As leis não possuem um poder intrínseco para o bem ou para o mal. Ao longo da História, muitos projetos jurídicos têm-se revelado profundamente cínicos e calculistas. Os reis germânicos tentaram alcançar o poder e o estatuto dos imperadores romanos, Hamurabi foi um chefe militar impiedoso que pretendeu deixar uma imagem benigna às gerações futuras, muitos sacerdotes legisladores e as suas instituições acumularam poder e recursos em seu próprio benefício, líderes autoritários geralmente citam a lei para legitimar as suas ações e os governos contemporâneos tentam convencer-nos de que têm mais controlo sobre uma crise do que na verdade têm. Uma determinada visão de civilização, de competência e de direitos humanos pode funcionar como uma cortina para encobrir a ambição e a ganância ou, muito simplesmente, o poder. Todavia, visões e cortinas só funcionam se as pessoas acreditarem nos valores que elas projetam, e, quando as leis propõem uma visão em que as pessoas acreditam, podem também ser usadas contra qualquer detentor de poder que tente ignorá-las. É isso que confere ao Direito a capacidade para legitimar e limitar o poder.
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Edições Desassossego, 2022
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