O universo do funcionalismo público a que continua sujeito, e que afinal lhe proporciona o diário sustento, diverte-o e incomoda-o a um tempo só, amostragem preciosa como se lhe revela do comportamento do semelhante. Distraído de quanto constitui a ininterrupta preocupação de quantos o rodeiam, as promoções, as diuturnidades, os concursos, as ajudas de custo, as mudanças de categoria, e sobretudo a reforma, julgam-no um irresponsável que se dedica a uma espécie de passatempo inócuo, o qual consiste em preencher volantes folhas de papel de cópia, e numa caligrafia demasiado graúda, detonadora do imprudente, ou do perdulário. Se o invejam por alguma das benesses que aufere, e sobretudo a de se deslocar com relativa independência, eis que levam tudo isto à conta do recreio que se autoriza a uma criança turbulenta, a fim de que não provoque desacatos na sala de aula. Doentiamente receosos das consequências da alternância dos partidos no poder, resguardam-se com o cinzentismo que lhes possibilite o trânsito sem penalidades de uma bancada a outra, membros virtuais de um imaginário hemiciclo parlamentar. Alimentam entretanto mútuos agravos em que empregam as pausas de lazer, e que em geral provêm de questões de precedência representativa, ou de ultrapassagem na carreira.
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