terça-feira, 30 de março de 2021

Os nós do populismo judiciário

1.
No Jornal de Notícias, de 28 último, foi publicada uma entrevista com o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Desembargador Manuel Soares.
Com certeza por ser apelativa, o jornal chamou à primeira página a seguinte afirmação:
"Há pessoas que entraram pobres na política, saíram ricas e riem-se de nós*."
2.
Não sendo um nós majestático, há na declaração um abuso manifesto do nós plebeu.
Ainda que sendo poder, não tem o voto, democraticamente expresso nas urnas, para representar a vontade do nós.
Ainda que sendo poder, não lhe foi outorgada procuração que lhe permita substituir-se à vontade do nós.
A pluralidade do nós não é judiciária, é política.
A ideia de um poder judicial morolmente redentor é perigosa, como a história o demonstra.

*Negrito da minha responsabilidade

terça-feira, 23 de março de 2021

Alianças

A ministra da Justiça, em extensa entrevista ao PÚBLICO (21 de março), disse, en passant, algo de óbvio e anódino, sobre os casos de vacinação fora das regras estabelecidas: Há factos que podem condicionar as realidades que se verificaram. Claro que os casos terão de ser analisados um a um. Mas num contexto em que as doses se estragam se não forem usadas... É um problema de falta de programação. Admito que se tenham verificado situações em que faz mais sentido usar a vacina no senhor da pastelaria do que desperdiçá-la.
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o Correio da Manhã e o Observador, logo no dia seguinte, indignaram-se, como se a ministra da Justiça não tivesse a liberdade de se pronunciar nos termos em que o fez; como se a ministra da Justiça estivesse a tentar condicionar a investigação. Quando não há argumentos, também não há bom senso.

segunda-feira, 22 de março de 2021

A contaminação mediática

Francisco Proença de Carvalho, advogado, deu uma interessante entrevista ao advocatus que não pode nem deve ser ignorada. 
A jornalista Filipa Ambrósio de Sousa destacou, em título, uma declaração que remete para a preocupação do entrevistado sobre a influência mediática nas decisões judiciais; É uma ingenuidade achar que as decisões não são influenciadas pelo mediatismo.
É óbvio que, ao longo dos anos, o peso da indignação retórica tem tomado conta do jornalismo judiciário e invadiu as manhãs televisivas. Como diz Francisco Proença de Carvalho, seria importante que a comunidade compreendesse que a justiça não se faz apenas condenando. 
Da instauração do inquérito à prolação de uma decisão final em tribunal de recurso, a sindicância mediática, na generalidade dos casos, traz consigo um pré-juizo, uma afirmação de condenação antecipada, que perigosamente podem condicionar a realização da justiça.
Sem o pedestal social que uma democracia não consente, a justiça não o pode substituir pelo elevador mediático.

terça-feira, 16 de março de 2021

Um equívoco

aqui escrevi sobre a (des)necessidade de um(a) Secretário(a)-Geral de Segurança Interna. Volto ao tema face ao artigo publicado no DN, de 15 de fevereiro
Haverá um plano, aprovado por esta entidade, desde 2017, para "prevenir o recrutamento extremista e terrorista". Trata-se, porém, de um plano que deve estar guardado a sete chaves, desconhecendo-se, após quatro anos, "consequências e ações no terreno" que dele resultassem.
A criação do(a) SGSI foi um equívoco que nunca conseguiu vencer as fraturas existentes entre os diversos órgãos de polícia/investigação criminal. Apenas a inércia política pode justificar a atual situação.


domingo, 14 de março de 2021

Leituras

 

Fizemos grandes progressos no que respeita ao papel das bactérias na evolução e à sua interdependência no que toca aos seres humanos, que muito nos beneficia. O microbioma passou a fazer parte do modo como nos definimos, mas não existe nada de comparável quando nos referimos aos vírus. O problema começa na forma de os classificar e na compreensão do papel que desempenham na economia global da vida. Será que os vírus estão vivos? Não, não estão. Um vírus é um organismo vivo? Não, não é. Porque falamos então em «matar» vírus? Qual o panorama dos vírus no panorama biológico geral? Onde se enquadram na evolução? Porque provocam um tal caos entre os organismos realmente vivos? As respostas a estas perguntas são, com frequência, hesitantes e ambíguas, o que é desconcertante face ao sofrimento humano provocado pelos vírus. Comparar vírus e bactérias é um exercício que vale a pena fazer. Não há metabolismo energético nos vírus, nas ele existe nas bactérias; os vírus não produzem nem energia nem detritos, ao contrário das bactérias. Os vírus não iniciam qualquer movimento. São compostos por ácidos nucleicos - ADN ou ARN - e por algumas proteínas variadas.
Os vírus não conseguem reproduzir-se sozinhos, mas podem invadir organismos realmente vivos, apoderar-se dos seus sistemas vitais e multiplicar-se. Ou seja, não estão vivos, mas podem parasitar organismos vivos e criar uma «pseudo» vida, ao mesmo tempo que, na maioria dos casos, vão destruindo a vida que lhes permite dar continuidade à sua existência ambígua e promover a criação e a distribuição dos «seus» ácidos nucleicos. E, nesse ponto, pese embora o seu estatuto de organismo não-vivo, não podemos negar que os vírus possuem alguma da inteligência não-explícita que anima todos os organismos vivos, a começar pelas bactérias. Os vírus possuem uma competência oculta que só se manifesta quando encontram as condições propícias.

(Páginas 40/41)

quinta-feira, 4 de março de 2021

Cartilhas

Durante muitos anos, só conheci a cartilha maternal; com o aumento exponencial do comentarismo futebolístico, passei a conhecer a cartilha clubística; em tempos de crise de saúde pública, após a leitura do artigo de Pedro Tadeu, no DN, descubro a cartilha pandémica.