segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Implacável

Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, em entrevista ao Expresso*, e num contexto de análise de políticas de imigração, afirmou: A justiça deve ser implacável contra o crime e os criminosos sejam eles de que origem forem. Esta afirmação teve um um especial destaque na edição.
Socorrendo-me do Grande Dicionário da Língua Portuguesa**, encontro para a palavra implacável os significados: que se não pode aplacar, inexorável, inflexível, que não se perdoa, que persegue constantemente.
Todos estas qualidades são próprias de uma justiça de regimes que não respeitam a dignidade humana: com natureza inquisitorial e/ou discriminação étnica.
A tentação do implacável, tão próxima da vingança e do discurso populista, não pode caber no discurso de quem defende valores democráticos.

* Expresso, de 24/1/2025
** Coordenação de José Pedro Machado

sábado, 25 de janeiro de 2025

Outra absolvição autárquica


O Tribunal de Vila Real absolveu o ex-presidente da Câmara Municipal de Ribeira de Pena, Rui Vaz Alves, dos crimes de prevaricação, participação económica em negócio e falsificação de documento. Na leitura do acórdão, esta sexta-feira, a juíza presidente justificou a decisão com as muitas dúvidas com que ficou.
Além do ex-autarca socialista, o tribunal também julgou no mesmo processo José Bastos, chefe de divisão das obras municipais na Câmara de Ribeira de Pena, e Maria da Graça Mota, proprietária da empresa de construção civil e obras públicas Pavipena. Ambos foram também absolvidos dos crimes de prevaricação, participação económica em negócio e falsificação de documento. 
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP), entre 2016 e 2017, o antigo autarca e o chefe de divisão, em conluio com a empresária e construtora, determinaram e executaram 12 obras públicas sem qualquer procedimento de contratação pública prévio. O MP pediu a condenação dos três arguidos, com a pena mais alta para o ex-presidente, porque foi titular de um cargo público, e considerou que ficaram provados os factos que constam na acusação e que se verificou uma “subversão total do princípio da legalidade e dos deveres” e uma “total falta de pudor”.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Sensações

Os crimes praticados no âmbito doméstico estão para além da rua do Benformoso. A sensação é a de que, falhando a prevenção, as autoridades chegam sempre tarde. Que o digam as mulheres mortas apesar das denúncias que fizeram.
As consequências, em vidas e danos corporais relevantes, dos crimes rodoviários têm uma dimensão que ultrapassa a de todos os outros crimes. Que me lembre, nunca couberam nos discursos de abertura dos anos judiciais. A sensação é a de que, na contabilidade da justiça penal, não deverão contar muito.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A falsa moderação


"Só mesmo um primeiro ministro irresponsável, em permanente campanha eleitoral, mais preocupado em competir com a sua Direita do que em fazer o seu trabalho pode dizer que os extremos saíram à rua no passado dia dez. Quem saiu à rua foram milhares de humanistas, preocupados com os mais frágeis e com a nossa democracia, além de meia dúzia de fascistas que alimentam o ódio e pregam a desinformação e que quiseram roubar-lhes o protagonismo.
Que um primeiro-ministro escolha fazer equivaler as duas coisas, como se o racismo fosse o mesmo que o antirracismo, como se os que querem destruir a democracia pudessem equiparar-se aos democratas que desceram a avenida, e como se ele estivesse num ponto de neutralidade, é muito preocupante. Se ele fosse moderado, como se autointitulou, deveria estar do lado da democracia e da igualdade. Essa terceira posição é o quê, afinal? Ser eleito por um partido democrata e cumprir a agenda do Chega? A verdade é que, no fim de contas, ser neutro perante as injustiças é estar do lado errado da história, com a agravante da cobardia de não assumir a convicção."

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Síntese da sessão solene

Acabada a sessão solene da abertura do Ano Judicial (2025), o que ficará do turbilhão das palavras solenes não serão as palavras, mas será, com certeza, o desencontro entre o presidente da Assembleia da República e a ministra da Justiça; o que sendo politicamente muito, é judicialmente pouco.
Por omissão, dir-se-á que a sessão também teve os seus pecados. Seria de esperar que as condições carcerárias existentes em Portugal, já objeto de decisões judiciais no âmbito dos direitos humanos, tivessem merecido alguma reflexão. E que reflexão não menos relevante tivesse tido a proposta de uma amnistia/perdão subscrita por responsáveis da Igreja Católica.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Não foi convidado

Os promotores da abertura solene do Ano Judicial, contrariando o que era habitual, decidiram não convidar o Patriarca de Lisboa para a respetiva sessão. A Igreja Católica deveria estar-lhes agradecida. Aliás, há muito que à Igreja se impunha que tivesse tido a iniciativa de não estar presente.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Perdão

"o que pedimos é um perdão de penas, de aplicação ampla, de âmbito generalizado e de dimensão significativa. Até porque, como católicos, não podemos defender qualquer discriminação de reclusos e de crimes. O perdão de penas deve ser para todos, na linha daquela que tem sido a posição da Igreja, que acolhe todos, todos, todos”



sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

As gémeas portuguesas


"Os portugueses não são racistas, xenófobos ou praticantes de qualquer tipo de discriminação étnica. Apenas gente muito mal-intencionada, pouco patriótica e empenhada em denegrir-nos pode afirmar ou praticar o contrário. Quando muito, como em tempos explicou o senhor presidente da República numa entrevista, o que há são “imensos traços que têm que ver com o império”.
Entre aqueles “imensos traços” imperiais há de contar-se a prática generalizada de designar como “gémeas luso-brasileiras” as duas crianças que, em 2020, foram tratadas num hospital de Lisboa com um medicamento bastante dispendioso. O caso gerou controvérsia, conforme é público, e até hoje, sempre que alguma notícia o ressuscita, aquelas detentoras de cartão de cidadão português continuam a ser objeto de discriminação. Mas, independentemente da necessidade de averiguar se o referido tratamento médico obedeceu a todas as regras legais e éticas, nada justifica que aquelas duas cidadãs nacionais continuem a ser segregadas por quase todos os jornalistas e pelos órgãos de comunicação social - a menos que queiramos ver neste exercício de linguagem uma manifestação genuína do racismo e da xenofobia dos portugueses, tradicionalmente mais discretos e envergonhados.
Nenhum jornalista ou cidadão se lembra, todavia, de dizer que o guarda-redes do FCP e da seleção nacional é luso-suíço, apesar de ter nascido em Rothrist. Kátia Guerreiro nunca foi designada como “a fadista luso-sul-africana”. A ninguém ocorre invocar a condição luso-austríaca da presidente da Câmara de Almada, do mesmo modo que a expressão “os irmãos luso-franceses” não é comummente usada para descrever os cantores Mickael e David Carreira
Menos sorte tem o ex-futebolista Pepe, o qual não poucas vezes continua, para alguma comunicação social, a ser tão “luso-brasileiro” quanto as gémeas, mesmo depois de 141 jogos pela seleção lusa. Mas são portugueses os três - e ponto final. Tão portugueses como aqueles que insistem em discriminá-los. Têm um documento de identificação idêntico e não impende sobre eles qualquer limitação de cidadania.”

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Ora essa!

"O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, «A Relíquia», Paio Pires a falar francês, é um documento doloroso. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queirós, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante. de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista."

Fernando Pessoa, Opinião Pública, Esteio e Vício das Sociedades Modernas e outros textos, pag. 61

sábado, 4 de janeiro de 2025

Comunicação em excesso

Da revista Sábado, de 19/25 de dezembro, página 22:

O comunicado da PJ sobre a detenção em Itália de Shergili Farjiani, um dos fugitivos de Vale dos Judeus, também faria corar de vergonha o próprio Geppetto.
Como fazia o boneco ficcional italiano, também a Judiciária mentiu descaradamente quando anunciou que a detenção fortuita do fugitivo tinha na origem um "persistente, complexo e ininterrupto" trabalho dos polícias cá do burgo. E o tamanho do nariz do nariz da mentira foi tal que ainda se deu a entender que a PJ tinha montado a operação com o auxílio das autoridades italianas.

Do Obeservador, de 3 de janeiro:

Na quinta-feira, a propósito da investigação que a Polícia Judiciária está a fazer à morte do homem de 43 anos, na Cova da Moura, Amadora, fonte da Direção Nacional da PJ adiantou à Lusa que “o relatório está concluído e entregue no Ministério Público”, acrescentando que a investigação foi entregue “antes do Natal”. Esta sexta-feira, em resposta à Lusa a PGR informou que “não se confirma a receção do relatório da Polícia Judiciária”.
Um membro da Direção Nacional da PJ reconheceu que "informou indevidamente" a Lusa. 


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Um país saturado de palavras

O Professor Marcelo, quer na qualidade de comentador, quer na de presidente, deu um contributo relevante. De tanto gastar as palavras, o que diz, na opinião do comentariado, precisa de ser lido nas entrelinhas. Nas entrelinhas precisa também de ser lido o comentariado. Montenegro compreendeu esta disfunção política, preferindo o silêncio da indiferença a uma colaboração estratégica que na peregrinação de Costa foi patética.