Estão no rés-do-chão da escala social. Com eles, é fácil o exercício da autoridade. A tentação do abuso é frequente, não vale a pena ignorá-lo. Um cidadão estrangeiro morreu, resultado de uma agressão segundo a autópsia, ocorrida no Espaço Equiparado a Centro de instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Este espaço é tutelado por uma polícia, e qualquer cidadão que aí se encontre, independentemente das razões, deve ver a sua dignidade e a sua vida acauteladas pelo Estado. Um espaço desta natureza justificaria ser monitorizado continuamente por um sistema de imagem e som, o que penso não acontecer. Há justificações que o Ministério da Administração Interna terá de dar, não se podendo ocultar pelos diversos segredos que, em idênticas alturas, são argumento de recurso. Não deixa de ser uma ironia trágica que esta morta tenha ocorrido num aeroporto que tem o nome de Humberto Delgado.
segunda-feira, 30 de março de 2020
domingo, 29 de março de 2020
A vitória de Confúcio
Japão, Coreia do Sul ou Taiwan não têm regimes políticos que se possam configurar como ditaduras. Apesar disso, os seus resultados na luta contra a pandemia são muito positivos, tornando-se exemplos a seguir. Por outro lado, o desvalor com que têm sido comentados os sucessos da China, atirando-os para a natureza do seu regime político, é continuar um preconceito ideológico que não tem justificação em tempo de pandemia. Em 1926, André Malraux escreveu um diálogo epistolar entre um chinês e um europeu, o primeiro a viajar pela Europa, o segundo a viajar pelo extremo-oriente, a que deu o título A tentação do Ocidente. O confronte entre duas culturas tão distantes no tempo e nas sabedorias terá, hoje, uma outra perspetiva. A escrever-se uma nova tentação, essa será a do Oriente.
sábado, 28 de março de 2020
Os vírus
Os vírus andam por aí, há muito. Creio que assim continuarão, imprevisíveis e fatais. Precisam de hospedeiros, sobretudo de hospedeiros distraídos. Não há vírus chineses e/ou outros; americanos, por exemplo. Pelo que leio, o desequilíbrio ecológico é-lhes propício. Esta pandemia vai passar. Em 2021, que memória teremos dela? Vivemos um tempo em que a necessidade de um consumo exponencial se tornou motor da história; a economia, seja social ou liberal, depende dele. Seremos mais parcos no egoísmo e mais exigentes na solidariedade?
quarta-feira, 25 de março de 2020
Indultos, uma emergência
Tenho sido crítico sobre o que tem sido a concessão dos indultos ao longo dos anos: caricatural. Ainda que não seja Natal, ainda que não se apelando ao sentido caritativo que fizeram dos indultos uma caricatura, eles são agora, mais do que nunca, humanitariamente necessários. Pelos presos e por nós, é necessário diminuir a população prisional. Não esperemos que as cadeias se tornem no que já são hoje os lares. Sem ferir os sentimentos de justiça, será possível encontrar soluções que, pelo contrário, (n)os dignifiquem.
quarta-feira, 18 de março de 2020
Diário
A emergência não deveria ser o rosto do protagonismo. Acelerar o medo é diluir o civismo (pouco?) que nos resta(va).
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Nos jardins, continuam a passear-se os cães; único (quase) sinal vivo de um quotidiano que parece ser passado.
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Passam o 907 e, logo a seguir, o 903. Cabelos brancos e rostos cansados. A STCP presta um verdadeiro serviço social num período difícil.
segunda-feira, 16 de março de 2020
Covid-19, presos
A população prisional, numa pandemia, apresenta um risco mais elevado do que o que apresentará a generalidade da população. As razões são várias, da higiene à saúde, não desmerecendo as condições de acomodamento. Proibir as visitas será um passo, ainda que perigoso para o equilíbrio psicológico dos presos. O contacto com o exterior continua a manter-se através dos guardas e e de outros agentes administrativos. O distanciamento social, tanto quanto se conhece do interior das prisões e da sua lotação, é uma impossibilidade. E o que se fará como os novos presos? Há espaço nas prisões para que fiquem de quarentena? Ser-lhes-ão feitos testes e/ou exames prévios? Os presos serão a última das preocupações, se é que o são. Mas a verdade é que também para nós não poderão deixar de o ser.
segunda-feira, 9 de março de 2020
Ocasional ou habitual?
Em 3 de fevereiro de 2011, por proposta do magistrado do Ministério Público, o juiz de instrução criminal determinou o congelamento de uma conta bancária da qual era titular Evgeny Filkin. Em 23 de julho de 2014, o magistrado do Ministério Público proferiu o despacho de arquivamento do inquérito que estava subjacente ao congelamento por falta de elementos de prova da existência de crime, e, em 24 de julho, o juiz de instrução ordenou o levantamento da medida de congelamento.
Evgeny Filkin recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, alegando, em síntese, o caráter injusto daquele procedimento criminal e a violação do seu direito à presunção de inocência.
Por decisão de 3 de março de 2020, o Tribunal Europeu deu razão ao requerente:
Étant donné que le requérant n’a pas bénéficié des garanties procédurales qui lui auraient permis de contester de manière effective la mesure litigieuse et eu égard à la durée pendant laquelle celle-ci a été appliquée, la Cour conclut que le requérant a subi une « charge spéciale et exorbitante », qui a rompu le juste équilibre devant exister entre l’intérêt général légitime poursuivi par les autorités et le droit du requérant au respect de ses biens.
As instâncias judiciárias portuguesas em causa são o Tribunal Central de Instrução Criminal e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, instâncias de referência e de grande visibilidade mediática.
Seria interessante saber se os procedimentos que foram alvo da censura do Tribunal Europeu foram ocasionais ou traduzem uma prática habitual.
Pode e deve ler-se a decisão aqui.
Evgeny Filkin recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, alegando, em síntese, o caráter injusto daquele procedimento criminal e a violação do seu direito à presunção de inocência.
Por decisão de 3 de março de 2020, o Tribunal Europeu deu razão ao requerente:
Étant donné que le requérant n’a pas bénéficié des garanties procédurales qui lui auraient permis de contester de manière effective la mesure litigieuse et eu égard à la durée pendant laquelle celle-ci a été appliquée, la Cour conclut que le requérant a subi une « charge spéciale et exorbitante », qui a rompu le juste équilibre devant exister entre l’intérêt général légitime poursuivi par les autorités et le droit du requérant au respect de ses biens.
As instâncias judiciárias portuguesas em causa são o Tribunal Central de Instrução Criminal e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, instâncias de referência e de grande visibilidade mediática.
Seria interessante saber se os procedimentos que foram alvo da censura do Tribunal Europeu foram ocasionais ou traduzem uma prática habitual.
Pode e deve ler-se a decisão aqui.
sábado, 7 de março de 2020
Generalidades
Estou de acordo com esta declaração do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça à SIC: a generalidade dos juízes são pessoas sérias. Acrescentaria que a generalidade dos políticos são pessoas sérias. E poder-se-ia ir mais longe: a generalidade dos cidadãos são pessoas sérias.
Diário
O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a absolvição de uma mulher que tinha sido condenada pelo Tribunal de Guimarães a 18 anos e sete meses de prisão pelo alegado homicídio de uma idosa em Famalicão, em março de 2012.
JN
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Uma mulher, acusada de homicídio de um homem e de deixar o corpo numa mala de viagem num descampado, foi esta sexta-feira absolvida pelo Tribunal de Loures.
sexta-feira, 6 de março de 2020
Incomodidades
A utilização, recentemente noticiada, por um tribunal arbitral das instalações do Tribunal da Relação de Lisboa colocam-me as seguintes interrogações:
Se o presidente do tribunal arbitral não fosse um antigo presidente daquele Tribunal da Relação, as instalações também teriam sido cedidas se houvesse solicitação para o efeito?
Pressupondo que essa utilização não foi clandestina, houve desembargadores ou procuradores que, trabalhando naquele Tribunal da Relação, tivessem mostrado indignação ou desagrado por causa daquela utilização?
O desvio funcional da justiça atingiu o seu auge quando um Tribunal da Relação, sob o manto diáfano da competência jurídica, patrocinou uma homenagem a um ministro exemplarmente fascista.
quinta-feira, 5 de março de 2020
Megaprocesso, megajuiz?
Há pouco, a televisão transmitiu algumas imagens do debate instrutório respeitante ao processo designado "Operação Marquês". Um número significativo de qualificados advogados, pelo menos dois magistrados, com certeza também qualificados, do Ministério Público, dezenas de arguidos e testemunhas, largas milhares de folhas, um número incontável de documentos que é necessário descodificar e articular, dilemas processuais a exigirem ponderada reflexão, são estes os ingredientes com que o juiz, um único juiz, se tem de confrontar num dédalo de factos sobre os quais precisa de pronunciar o seu veredito. As leis processuais são de um outro tempo, tempo em que os crimes eram óbvios e o juiz um oráculo.
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