se dos procedimentos passarmos para as pessoas, não será ousado dizer que centenas de milhares de pessoas tiveram, por essa razão, de reagendar as suas vidas. Haverá pior cartão de visita para a justiça do que este?

domingo, 10 de julho de 2022

Mário Ferreira

Mário Ferreira é o homem dos barcos. Além de ser muito rico, é o que dizem, tem pronúncia do Norte, possui dois canais televisivos, e o resto. No resto, e esse será o seu pecado capital, também cabe o passar por ser um dos ricos de António Costa. Vi uma sua entrevista com um dos inquisidores da SIC. Soube, sem dúvida, sobreviver.
Há uns dias, uma empresa de Mário Ferreira foi alvo de buscas no âmbito de um inquérito que, igual a tantos outros, se arrasta pelos anos. Por coincidência, com certeza, as buscas ocorreram no dia seguinte a saber-se que tinha obtido um avultado empréstimo veiculado pelo Plano de Recuperação e Resiliência. Coincidências destas deveriam preocupar a justiça.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Senhor arguido

Arguido não é nome nem título. A propósito, lembrei-me desta história que se passou com um amigo.
Académico distinto, foi indicado como testemunha numa ação cível. Entrado na sala de audiência, foi confrontado com o braço ostensivo do juiz e a não menos ostensiva pergunta Você aí, o que sabe disto?
Você ou arguido não são tratamentos adequados. Ainda que não sendo dos códigos, a educação, a boa, é, porém, um pressuposto.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

O SEF ainda existe?

No JN de ontem, destacava-se a existência de milhares de imigrantes com vidas suspensas à espera do SEF.
Há dias,  o DN noticiava que o SEF tem 23 bases de dados e a PJ não tem acesso a nenhuma.
A incapacidade para dar cumprimento à extinção do SEF tornou-se caricatural. Havendo serviços para enquadrar todas as atribuições que pertencem a esta entidade, torna-se difícil entender as razões pelas quais mais um propósito político se transformou numa novela.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

A diabolização dos recursos

Em 15 de dezembro de 2011, com o título Atrasos, recursos, escrevi o texto que transcrevo:
"Algo está mal na nossa justiça, quando permite tantos atrasos e recursos." É o que se escreve, hoje, no Público, a propósito do Caso Isaltino. A confusão entre atrasos e recursos era o que não esperaria de um jornal que se quer de referência. Os atrasos são sempre de quem os pode ter e se há quem os não possa ter são os arguidos. Os recursos não põem em causa a eficiência da justiça; são um instrumento essencial para que ela, a justiça, possa ser menos injusta. Ou dito de outro modo, mais justa.
Esta ideia persistente de que os recursos são a causa e não a consequência de uma justiça deficiente e incapaz de responder em tempo razoável, é civicamente perigosa. Aliás, está ligada a uma outra diabolização: a dos advogados.
Sobre estes escrevi, em 24 de novembro de 2011, com o título Manobras dilatórias, o texto que transcrevo:
De repente, a expressão ganhou foros de atualidade e tornou-se arma de arremesso contra a advocacia. O que é obviamente injusto. Os advogados cumprem prazos no interesse dos seus representados, e, quando os não cumprem, estes, os seus representados, sofrem as consequências. Insinuar que as prescrições do procedimento criminal são obra demoníaca dos advogados, por conta das fortunas que ganham, é uma injúria. As prescrições acontecem quando quem, tendo a obrigação de cumprir prazos, não os cumpre e desse incumprimento não resulta nenhuma consequência.
É preciso continuar a dizê-lo: os recursos são uma aquisição civilizacional e a advocacia é um pilar fundamental da justiça.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

CAIDJCV

Segundo o DN, os ministros da Administração Interna, da Justiça, da Educação, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Saúde assinaram um despacho conjunto que cria a Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta.
Integrando 14 elementos, este miniparlamento tem como principal objetivo a apresentação, no prazo de um ano, de propostas que visem a diminuição da delinquência juvenil e da criminalidade, em particular da sua severidade.
Não deixa de ser estranho que não integre a dita Comissão nenhum elemento do Ministério Público, quer na vertente da justiça dos menores, quer na vertente da justiça penal.
Por outro lado, conhecendo-se a urgência da situação, pode politicamente descansar-se sem a tomada de medidas a muito curto prazo, de pendor preventivo, que resultem da capacidade de auto-organização das diversas entidades locais, nomeadamente daquelas que cobrem as áreas geográficas mais críticas?

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Ler a decisão

Destaca o Jornal de Notícias na sua edição de hoje:
O Tribunal da Relação de Évora acaba de reduzir e suspender a pena de prisão efetiva aplicada pelo Tribunal de Setúbal a um professor de inglês, por entender que as carícias que este fez a alunas de sete anos, por debaixo das suas roupas, têm "cariz sexual", mas não constituem crime de abuso sexual.
Esta notícia tem suscitado uma indignação generalizada.
O acórdão pode e deve ser lido aqui.

Leituras



Começou por revogar todas as leis de Drácone*, excepto as que se referiam ao homicídio; excessivamente severas nas punições, só pronunciavam uma pena para todas as faltas: era a pena de morte. Os que eram acusados de ociosidade, os que apenas tinham roubado legumes ou frutos, eram punidos com o mesmo rigor que os sacrílegos e os homicidas.
Também, mais tarde, Démado dizia, com razão, que Drácone tinha escrito as suas leis, não com tinta, mas com sangue. Quando se perguntava a este legislador porque tinha estabelecido a pena de morte para todas as faltas, ele respondia: «Acho que as menores faltas merecem essa pena e não encontrei outra para as grandes».

*A legislação de Drácone foi promulgada cerca de 624 a.J.C; e a de Sólon, no ano de 593.

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sexta-feira, 10 de junho de 2022

Pinto Monteiro (1942-2022)

Como procurador-geral da República, e é enquanto tal que o posso testemunhar, Pinto Monteiro deu o melhor que soube num contexto que lhe foi, manifestamente, hostil.
À diabolização sindical e corporativa juntou-se o boicote do Conselho Superior do Ministério Público, paralisando, com êxito, os propósitos que pudesse ter tido.
De uma integridade antiga e de uma boa disposição natural, o acidente funcional que lhe calhou foi-lhe profundamente injusto.
É curioso, ou talvez não, que a comunicação populista não o tenha esquecido nem perdoado.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

A comissão 3

A comissão que investiga os abusos de natureza sexual no âmbito da Igreja Católica encontra-se em atividade há meses. Apesar disso, existe um imbróglio no que respeita às consultas dos diversos arquivos eclesiásticos, diligências obviamente importantes para a investigação.
Não deixa de ser insólito que a comissão tivesse iniciado as suas funções sem ter garantido a possibilidade de acessos aos arquivos, o que desde o seu início se deveria configurar como necessário e plausível.

terça-feira, 31 de maio de 2022

In absentia

Será possível que um qualquer cidadão possa ter tido os seus metadados legalmente devassados sem nunca o saber ou vir a saber? É. Quantos o foram, faltam os números. 
Se num inquérito em que foram utilizados os metadados e vier a ser deduzida uma acusação, o arguido sabê-lo-á. Se o inquérito for arquivado, o visado, tenha sido ou não constituído arguido, provavelmente não o saberá.
Esta ignorância do cidadão é despropositada e desproporcionada. O que se espera é que o legislador o venha a ter em consideração, determinando a obrigatoriedade de dar conhecimento ao visado daquela diligência investigatória em prazo em que esse conhecimento não prejudique a investigação ou logo após a cessação do segredo de justiça.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Ler a lei

 Artigo 449º do Código de Processo Penal

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

Artigo 126º do Código de Processo Penal

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

*Sublinhado minha responsabilidade


terça-feira, 17 de maio de 2022

A novela

As ondas de choque provocadas pela declaração de inconstitucionalidade das normas em vigor sobre o armazenamento e utilização dos metadados vão continuar; nem mesmo a aprovação de novas normas terá o condão de as fazer cessar.
As declarações do primeiro-ministro, no sentido de diminuir a sua relevância, no que diz respeito à violação da privacidade, em confronto com as escutas, não foram felizes. Num tempo em que vivemos pendurados nas comunicações dos mais variados tipos, a definição de um perfil de utilizador é tanto ou mais invasivo do que eventuais escutas, permitindo o conhecimento de uma vida em rede; que é cada vez mais a vida de cada um de nós.
Também não deveria ter afirmado, com tanta fé, que os casos em que houve decisões com trânsito em julgado não seriam afetadas. Se a utilização dos metadados foi o alfa e ómega de uma condenação, ou for tida como tal, muito haverá a discorrer na jurisprudência.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Uso, desuso e abuso

Sobre as leis, é também preciso saber o que fazemos com elas. Umas vezes, esquecemo-las; outras, mais do que o uso, fica-se perto do abuso.
As normas sobre o armazenamento dos metadados e o seu uso para efeitos de investigação criminal, agora consideradas inconstitucionais, seria um bom campo de reflexão sobre esta matéria, se fosse o acaso de se conhecerem os números e os contextos; o que não é o caso.
Nos quase 14 anos em que a lei esteve em vigor, em quantos inquéritos foram proferidos despachos judiciais para acesso aos mesmos? Em que fase do inquérito o foram? Em quantos inquéritos, com utilização desse instrumento, foram proferidos despachos de arquivamento? E em quantos foi deduzida acusação? Houve julgamentos em que esse elemento de prova foi tido em consideração?
O legislador parece ter querido parcimónia no seu uso. É o que se conclui do que estabeleceu no nº 1 do artigo 9, da Lei nº 32/2008:
A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
Haverá assim tantos crimes graves em que o acesso aos metadados é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter? Ou ter-se-á caído na banalização do uso de um meio de investigação que questiona, seriamente, a privacidade das comunicações?

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Desinformação

 ¿Cómo podría combatirse la desinformación que nos rodea y nos atropella?

Cultivando una desconfianza también frente a quienes se ofrecen a protegernos frente a ella.


quarta-feira, 4 de maio de 2022

Leituras

 

O seu legado deixou uma profunda mudança na investigação criminal e os resultados não parecem ter sido famosos. As mais estridentes investigações em megaprocessos, por tempo infindável, deixaram um mal-estar na sociedade, acabaram por acentuar a falta de confiança na justiça. Mas, pelo menos, o Dr. Cunha Rodrigues assumiu frontalmente a liderança do Ministério Público, ele era, de facto e de direito, quem mandava na corporação. E isto tinha o mérito de conhecermos o responsável pelo Ministério Público.
Os seus sucessores mostraram-se incapazes de liderar, o sistema feudal instalou-se, o sindicato reforçou o seu poder sobre uma instituição do Estado. O procurador Fernando Pinto Monteiro, um juiz com uma carreira de enorme mérito, uma personalidade corajosa e independente, reconheceu a sua impotência ao afirmar que tinha os poderes da rainha de Inglaterra.
O modelo é original, nenhuma democracia consolidada o seguiu.
O poder político não se atreve a mexer-lhe, os poderosos media que se alimentam dele não permitem que alguém ouse falar disso, veja-se o caso que aconteceu a Rui Rio quando ousou propor que o Conselho Superior do Ministério Público tivesse uma maioria de não magistrados.
Penso não me enganar ao dizer que o sistema veio para ficar. Continuaremos a eleger o presidente da  República, os deputados, os autarcas, mas nenhuma palavra temos a dizer sobre o poder judicial, embora se reconheça que funciona mal e não merece a confiança da maioria dos portugueses.

(Pags. 352/353)