sábado, 31 de outubro de 2015

Capacidade de síntese

Em maio de 2007, tive a oportunidade de expor à Senhora Cristy McCampbell, então Deputy Assistant Secretary do Department of State, o que se fazia em Portugal no combate ao narcotráfico. Acreditava, na altura, que era possível uma maior protagonismo português, uma protagonismo que não fosse paroquial, na cooperação internacional nessa área da criminalidade. Um amigo deu-me a conhecer, através da Wikileaks, o relatório que foi elaborado pelas autoridades americanas sobre a reunião. O que aí se escreveu é o retrato exato do que disse, com uma capacidade de síntese que só pessoas muito experimentadas conseguem.
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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Leituras

O sistema pluralista das instituições que se contrabalançam e fiscalizam reciprocamente corre perigo precisamente no campo dos meios de informação das massas. Verifica-se uma tendência evidente para a concentração dos meios de informação popular e, consequentemente, da força sobre a opinião pública. Este perigo de uma concentração de influências em poucas mãos está associado, frequentemente, a uma aliança partidária dos interesses subjacentes às forças informadoras da opinião. Os motivos económicos promovem já por si, necessariamente, uma concentração. Uma empresa editora de jornais e, num grau ainda maior, uma empresa cinematográfica, radiofónica ou televisiva, carecem de um substrato financeiro considerável. Isto pode conduzir a uma dependência maior ou menor daqueles meios de informação popular e portanto também da orientação da opinião pública, em relação a certos grupos de interesses

(pag. 133)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Infiltrados e/ou refugiados

If a potential terrorist is determined to enter America to do harm, there are easier and faster ways to get there than by going through the complex refugee resettlement process. Of the almost 750,000 refugees who have been admitted to America since 9/11, only two Iraqis have arrested on terrorist charges; they had not planned an attack in America, but aided al-Qaeda at home. Syrians in America have fared better than other groups of refugees, integrating quickly and finding work. Some have done very well indeed: the father of Steve Jobs, the ground-breaking innovator and founder of Apple, was a refugee from Syria. And the mother of Jerry Seinfeld, the comedian, is of Jewish Syrian descent. 

The Economist 

Ao ler este texto, lembrei-me dos analistas de bancada que sempre abordam as questões do terrorismo pela cartilha dos medos improváveis.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Resmas de justiça

"O número de folhas de um processo ultrapassa sempre o número de ideias que esse processo contém. Um processo impressiona, em regra, pelo seu volume. O seu peso constitui, com frequência, o índice do seu valor. Mais do que uma nobre luta de direito, uma ação é, geralmente, uma discutível luta de papel.

Luíz de Oliveira Guimarães (1900-1998): delegado do procurador da República nas décadas de 20 e 30 do século passado, foi um reputado conferencista, cronista e dramaturgo e um impulsionador da defesa dos direitos de autor.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A síndrome do Norte

Um dia destes estive a ler a crónica de Ramalho Ortigão José Luciano de Castro no Porto, publicada em 1914, na revista O Direito, em número especial dedicado à memória daquele vulto político.
“O Porto, em retórica antiga, glorioso baluarte das liberdades pátrias, tinha, realmente, há cinquenta anos, dentro dos seus metafóricos muros, um glorioso propugnáculo de letrados, ou de intelectuais, como diríamos hoje, empregando uma das numerosas transformações por que está passando o léxico de mistura com todo o demais cascabulho das instituições condenadas.
No rol dessa famosa coorte literária se inscreviam nomes memorandos. Os legionários de então chamavam-se Camilo Castelo Branco, Arnaldo Gama, Alexandre e Guilherme Braga, Soares de Passos, Júlio Dinis, António Coelho Lousada, Delfim Maria de Oliveira Maia, Augusto Soromenho, Conde Azevedo, Conde de Samodães, Ricardo Guimarães, Roberto Guilherme Woodhouse, José Gomes Monteiro, Visconde de Macedo Pinto, Faustino Xavier de Morais, José Carlos Lopes, Joaquim Pinto Ribeiro, Pedro Amorim Viana, Custódio José Voeira, António Girão, Augusto Luso, Casimiro de Castro Neves, Evaristo Basto, Gonçalves Basto, redator do Nacional, José de Sousa Bandeira, redator do Braz-Tisana, Manuel Carqueja e Henrique Miranda, fundadores do Comércio do Porto.
Metade desses extintos provincianos portuenses de há cinquenta anos bastaria para redourar de elegância, de aventura, de mundanismo e de talento a nossa mísera Lisboa, hoje descabeçadamente revolta e apagada. Que diminuídos e rebaixados que estamos todos!
A tão brilhante legião literária do Porto pertenceu durante os primeiros anos da sua mocidade José Luciano de Castro.”

A propósito ou a despropósito, foi do que me lembrei ao ler a comunicação de Rui Rio anunciando a sua não candidatura presidencial:
“Num país profundamente centralizado como Portugal, lançar uma candidatura presidencial vencedora e nacionalmente reconhecida a partir de uma cidade que não a capital do país, é uma tarefa muito próxima do impossível.” 

Sobre José Luciano de Castro, pode ser lido aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Leituras


É uma instituição de centénios, muito velha e sempre nova, lugar de inculcações e manobras, sítio de discursos utópicos, espaço de ideologias, o cais de coletivas esperanças, futuro. É uma invenção europeia que o Mundo tem adotado. Desde o seu aparecimento nesse longínquo século XII ibérico nunca se lhe recriminou o existir - como, por exemplo, às Universidades também não. O que se lhe tem recriminado muitas vezes, ontem e hoje, aqui e noutros lugares, são os modos como tem existido. As Cortes e os Parlamentos são bem a instituição que distingue, no seu deve e haver liberdade, as épocas e as políticas. Os moderníssimos sinais dos tempos, neste encenar de milénio, parecem augurar para a Instituição, em todo o Mundo, o papel formidável de conciliar vontades plurais, de homologar os destinos genuinamente democráticos de povos e nações e de garantir no diálogo o encaminhamento do Planeta para a tolerância, a paz e o progresso. Assim seja - que em História a previsão é palavra proibida.
As Cortes Portuguesas da Idade Média - que eu tenho insistido, apesar de vozes discordantes, em designar de Parlamento Medieval Português - tiveram a sua origem durante o século XIII, provavelmente antes de 1254, antes ainda do celebrado Parlamento Inglês. Foram grandes Assembleias Representativas da Nação, onde a voz do Povo, mais do que a do Clero e a da Nobreza, se fez ouvir e se impôs. Entre 1254 e 1495 reuniram pelo menos setenta e seis vezes, em Braga, Guimarães, Porto, Coimbra, Guarda, Viseu, Leiria, Torres Vedras, Torres Novas, Santarém, Lisboa, Elvas, Estremoz, Montemor-o-Novo, Évora e Viana do Alentejo. Leis, acordos, tratados, regimentos, decisões tributárias, protestos políticos, reformas gerais, declarações de guerra e paz, questões de soberania nacional - tudo se fez nessas assembleias. Textos e textos se produziram, milhares deles, um corpus documental vastíssimo ainda quase todo inédito. E nenhum é supérfluo para a História que se faz e haja de fazer-se sobra a Idade Média de Portugal.

(pag. 271)

Este texto faz parte da Conferência proferida na cerimónia de abertura do ano lectivo de 1990/1991, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 22 de outubro de 1990.

Sobre o Professor Armindo de Sousa, consultar aqui.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Geometria variável

É um apanágio maior da democracia. Quem se entusiasmou com a série Borgen ou acompanha os equilíbrios de Obama com o Congresso, sabe que não há apenas uma solução democrática. Seria uma democracia sem esperança aquela que não tivesse capacidade de respeitar a plasticidade do eleitorado.

Humildes & Humilhados

Ainda não sei se é dos humildes o reino de Deus; quase que posso garantir que dos humilhados é o equívoco do presente. Raul Brandão, tão esquecido, continua a ser o escritor genial desse equívoco. As sombras erráticas do discurso político são o húmus do desencanto e dos consensos impróprios. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Conselhos de Dom Quixote a Sancho Pança sobre a administração da justiça

Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos. Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo. Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia. Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria, e lembra-te da verdade do caso. Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres, a maior parte das vezes serão sem remédio e, se o tiverem, será à custa do teu crédito, e até da tua fazenda. Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros. A quem hás-de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias. Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.

Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha (Edição Europa-América, Tradução dos Viscondes de Castilho e de Azevedo, pgs. 661/662)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

5 de outubro



(Clicar nas imagens para leitura)

sábado, 3 de outubro de 2015

Uma justiça irracional

O último filme de Woody Allen é uma estória sobre a justiça desprevenida que habita em cada um de nós. Nos momentos mais imponderáveis da vida, ela, a justiça desprevenida, surge indomável e discursiva. Não haverá quem já não tenha proferido uma sentença de condenação à morte; ou, pelo menos, de condenação a uma pena de reclusão perpétua. A história da civilização tem sido, também, o combate contra essa irracionalidade. O valor da vida, o castigo como esperança, a equidade do julgamento, são o seu resultado. Apesar disso, o estigma do juízo sumário permanece, amplificado pelas primeiras páginas de jornais ou pelos horários nobres (que ironia!) das televisões.