sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

As gémeas portuguesas


"Os portugueses não são racistas, xenófobos ou praticantes de qualquer tipo de discriminação étnica. Apenas gente muito mal-intencionada, pouco patriótica e empenhada em denegrir-nos pode afirmar ou praticar o contrário. Quando muito, como em tempos explicou o senhor presidente da República numa entrevista, o que há são “imensos traços que têm que ver com o império”.
Entre aqueles “imensos traços” imperiais há de contar-se a prática generalizada de designar como “gémeas luso-brasileiras” as duas crianças que, em 2020, foram tratadas num hospital de Lisboa com um medicamento bastante dispendioso. O caso gerou controvérsia, conforme é público, e até hoje, sempre que alguma notícia o ressuscita, aquelas detentoras de cartão de cidadão português continuam a ser objeto de discriminação. Mas, independentemente da necessidade de averiguar se o referido tratamento médico obedeceu a todas as regras legais e éticas, nada justifica que aquelas duas cidadãs nacionais continuem a ser segregadas por quase todos os jornalistas e pelos órgãos de comunicação social - a menos que queiramos ver neste exercício de linguagem uma manifestação genuína do racismo e da xenofobia dos portugueses, tradicionalmente mais discretos e envergonhados.
Nenhum jornalista ou cidadão se lembra, todavia, de dizer que o guarda-redes do FCP e da seleção nacional é luso-suíço, apesar de ter nascido em Rothrist. Kátia Guerreiro nunca foi designada como “a fadista luso-sul-africana”. A ninguém ocorre invocar a condição luso-austríaca da presidente da Câmara de Almada, do mesmo modo que a expressão “os irmãos luso-franceses” não é comummente usada para descrever os cantores Mickael e David Carreira
Menos sorte tem o ex-futebolista Pepe, o qual não poucas vezes continua, para alguma comunicação social, a ser tão “luso-brasileiro” quanto as gémeas, mesmo depois de 141 jogos pela seleção lusa. Mas são portugueses os três - e ponto final. Tão portugueses como aqueles que insistem em discriminá-los. Têm um documento de identificação idêntico e não impende sobre eles qualquer limitação de cidadania.”