segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um contributo cívico

1.
Logo pela manhã, fui interpelado por uma pergunta do Público: Como irá votar Sócrates? E para que não houvesse dúvidas pela pertinência da pergunta, a merecer destaque de primeira página, adiantava-se que “a questão é complexa”.
Há anos que se realizam eleições com arguidos em situação processual idêntica à de Sócrates. É para ficar perplexo: esses arguidos outros não foram, não são, merecedores de idêntica interrogação? Foram esquecidos no âmbito das preocupações democráticas? Não há jurisprudência sobre a matéria? A Comissão Nacional de Eleições ainda não descortinara a questão? Ou a questão nunca foi suscitada por que dizia, diz, respeito apenas a arguidos outros?
2.
Ainda que de modo singelo, não posso deixar de dar o meu contributo cívico.
A Sócrates e aos arguidos outros foi aplicada uma medida de coação que se traduz na obrigação de permanência na habitação.
Tem a mesma natureza obrigacional daquelas medidas de coação que se traduzem na proibição da frequência de certos locais ou na proibição de contactos com determinadas pessoas.
Tal medida, só por ignorância ou justicialismo mediático, tem sido traduzida por prisão domiciliária; não o é nem o poderia ser.
Não há maior espaço de liberdade do que a habitação de cada um.
Sócrates ou os arguidos outros podem ser desonerados dessa obrigação mediante autorização judicial.
Que razões poderiam justificar que não fosse concedida autorização para que Sócrates ou os arguidos outros se deslocassem às assembleias de voto para o exercício de um direito que é fundador da democracia e da dignidade?
3.
Questão diferente é a de saber se a deslocação à assembleia de voto implica que Sócrates ou os arguidos outros sejam sujeitos a tutela policial.
A solução estará em saber se a lei consente que a medida de permanência na habitação venha a tornar esta, a habitação, numa aparência de estabelecimento prisional.