É natural que haja magistrados que gostem de jogar à bola: uns, no campo; outros, na secretaria. São exercícios de convívio social ou de actividade cívica. A lei não os proíbe nem seria razoável que os não permitisse. Foi oportuno e clarividente o esclarecimento que o Presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, um dia destes, prestou ao “Público”: «Estatutariamente, os juízes só estão proibidos de exercer cargos remunerados, mas não estão impedidos de exercer cargos nos órgãos jurisdicionais das federações desportivas.» Mas foi mais longe e mais pertinente: «Pelo contrário, a participação de magistrados nesses órgãos pode contribuir para credibilizar as suas decisões.»
A verdade desportiva é uma das que está nas preocupações da sociedade. Ainda que invocando-se razões diversas, a dita verdade tornou-se o motivo de discursos inflamados, de causas litigantes ou de imputações indecorosas. Uma verdade tão importante que o legislador, entidade que vela pelo nosso destino, decidiu dar a forma de crime à mentira desportiva.
Tudo estaria bem e seria pacífico se os jogos da bola não fossem também jogos de compras e vendas, de activos e passivos, de cheques e percentagens. Enfim, um negócio. Um imenso negócio sem rei nem roque e, dizem, com gritantes fugas ao fisco.
Os tais órgãos jurisdicionais da bola, quando decidem, decidem também, e não tão indirectamente como se poderia argumentar, sobre um negócio ou a possibilidade dele. Creio não ser necessário exemplificar. O que se questiona, neste panorama, é se a moral e a deontologia aconselham e avalizam as palavras atrás transcritas.
Mas escrito tudo isto, ainda não disse ao que venho. E ao que venho é à procura de um esclarecimento cabal por parte da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional:
Quanto custam a estas duas instituições os seus órgãos jurisdicionais?
Quanto pagam aos seus membros pela participação em cada reunião?
E pelo alojamento?
E por cada quilómetro quando viajam em carro próprio?
E pelo almoço?
E pelo jantar?
É preciso pôr estes dados, e outros conexos, em cima da mesa. Para que a bola não fique no ar e a borla na suspeita.
In Os Cordoeiros, 29 de Abril de 2004. Recuperado pelo António Maria em Renascer!...