Acreditamos
que este breve périplo pelas origens do direito moderno português não pode
deixar de produzir, em todas as mulheres, uma marcada sensação de humilhação
porque ilustra e demonstra o discurso oficial e declarado, que remetia a mulher
a um estatuto que pouco a distanciava do de um animal de companhia, não fossem
as suas utilidades domésticas e procriativas. Social e juridicamente, todas as
mulheres foram agrupadas numa mesma categoria indiferenciada e universal,
desconsiderando as particularidades dos seus reais contextos e aptidões. O
homem tinha classe social, profissão, função na família (chefe de família, bom
pai de família, primogénito, varão, marido). Já a ideia da mulher era homogénea,
atribuindo-se-lhe uma identidade uniforme, forjada desde presunções de
incapacidade, de subordinação ao homem e de existência dependente, isto é, de
existência justificada na exclusiva medida da relação com o masculino, e nunca
autonomamente. A mulher, quando especialmente referida, é relevada como
incapaz, virgem, viúva honesta ou mulher adúltera, portanto, sempre sendo
sublinhada a sua diminuição e a sua relação em relação – sexual, conjugal ou
sucessória – com o homem.
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