"Imagina o cândido leitor que eu lhe vou dar um apólogo à Kriloff, à Lokman ou à La Fontaine, em que comparecem os dois bichos a fazerem sintaxe e retórica em linguagem portuguesa. Não tenha medo. Sou um pouco do meu tempo e sei com quem lido. Os apólogos tinham graça quando prevalecia a hipótese de que os irracionais não articulavam discursos; mas, hoje em dia, que os Parlamentos, os meetings e outras associações, saturadas de Cícero e vinho de Amarante, vieram confirmar que a nenhum animal é defeso o dom da palavra, o apólogo não tem chiste nem moralidade, porque desapareceu a linha divisória que separava com a baia da glótica a besta convencionalmente chamada animal da outra besta biologicamente chamada homem. Logo que Darwin desfez o contraste que a velha ciência natural estabeleceu, escusado é dramatizar os bichos. O véu da alegoria rompeu-se.
Agora, se quero pôr duas ou mais alimárias a conversar, eu que necessariamente pertenço ao partido regenerador, ou ao progressista ou ao constituinte, vou ao jardim zoológico de São Bento, e encontro, conforme o meu raio visual político, na esquerda, no centro ou na direita, ricos exemplares, muito domesticados, cheios de gestos e galicismos."
Camilo Castelo Branco, em introdução ao texto que tem o título em epigrafe, publicado em Os Narcóticos, Volume 2, edição de Bonecos Rebeldes, 2008.