"Se as relações entre os negros livres e os brancos pobres não eram violentas, os primeiros nunca poderiam partilhar inteiramente da perspectiva dos brancos pobres, pois ainda que iguais na pobreza, os dois grupos não eram iguais na liberdade. Concedido que fosse o estatuto jurídico de libertos, os negros, a par dos mouriscos e cristãos-novos, eram postos à parte dos cristãos-velhos, no que dizia respeito às disposições de ordem pública. Disposições que se baseavam no pressuposto de que os negros libertos tinham mais a ver com os negros escravos do que os brancos livres, e por isso ajudariam e induziriam os escravos ao crime e à fuga.
A acrescentar à dura realidade dos seus quotidianos, os negros libertos sofriam o preconceito dos portugueses que os desvalorizavam por serem negros e terem sido escravos, criando uma distância social que os afastava dos homens brancos livres, mesmo os mais pobres, o que suscitava um sentimento de comunidade negra, unindo-os aos outros negros, fossem eles escravos ou libertos."
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