Em 2003, o Ministério Público, no âmbito dos inquéritos, das
instruções e dos processos-crime classificados, interpôs 1460 recursos
para os tribunais da Relação: 272 no Distrito Judicial de Coimbra; 238
no Distrito Judicial de Évora; 489 no Distrito Judicial de Lisboa; e 461
no Distrito Judicial do Porto.
Tendo em conta que, naquele ano e no mesmo âmbito, foram
interpostos 9287 recursos, constata-se que a percentagem dos que
couberam ao Ministério Público corresponde a 15,7% do total.
Daqui decorre que o Ministério Público foi recorrido em 84,3%
dos aludidos recursos.
Se consultarmos os elementos estatísticos referentes a 2001,
verifica-se que o Ministério Público interpôs 1491 recursos, mais 31
do que em 2003.
Nesse ano, nos tribunais da Relação, deram entrada 6876
recursos penais, pelo que se pode concluir que os interpostos pelo Ministério
Público corresponderam a 21,6% do total, sendo recorrido em 78,4%.
Se recuarmos um pouco mais e consultarmos os elementos
estatísticos referentes a 1996, verifica-se que o Ministério Público interpôs 1938
recursos, mais 478 (+32,7%) do que em 2003.
Nesse ano, nos tribunais da Relação, deram entrada 5151
recursos penais, pelo que se pode deduzir que os interpostos pelo Ministério
Público corresponderam a 36,7% do total, sendo recorrido em 63,3%.
Não vos querendo cansar com outras enumerações, deverá
acentuar-se, no entanto, que, havendo um aumento constante dos recursos penais
interpostos, há uma diminuição sistemática dos que são interpostos pelo
Ministério Público: em números globais e, obviamente, em termos percentuais.
Cada vez menos recorrente, o Ministério Público vai tornando-se
cada vez mais recorrido.
As razões para este desencontro aritmético não serão fáceis de
encontrar.
Poderá dizer-se que a credibilidade das decisões judiciais
recorríveis aumentou junto dos magistrados do Ministério Público. E digo-o sem
ironia.
Poderá também dizer-se que o interesse ou a disponibilidade dos
magistrados do Ministério Público em recorrer tem diminuído.
Poderá ainda adiantar-se que faltará aos magistrados do
Ministério Público o estímulo para o desenvolvimento de uma tarefa que exige um
particular empenho.
Sejam quais forem as razões, a verdade é que devem tornar-se
preocupações.
Tendo a contabilidade, não temos os conteúdos.
De que tipo de decisões recorreu? Com que argumentos?
Encontra-se alguma articulação entre os diversos magistrados no que diz
respeito à actividade recorrente do Ministério Público?
O que se possa dizer é empírico.
Correndo esse risco, não será ousado afirmar que essa actividade
não foi sistemática nem obedeceu a qualquer razão de estratégia criminal.
Se analisarmos o mapa dos recursos por comarcas e
círculos, encontram-se desvios quantitativos que só poderão ser justificados, à
falta de outros elementos, pela maior ou menor apetência dos respectivos
magistrados para a interposição dos recursos.
A título de exemplo:
No Círculo Judicial de Seia, em 2003, para 1384 processos
comuns, sumários e sumaríssimos iniciados, foram interpostos 15
recursos, o que corresponde a 1,08%.
No Círculo Judicial de Aveiro, para 2262 processos
iniciados, foram interpostos 19 recursos, o que corresponde a 0,83%.
Ou seja: havendo uma variação, para mais, de 63,4% nos
processos, verificou-se apenas uma variação de 33,3% nos recursos.
Muito sumariamente, no que tange aos recursos interpostos pelo
Ministério Público nos tribunais da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça,
segundo os elementos que pude recolher, constatou-se que, em 2003, em Coimbra,
foi interposto 1, em Évora, 4, no Porto, 6.
Não foram muito diferentes os números em outros períodos.
Também aqui o Ministério Público foi um recorrente
mitigado, mas, e digo-o outra vez sem ironia, não deixou de ser um recorrido
esforçado.
E, no entanto, é preciso realçá-lo, em 385 recursos
interpostos pelo Ministério Público, na 1ª Instância, que foram julgados em 2003,
verificou-se que 240 (62,3%) tiveram provimento e 145 (37,6%)
estiveram sujeitos ao insucesso.
Mas se nos reportarmos a 1992, em 1452 recursos
interpostos pelo Ministério Público e julgados nesse ano, 971 (66,8%)
obtiveram provimento e 481 (33,1%) não o obtiveram.