sexta-feira, 11 de março de 2016

Leituras

Marcello não deixou, porém, de mostrar desde o início as diferenças que tinha em relação a Salazar, adoptando um novo estilo que surpreendeu os portugueses, habituados à figura austera e ausente do ditador. Marcello, pelo contrário, aparecia constantemente na imprensa, deixando-se fotografar no seu gabinete de trabalho e até em ambiente familiar, e trocava graças com os jornalistas, procurando assim manter uma certa proximidade com a imprensa, mesmo entre elementos que eram desafectos do regime.
Assim, logo no dia da tomada de posse, o Diário de Lisboa registava o novo estilo do presidente do Conselho:
«Misturado no trânsito da manhã, sem qualquer escolta, a não ser a dos carros dos jornalistas, o "Mercedes 230-S" do sr. prof. Marcello Caetano atravessou a cidade e deteve-se às 11 horas diante do Palácio de São Bento, onde o novo Chefe do Governo foi fazer a sua primeira visita aos presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa. Viajou do lado direito da parte traseira do seu carro pessoal, conduzido pelo sr. António da Veiga Lopes, de 29 anos, seu motorista particular há sete meses.
A viagem entre a Rua Duarte Lobo, onde o sr. prof. Marcello Caetano reside, no nº 46, e o Palácio de São Bento demorou pouco mais de 10 minutos, decorrendo sem pressas, ao sabor do trânsito das ruas da cidade.
Ao descer do carro, para subir a escadaria do Parlamento, o novo Presidente do Conselho conversou afavelmente com os jornalistas. Tendo-lhe sido perguntado se iria almoçar a casa, respondeu com bom humor.
-Porque não? Porque não havia de fazê-lo?
E em seguida, sorridente:
- A não ser que vocês não me deixem.
O sr. prof. Marcello Caetano explicou depois que pretendia fazer uma vida tão normal quanto lhe fosse possível, afirmando, visivelmente bem-disposto, que os jornalistas deviam começar a habituar-se à ideia de passar a vê-lo frequentemente. E comentou:
- Temos que fazer um pacto...
E subiu as escadarias, dirigindo-se para o elevador situado à esquerda do palácio, no interior do edifício.»

(pgs.465/465)