O homem só -esteve na cadeia- volta à cadeia
de cada vez que come um bocado de pão.
Na cadeia sonhava com lebres que fogem
no húmus invernal. Na névoa de inverno
o homem vive entre paredes de ruas, bebendo
água fria e comendo um bocado de pão.
Acredita-se que depois renasça a vida,
que a respiração se acalme, que o inverno volte
com o odor do vinho na quente taberna,
e o bom fogo e o estábulo e as ceias. Acredita-se,
enquanto se está lá dentro, acredita-se. Sais ao fim da tarde
e as lebres apanharam-nas e comem-nas ao quente
os outros, alegres. Tens de os ver pelos vidros.
O homem só ousa entrar para beber um copo
quando o frio é muito e contempla o seu vinho:
a cor fumosa, o sabor pesado.
Come o bocado de pão que sabia a lebre
na cadeia, mas agora já não sabe a pão
nem a nada. E também o vinho só sabe a névoa.
O homem só pensa naqueles campos, contente
de os saber já lavrados. Na sala deserta
tenta cantar em voz baixa. Revê
ao longo do dique os tufos de silvas desnudadas
que em Agosto eram verdes. Lança um assobio à cadela.
E a lebre aparece e deixam de ter frio.
Do livro Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite, Edições Cotovia, 1997