Ao longo da conversa, ocorrida em 1958, pouco antes de Charles De Gaule voltar ao poder, Pierre Mendès France explicara que tinha "todas as razões de fundo para se aliar a De Gaulle" e todas "as razões de forma para lhe recusar o seu apoio". O Monde não publicou a entrevista, a fim de preservar Mendès como uma reserva da República. "A hipótese de trabalho - explica Lacouture - era esta: De Gaulle resolveria o problema da Argélia com (o direitista) Debré (como primeiro-ministro) e depois instalaria Mendès (centro-esquerda) em Matignon". Não foi isso o que veio a passar-se, mas foi em nome desse cenário que os jornalistas agiram.
Este episódio foi possível, em 1958. num jornal de referência, senhor da sua autonomia, mas convencido de que lhe cabia actuar em nome do "sua" definição de "interesse geral", embora prejudicando o seu próprio sucesso jornalístico. Cinquenta anos passados, nenhuma direcção de informação, sindicato, provedor ou conselho deontológico invocaria ou aceitaria tais argumentos para "não publicar" fosse o que fosse. A regra de oiro é o primado da informação. O risco é que -- sob a invocação do valor absoluto liberdade de imprensa -- se divulgue, se manipule ou se venda a parte pelo todo. Não é possível, nem desejável, voltar ao tempo da iluminação a gás, do cinema mudo ou da imperfeita "ideia de jornalismo de Jean Lacouture, mas, olhando às práticas que nos rodeiam, instala-se uma (in)certa nostalgia. Talvez a nostalgia da possibilidade de confiança nas pessoas e da crença no "interesse geral".
Mário Mesquita, in Jornal de Notícias