O Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, revolucionou as relações jurídicas familiares, sendo um diploma emblemático das significativas transformações trazidas com o 25 de Abril.
Ao artigo 1864º do Código Civil, que passou a ter por título paternidade desconhecida, deu a seguinte redacção:
Sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai.
A partir daí, divulgou-se a ideia que deixaria de haver crianças sem paternidade legalmente definida.
Não foi nem é assim.
Continuam a existir crianças relativamente às quais não tem sido possível determinar, por falta de prova, a paternidade, ainda que seja manifesto que esse número é cada vez menor.
Os actuais meios de prova, eficazes na sua precisão científica, resolvem a questão quando podem ser utilizados: ou excluindo ou afirmando a paternidade.
Mas há situações em que não podem ser realizados porque inexistem pretensos ou indigitados pais.
Comparem-se os elementos estatísticos respeitantes a 1995 e 2002.
Em 1995, foram registados 4197 processos de averiguação oficiosa de paternidade, terminando por perfilhação 2318; 1056 foram declarados inviáveis por falta de prova, e para propositura de acção de investigação, dado ter-se entendido haver elementos de prova, foram remetidos 941.
Em 2002, foram registados 2491 processos, terminando por perfilhação 2114;750 foram declarados inviáveis e para propositura de acção contabilizaram-se 516.
Verificou-se um decréscimo significativo dos processos registados, a que corresponde um significativo declínio do número de crianças sem que do respectivo assento de nascimento conste a paternidade.
Por outro lado, em termos de percentagem, subiu significativamente o número de casos em que ocorreu a perfilhação e decresceram os processos arquivados por falta de prova.
Decresceu também o número de acções a propor.
Para além destas diferenças numéricas, que traduzem uma melhor situação para as crianças no que diz respeito à paternidade, parece-me que o que também se tem vindo a alterar são as razões para essas situações em que inexistem provas sobre os pretensos ou indigitados pais.
Os 1056 de 1995 e os 750 de 2002, poderão ter leituras diferentes.
Digo-o empiricamente.
Pelo que me fui apercebendo nos anos mais recentes, começaram a aparecers situações em que as mães estão decididas a não partilhar a criança com um pai.
Recusam-se a prestar declarações ou a indicar quem seja o pretenso pai.
As restantes diligências mostram-se inúteis.
Recordo-me, em processo recente, que a avó da criança declarou: Sei que a minha filha queria engravidar, engravidou, tenho um neto, não sei quem é o pai nem isso é importante para nós.
Seria interessante, para além dos números, que o Ministério Público pudesse fazer uma aproximação qualitiva a estas realidades, fornecendo elementos que melhor nos ajudassem a compreendê-las.
Publicado em OS CORDOEIROS, em 1 de Abril de 2004
Recordado pelo António Maria no Renascer!...
Irei atualizá-lo, logo que possível.