domingo, 28 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Um país de bocas
Uma boca histriónica tornou-se numa questão de Estado. Os jornais são bocas em delírio. A RTP justifica o serviço público com as bocas do prós-e-contras. A SIC tem uma boca loura e o ego de uma boca. Na Assembleia da República, a prestação dos deputados mede-se em função das bocas regimentais. O Partido Socialista atura as bocas da deputada internacional Ana Gomes. Não deixa de ser estranho que as oposições gritem a uma só boca. Os polícias cultivam os segredos na boca e os magistrados a boca nos segredos. Não menos relevantes serão as bocas deste blogue. A Ética da Comissão dissolveu-se em bocas. Até a Presidência tremeu com as bocas de Fernando Lima. A única forma segura de nos falarmos é de boca em boca. Depois de tantas bocas inglórias, apenas nos restam as bocas das urnas.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Buscas
Não tanto como as escutas, mas a verdade é que as buscas também são um valor seguro. Qualquer busca incendeia as imaginações, facilita o verbo e enche os noticiários. Os polícias gostam de buscas e os juízes e procuradores gostam de polícias felizes. É irrelevante que a maioria das buscas seja desnecessária e que o seu fim possa ser atingido com um simples telefonema ou uma mera notificação judicial. Eu sei que para polícias e magistrados a outra metade do mundo é de gente sem sentido cívico. Mas não seria razoável um pouco mais de bom senso em práticas socialmente tão estigmatizantes?
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
CEJ
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Enganos
A justiça alimenta-se do seu próprio gigantismo: dos seus túneis, dos seus segredos, dos seus rituais e dos seus ridículos. Vive para si e para a ideia que de si mesmo constrói. O poder de que é depositária não é uma virtude mas um orgulho. Uma espécie de pecado venial, feito à base de normas e desvarios.
Os magistrados não dialogam: discutem. Ou impõem. Talvez por isso, o direito que se faz não seja, socialmente, perceptível. O cidadão desconfia e com razão. Não há um que seja que não tenha uma estória, sua ou alheia, em que o dislate judicial se confunde com a injustiça.
Há uns meses, a Ordem dos Advogados trouxe à baila uma Galeria dos Horrores Judiciários. Juízes e procuradores encolheram os ombros, como se nada daquilo lhes dissesse respeito. Passaram por cima, numa vocação esquizofrénica que vai de magistrado em magistrado até ao delírio corporativo.
É certo que não estavam lá todos os horrores: faltaram, pelo menos, os que eu conheço. Aqueles que, se calhar, eu nunca direi – por razões de oportunidade. Na justiça, a denúncia nunca é oportuna. Na justiça, o silêncio é uma estranha maneira de cultivar a inteligência. Ou a sobrevivência.
Falta à justiça uma ética. Falta aos magistrados um pouco mais de pudor. O que falo são generalidades, com os riscos das injustiças que daí decorrem. Sei das excepções, muitas mas isoladas. Sei dos que acreditam, ainda que de um modo envergonhado. Todavia, o tempo parece estar a contento dos outros, dos que fazem do dever de reserva uma reserva de enganos.
Leviandades
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Cidadão do futuro
Mário Sacramento nasceu em Ílhavo e por Aveiro se ficou no exercício da sua clínica. Conhecia o distrito como ninguém (espantem-se certos bairristas!), calcorreando-o, num empenho total de incentivo de organização, de combate. Poderia ter abandonado a geografia que lhe era natal, poderia ter diluído a sua actividade revolucionária em nome de qualquer pretexto conciliatório – não o fez. A razão daquilo porque lutava não era apenas sua, sabia-o, era, é património de milhões de homens numa fraternidade comum.
Homem de diálogo, Mário Sacramento foi pedagogo discreto mas persistente. Muitos foram os que aprenderam, na sua voz pausada e atenta, as certezas do porvir. Nunca desdenhou a palavra ao mais humilde, numa alegria de fazer crescer, em cada um de nós, a alegria adivinhada da libertação». Os católicos, os de boa-vontade, tiveram em Mário Sacramento um interlocutor sem afectação, sem mesquinhez, cujo único intuito era o de nos encontrarmos na realidade real do nosso drama. Que ninguém duvide do respeito com que os outros se lhe impunham na diversidade das suas crenças! A pedagogia era isso para Mário Sacramento – um diálogo sem fronteiras, ritmo esforçado e leal de convergência.
Em Mário Sacramento, a palavra e o gesto, a teoria e a prática, aliavam-se numa identidade absoluta, fazendo de si um símbolo de coerência sempre grato de relembrar. O seu humanismo não era um exercício de retórica, transparecia nos aspectos mais simples da sua vida. Médico de província desprendido de uma medicina de privilegiados para privilegiados, cidadão ilustre apostado no convívio com quem pouco lhe podia ensinar, escritor de «domingos e serões» torneando os silêncios vis da repressão, Mário Sacramento é já a procura esboçada de um «novo homem».
Neste caminhar para um «mundo melhor», a memória dos que nos precederam só pode ser um incentivo de lucidez e entusiasmo. Talvez por isso as palavras modestas, que poderemos alinhavar sobre Mário Sacramento, são também, afinal, um pretexto para falar de um tema que tão grato lhe foi e que mantém, hoje, uma actualidade exemplar. A defesa da unidade de todos os antifascistas, da unidade de todos os que lutam por uma sociedade mais progressiva e justa, foi uma tarefa a que se devotou, com paixão, Mário Sacramento. Sabem bem aqueles que com ele compartilharam amplas actividades antifascistas, ainda que de sectores ideológicos diferentes, que a unidade não era para Mário Sacramento, nem para os que como ele pensam, um objectivo táctico, uma manobra fácil de iludir companheiros de jornada. Ontem como hoje, as razões que fundamentam uma unidade de todas as forças progressistas continuam as mesmas. Só o imediatismo revolucionário, a estreiteza mental ou a vocação hegemónica, vícios que Mário Sacramento combateu com tenacidade, podem obstar a que prossigamos, em comum, os objectivos comuns e essenciais.
Finalizemos: Mário Sacramento foi um exemplo de persuasão revolucionária – lisura de trato, dignidade de atitudes, saber de modéstia, rigidez de dedicação. Provam-no, instante a instante, pelo exemplo, os que hoje continuam o seu testemunho.
A vergonha
*Para preencher à vontade do leitor