Agosto, 7 (1968)
Outro que morreu antes: o Albano Cunha. Em Madrid, onde fora integrado numa excursão; e de colapso súbito, dizem os jornais. Telefonei, agora mesmo, para casa dele: o corpo chega às 16h à Portagem. É tudo o que fazemos: vamo-nos enterrando uns aos outros, como se acompanhássemos a Nação a Alcácer Quibir.
Era um homem respeitado pela sua firmeza, senão dureza. Fizera-se a si mesmo: empregado comercial, estudos nocturnos, aluno voluntário, etc. Quem lhe poderia exprobrar a dureza, assim? Mesmo na cadeia, ganhava a sua vida compilando os acórdãos do Supremo, que publicava em fascículos, para uso da classe. A fim de o fazer, recordo-me de que, numa ocasião em que fomos «comensais» em Caxias, ele escolhera ir para a «sala especial», o que nem todos aceitaram de boamente.
Ficou célebre um episódio das suas paragens pelos salazaretos: tendo-se suicidado dias antes um preso, atirando-se por uma janela do 3º andar da António Maria Cardoso (só mais tarde, devido a vários casos desses, os caixilhos passaram a ser «em papeleiras»), o pidesco que o interrogava disse-lhe:
- Se não quer responder, o melhor caminho que tem é fazer o mesmo que o outro, para seu descanso...
E apontou-lhe a vidraça escancarada. O Albano, que tinha um vozeirão, soltou-lhe uma gargalhada sarcástica, que repercutiu por toda a casa... Era, assim, coerente com a mentalidade «coimbrã» da linha dura, ou seja, dos que supõem que o fundamental é manifestar uma subjectividade monolítica. Quando fiz, no Ateneu de Coimbra, o meu colóquio sobre Raul Brandão, foi dos que «reagiram», sem êxito já se vê. ELE tinha esse direito, porém.
Passou pela pena maior e pelas medidas de segurança - a «promoção» que sempre evitei... Tinha pouca clientela como advogado, parece, mas as publicações jurídicas davam-lhe para viver com relativo desafogo. Por demais, não tinha filhos.
O seu megafone vai fazer falta nas Constituintes! É negro o humor que assim assinala que algo de mim morre com ele também - e com todos os outros. Mas não é essa a cor do luto?
Outro que morreu antes: o Albano Cunha. Em Madrid, onde fora integrado numa excursão; e de colapso súbito, dizem os jornais. Telefonei, agora mesmo, para casa dele: o corpo chega às 16h à Portagem. É tudo o que fazemos: vamo-nos enterrando uns aos outros, como se acompanhássemos a Nação a Alcácer Quibir.
Era um homem respeitado pela sua firmeza, senão dureza. Fizera-se a si mesmo: empregado comercial, estudos nocturnos, aluno voluntário, etc. Quem lhe poderia exprobrar a dureza, assim? Mesmo na cadeia, ganhava a sua vida compilando os acórdãos do Supremo, que publicava em fascículos, para uso da classe. A fim de o fazer, recordo-me de que, numa ocasião em que fomos «comensais» em Caxias, ele escolhera ir para a «sala especial», o que nem todos aceitaram de boamente.
Ficou célebre um episódio das suas paragens pelos salazaretos: tendo-se suicidado dias antes um preso, atirando-se por uma janela do 3º andar da António Maria Cardoso (só mais tarde, devido a vários casos desses, os caixilhos passaram a ser «em papeleiras»), o pidesco que o interrogava disse-lhe:
- Se não quer responder, o melhor caminho que tem é fazer o mesmo que o outro, para seu descanso...
E apontou-lhe a vidraça escancarada. O Albano, que tinha um vozeirão, soltou-lhe uma gargalhada sarcástica, que repercutiu por toda a casa... Era, assim, coerente com a mentalidade «coimbrã» da linha dura, ou seja, dos que supõem que o fundamental é manifestar uma subjectividade monolítica. Quando fiz, no Ateneu de Coimbra, o meu colóquio sobre Raul Brandão, foi dos que «reagiram», sem êxito já se vê. ELE tinha esse direito, porém.
Passou pela pena maior e pelas medidas de segurança - a «promoção» que sempre evitei... Tinha pouca clientela como advogado, parece, mas as publicações jurídicas davam-lhe para viver com relativo desafogo. Por demais, não tinha filhos.
O seu megafone vai fazer falta nas Constituintes! É negro o humor que assim assinala que algo de mim morre com ele também - e com todos os outros. Mas não é essa a cor do luto?