"Os portugueses não são racistas, xenófobos ou praticantes de
qualquer tipo de discriminação étnica. Apenas gente muito
mal-intencionada, pouco patriótica e empenhada em denegrir-nos pode
afirmar ou praticar o contrário. Quando muito, como em tempos
explicou o senhor presidente da República numa entrevista, o que há
são “imensos traços que têm que ver com o império”.
Entre aqueles “imensos traços” imperiais há
de contar-se a prática generalizada de designar como “gémeas
luso-brasileiras” as duas crianças que, em 2020, foram tratadas
num hospital de Lisboa com um medicamento bastante dispendioso. O
caso gerou controvérsia, conforme é público, e até hoje, sempre
que alguma notícia o ressuscita, aquelas detentoras de cartão de
cidadão português continuam a ser objeto de discriminação. Mas,
independentemente da necessidade de averiguar se o referido
tratamento médico obedeceu a todas as regras legais e éticas, nada
justifica que aquelas duas cidadãs nacionais continuem a ser
segregadas por quase todos os jornalistas e pelos órgãos de
comunicação social - a menos que queiramos ver neste exercício de
linguagem uma manifestação genuína do racismo e da xenofobia dos
portugueses, tradicionalmente mais discretos e envergonhados.
Nenhum jornalista ou cidadão se lembra, todavia,
de dizer que o guarda-redes do FCP e da seleção nacional é
luso-suíço, apesar de ter nascido em Rothrist. Kátia Guerreiro
nunca foi designada como “a fadista luso-sul-africana”. A ninguém
ocorre invocar a condição luso-austríaca da presidente da Câmara
de Almada, do mesmo modo que a expressão “os irmãos
luso-franceses” não é comummente usada para descrever os cantores
Mickael e David Carreira
Menos sorte tem o ex-futebolista Pepe, o qual não poucas vezes
continua, para alguma comunicação social, a ser tão
“luso-brasileiro” quanto as gémeas, mesmo depois de 141 jogos
pela seleção lusa. Mas são portugueses os três - e ponto final.
Tão portugueses como aqueles que insistem em discriminá-los. Têm
um documento de identificação idêntico e não impende sobre eles
qualquer limitação de cidadania.”