quarta-feira, 13 de julho de 2016

Leituras


A glorificação dos mercados e o triunfo do esplendor consumista são outros dos traços mais salientes dos dias que correm. As devastadoras imagens que enchem as redes sociais a propósito das vendas da Black Friday, mostrando multidões enlouquecidas comprando o que precisam e o que não precisam ou, até, o que sabem e o que não sabem sequer do que se trata, demonstram a perversidade dos mercados, espelhada na evocação do dia do grande crash bolsista para propagandear saldos. Outro exemplo deplorável, neste caso em Portugal, são as célebres vendas do 1º de Maio da rede de supermercados Pingo Doce.
Tudo isto se passa num mundo em que o Direito perdeu progressivamente a sua importância, beneficiando o quase exclusivo enquadramento económico, passando a ser muitas vezes considerado apenas como um obstáculo à acção política, numa triste reedição do estado de excepção de Carl Schmitt, que defendia que o interesse público deveria prevalecer sobre as regras jurídicas. Na ausência de regras jurídicas enquadradoras, nem sequer sobraram os pactos e as tradições que ordenavam, também eles, as sociedades, num movimento que podemos associar à ideia da perda das boas maneiras no sentido que lhe é dado por Lucinda Holdforth. Com o vazio criado pelo declínio do Direito nada responde às problemáticas da coesão social.
Por fim, não podemos ignorar a perda de valores das nossas sociedades, onde um jogador de futebol, com total condescendência por parte de todos nós, separa um filho e oculta-lhe a identidade ou paradeiro da mãe e, ademais, comenta que o filho tem muita sorte porque tem um pai e que muitas crianças nem pai têm. E uma empresa imobiliária – a Remax – publica num jornal português um contrato de recrutamento de colaboradores: «Procuramos máquinas», sem vergonha nem pudor, atestando o modelo que se pensa corresponder, no mundo em que vivemos, ao êxito. Dias mais tarde, descubro que noutra imobiliária – a ERA – as pessoas também são máquinas.
(pags. 43/44)