sábado, 26 de dezembro de 2009
Os passos em volta da Justiça
No próximo ano, os passos em volta da Justiça não serão muito diferentes. Nem será muito diferente o discurso exaltado de uns tantos e o silêncio subserviente de tantos outros. Os temas serão os mesmos e, talvez pior, os protagonistas também. Mudou o ministro da Justiça, mas não mudaram os seus interlocutores.
Não sendo altas as expectativas, seria bom que nos esperassem algumas surpresas.
A corrupção, incluindo a das retóricas, permanecerá, e o segredo de justiça e a sua violação serão incontornáveis. Fazem parte desse caldo de cultura que só a ética e a prevenção conseguirão resolver. A morosidade, atávica e transversal às diversas jurisdições, vai continuar a ser um valor em alta. Poderia merecer uma intervenção esclarecida, mas o conceito de gestão não será fácil de introduzir na opacidade do sistema. A justiça na hora ou a cobrança eficiente dos créditos não deixarão de ser uma miragem. A palavra escrita continuará a valer mais do que a oralidade da palavra. Escrever muito e ouvir pouco parece ser a pedagogia de juízes e procuradores.
O Governo cederá às tentações de sempre. O Código de Processo Penal será mais uma vez esquartejado e o agravamento das penas terá a notoriedade das primeiras páginas. Entretanto, a eficácia policial continuará a medir-se pelo número de comunicados emitidos. O mapa judiciário avançará sem ilusões e esperemos que a informatização judiciária não se atrase em sobressaltos. O ano próximo não se afigura promissor para a justiça, minúscula e desacreditada.
A justiça nunca se governará contra os seus agentes. Mas é verdade também que ninguém a governará se os seus agentes não aceitarem a legitimidade da governação. O que parece ser o nó do problema. Seria a surpresa, a boa surpresa, se o Dr. Alberto Martins conseguisse desatar este nó. A degradação real da justiça não consente a continuação do impasse.
Em livro recente (“Recado a Penélope”, Editora Sextante, 2009), Cunha Rodrigues faz uma análise serena sobre uma justiça triste. Apesar de ser a mais actual e a melhor reflexão sobre o que ela é e o que deveria ser, passou, manifestamente, ao lado dos discursos oficiais e oficiosos.
A justiça sempre conviveu mal com o imediato e com o mediatismo, mas essa será uma realidade a que não conseguirá escapar.
Tanto resiste à reforma como à reflexão no conservadorismo que lhe é peculiar.
Não virá aí um tempo de mudanças, talvez de remendos. O contexto económico e o pretexto político vão nesse sentido. Sem encargos e com alguns dividendos, a alteração do período das férias judiciais terá o sinal indelével do diálogo. Do bom ou do mau diálogo, é o que ficaremos sem saber.
Publicado em PROSPECT 2100, revista do Diário Económico
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
ADNs
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Arrogância
Ciclicamente, figuras gradas do Ministério Público, ou tidas como tal, disparam na direcção dos políticos, repassando o discurso da escassez dos meios legais e materiais. Não sei se concertadas, não sei se obedecendo a idênticos propósitos, a verdade é que, aos olhos do comum dos cidadãos, tais disparos apenas vinculam o Ministério Público a uma imagem de arrogância que não consegue disfarçar uma pública e publicada incompetência.
Não temos, em Portugal, análises confiáveis que permitam grandes reflexões sobre o crime, os seus protagonistas, as leis, os impactes destas sobre aquele ou sobre aqueles, as investigações, os julgamentos, ou seja, sobre a justiça penal entendida na multiplicidade das suas etapas. O que se vai dizendo, mais não são do que palpites, impressões, e, por vezes, óbvios disparates. O Ministério Público nunca avançou, no âmbito das suas competências, para essas análises, nunca soube, no mínimo, avaliar o seu próprio trabalho.
Por isso mesmo, seria expectável que figuras gradas do Ministério Público, ou tidas como tal, fossem criteriosamente mais didácticas nas suas intervenções e menos compulsivas nas suas conclusões. Há um caminho que o Ministério Público tem de fazer caminhando, mas parece que há quem prefira o imobilismo da retórica.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Da peita à corrupção
Peitar era o verbo e conjugava-se caso a caso.
Quando o caso passou a fenómeno, o que ocorreu com a crescente complexidade das economias e com a afirmação ética das democracias, passámos a ter a corrupção na retórica do quotidiano.
A resposta legislativa foi rápida, gerou consensos e justificou políticas e políticos.
Da corrupção para acto lícito à corrupção para acto lícito, do desporto ao comércio, tudo parece ter sido previsto.
A verdade, porém, é que há a percepção de que pouco parece ter sido prevenido e, muito menos ainda, sancionado.
É no confronto com a realidade que o propósito político mostra a sua insuficiência.
A justiça encontra-se condicionada ao acaso de cada caso, sem uma estratégia global que vai de uma eficaz capacidade preventiva à detecção e desarticulação das condições que favorecem a corrupção.
O Ministério Público, por culpas próprias e alheias, não conseguiu preencher o vazio criado com a extinção da Alta Autoridade contra a Corrupção.
É assim que estamos há muitos anos e passados que são muitos protagonistas.
Como o tenho defendido repetidamente, a questão não é de meios mas de direcção, organização e articulação.
Integrando-se a corrupção nesse mundo complexo do crime económico, a ela não podem ficar indiferentes as várias instâncias de controlo da actividade económica e financeira.
Como escreveram Jean-Luc Bacher e Nicolas Queloz, “on sait que la menace de sanctions informelles semble avoir plus d`effet sur certains délinquants économiques potentiels que les sanctions strictement pénales.” (1)
Um combate sério e eficaz à corrupção é um combate ao fenómeno nas suas múltiplas perspectivas.
É esse o caminho que está por andar.
(1) Traité de sécurité intérieur, 2007, pag.233
domingo, 6 de dezembro de 2009
A discreta eficiência da GNR
A GNR, em poucos anos, tornou-se um parceiro decisivo na investigação criminal. Aliando a uma crescente qualificação técnica uma coesão funcional invejável, o trabalho que tem vindo a desenvolver não pode deixar de merecer o reconhecimento social. Com uma implantação em todo o território nacional, a sua actividade é amplamente diversificada, tanto na investigação dos ilícitos mais comuns como na dos crimes mais sofisticados e complexos. Sem parangonas, sem compromissos doentios com a comunicação social, é um exemplo de exigência ética numa área em que há tanta falta dela.