1.
Logo pela manhã, fui interpelado por uma pergunta do Público: Como irá votar Sócrates? E para
que não houvesse dúvidas pela pertinência da pergunta, a merecer destaque de
primeira página, adiantava-se que “a questão é complexa”.
Há anos que se realizam eleições com arguidos em
situação processual idêntica à de Sócrates. É para ficar perplexo: esses arguidos outros não foram, não são,
merecedores de idêntica interrogação? Foram esquecidos no âmbito das
preocupações democráticas? Não há jurisprudência sobre a matéria? A Comissão
Nacional de Eleições ainda não descortinara a questão? Ou a questão nunca foi
suscitada por que dizia, diz, respeito apenas a arguidos
outros?
2.
Ainda que de modo singelo, não posso deixar de dar o
meu contributo cívico.
A Sócrates e aos arguidos
outros foi aplicada uma medida de coação que se traduz na obrigação de
permanência na habitação.
Tem a mesma natureza obrigacional daquelas medidas de
coação que se traduzem na proibição da frequência de certos locais ou na
proibição de contactos com determinadas pessoas.
Tal medida, só por ignorância ou justicialismo
mediático, tem sido traduzida por prisão domiciliária; não o é nem o poderia
ser.
Não há maior espaço de liberdade do que a habitação
de cada um.
Sócrates ou os arguidos
outros podem ser desonerados dessa obrigação mediante autorização judicial.
Que razões poderiam justificar que não fosse
concedida autorização para que Sócrates ou os arguidos outros se deslocassem às assembleias de voto para o exercício
de um direito que é fundador da democracia e da dignidade?
3.
Questão diferente é a de saber se a deslocação à
assembleia de voto implica que Sócrates ou os arguidos outros sejam sujeitos a tutela policial.
A solução estará em saber se a lei consente que a
medida de permanência na habitação venha a tornar esta, a habitação, numa aparência de estabelecimento prisional.