terça-feira, 28 de abril de 2015

Leituras


A mulher avança na sua evolução, adquire personalidade dia a dia, luta e esforça-se, não recua perante os problemas, dá a cara à vida. Perante esta mudança, o homem espanta-se, assusta-se e suspira pelos tempos em que ela tinha por único ideal satisfazer as suas exigências eróticas e domésticas. Em alguns casos exacerbados o espanto torna-se uma reação brutal de ódio e rancor: a sua dignidade de galo não pode admitir que uma mulher – uma mulher! – não dedique a sua existência apenas a servi-lo. É uma afronta que se torna rapidamente pessoal.
É isso que explica alguns dos chamados crimes passionais, que de amor nada têm.
Dantes, o homem tinha ciúmes de outro homem; agora começa a ter ciúmes desse ideal que a mulher vive nas suas costas.
Contra isso só vemos um remédio: a comunidade de ideais, a integração espiritual da vida de ambos.
É preciso que o homem se dê conta de que a mulher de hoje não pode já ser conquistada com a promessa de um futuro social próspero e tranquilo. A bela adormecida não esperou pelo beijo do príncipe para acordar, e agora sai do seu castelo, cheia de energia, ansiosa por construir o seu mundo.
Essa mulher nova não sente hostilidade nem rancor pelo homem, porque não se sente escravizada a ele. Exige-lhe, apenas, um espírito digno do seu: pede-lhe, em vez do colar de Mefistófeles, um ideal que dê perspectiva às suas vidas, unidade efectiva à sua união.
Foi tão rápida essa viragem da mulher nas suas exigências que o homem, desnorteado, inadaptado, não sabe – na maioria das vezes – ou não quer corresponder-lhe. Mas pelo menos que não nos matem!


(pags. 84/85)
 
Nota: este texto foi publicado, em 25 de outubro de 1928, no jornal El Liberal; María Zambrano tinha 24 anos.