No próximo ano, os passos em volta da Justiça não serão muito diferentes. Nem será muito diferente o discurso exaltado de uns tantos e o silêncio subserviente de tantos outros. Os temas serão os mesmos e, talvez pior, os protagonistas também. Mudou o ministro da Justiça, mas não mudaram os seus interlocutores.
Não sendo altas as expectativas, seria bom que nos esperassem algumas surpresas.
A corrupção, incluindo a das retóricas, permanecerá, e o segredo de justiça e a sua violação serão incontornáveis. Fazem parte desse caldo de cultura que só a ética e a prevenção conseguirão resolver. A morosidade, atávica e transversal às diversas jurisdições, vai continuar a ser um valor em alta. Poderia merecer uma intervenção esclarecida, mas o conceito de gestão não será fácil de introduzir na opacidade do sistema. A justiça na hora ou a cobrança eficiente dos créditos não deixarão de ser uma miragem. A palavra escrita continuará a valer mais do que a oralidade da palavra. Escrever muito e ouvir pouco parece ser a pedagogia de juízes e procuradores.
O Governo cederá às tentações de sempre. O Código de Processo Penal será mais uma vez esquartejado e o agravamento das penas terá a notoriedade das primeiras páginas. Entretanto, a eficácia policial continuará a medir-se pelo número de comunicados emitidos. O mapa judiciário avançará sem ilusões e esperemos que a informatização judiciária não se atrase em sobressaltos. O ano próximo não se afigura promissor para a justiça, minúscula e desacreditada.
A justiça nunca se governará contra os seus agentes. Mas é verdade também que ninguém a governará se os seus agentes não aceitarem a legitimidade da governação. O que parece ser o nó do problema. Seria a surpresa, a boa surpresa, se o Dr. Alberto Martins conseguisse desatar este nó. A degradação real da justiça não consente a continuação do impasse.
Em livro recente (“Recado a Penélope”, Editora Sextante, 2009), Cunha Rodrigues faz uma análise serena sobre uma justiça triste. Apesar de ser a mais actual e a melhor reflexão sobre o que ela é e o que deveria ser, passou, manifestamente, ao lado dos discursos oficiais e oficiosos.
A justiça sempre conviveu mal com o imediato e com o mediatismo, mas essa será uma realidade a que não conseguirá escapar.
Tanto resiste à reforma como à reflexão no conservadorismo que lhe é peculiar.
Não virá aí um tempo de mudanças, talvez de remendos. O contexto económico e o pretexto político vão nesse sentido. Sem encargos e com alguns dividendos, a alteração do período das férias judiciais terá o sinal indelével do diálogo. Do bom ou do mau diálogo, é o que ficaremos sem saber.
Publicado em PROSPECT 2100, revista do Diário Económico