segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Um Ministério Público recorrente (3)

Em 2003, o Ministério Público, no âmbito dos inquéritos, das instruções e dos processos-crime classificados, interpôs 1460 recursos para os tribunais da Relação: 272 no Distrito Judicial de Coimbra; 238 no Distrito Judicial de Évora; 489 no Distrito Judicial de Lisboa; e 461 no Distrito Judicial do Porto.
Tendo em conta que, naquele ano e no mesmo âmbito, foram interpostos 9287 recursos, constata-se que a percentagem dos que couberam ao Ministério Público corresponde a 15,7% do total.
Daqui decorre que o Ministério Público foi recorrido em 84,3% dos aludidos recursos.
Se consultarmos os elementos estatísticos referentes a 2001, verifica-se que o Ministério Público interpôs 1491 recursos, mais 31 do que em 2003.
Nesse ano, nos tribunais da Relação, deram entrada 6876 recursos penais, pelo que se pode concluir que os interpostos pelo Ministério Público corresponderam a 21,6% do total, sendo recorrido em 78,4%.
Se recuarmos um pouco mais e consultarmos os elementos estatísticos referentes a 1996, verifica-se que o Ministério Público interpôs 1938 recursos, mais 478 (+32,7%) do que em 2003.
Nesse ano, nos tribunais da Relação, deram entrada 5151 recursos penais, pelo que se pode deduzir que os interpostos pelo Ministério Público corresponderam a 36,7% do total, sendo recorrido em 63,3%.
Não vos querendo cansar com outras enumerações, deverá acentuar-se, no entanto, que, havendo um aumento constante dos recursos penais interpostos, há uma diminuição sistemática dos que são interpostos pelo Ministério Público: em números globais e, obviamente, em termos percentuais.
Cada vez menos recorrente, o Ministério Público vai tornando-se cada vez mais recorrido.
As razões para este desencontro aritmético não serão fáceis de encontrar.
Poderá dizer-se que a credibilidade das decisões judiciais recorríveis aumentou junto dos magistrados do Ministério Público. E digo-o sem ironia.
Poderá também dizer-se que o interesse ou a disponibilidade dos magistrados do Ministério Público em recorrer tem diminuído.
Poderá ainda adiantar-se que faltará aos magistrados do Ministério Público o estímulo para o desenvolvimento de uma tarefa que exige um particular empenho.
Sejam quais forem as razões, a verdade é que devem tornar-se preocupações.
 
Tendo a contabilidade, não temos os conteúdos.
De que tipo de decisões recorreu? Com que argumentos? Encontra-se alguma articulação entre os diversos magistrados no que diz respeito à actividade recorrente do Ministério Público?
O que se possa dizer é empírico.
Correndo esse risco, não será ousado afirmar que essa actividade não foi sistemática nem obedeceu a qualquer razão de estratégia criminal.
Se analisarmos o mapa dos recursos por comarcas e círculos, encontram-se desvios quantitativos que só poderão ser justificados, à falta de outros elementos, pela maior ou menor apetência dos respectivos magistrados para a interposição dos recursos.
A título de exemplo:
No Círculo Judicial de Seia, em 2003, para 1384 processos comuns, sumários e sumaríssimos iniciados, foram interpostos 15 recursos, o que corresponde a 1,08%.
No Círculo Judicial de Aveiro, para 2262 processos iniciados, foram interpostos 19 recursos, o que corresponde a 0,83%.
Ou seja: havendo uma variação, para mais, de 63,4% nos processos, verificou-se apenas uma variação de 33,3% nos recursos.
Muito sumariamente, no que tange aos recursos interpostos pelo Ministério Público nos tribunais da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, segundo os elementos que pude recolher, constatou-se que, em 2003, em Coimbra, foi interposto 1, em Évora, 4, no Porto, 6.
Não foram muito diferentes os números em outros períodos.
Também aqui o Ministério Público foi um recorrente mitigado, mas, e digo-o outra vez sem ironia, não deixou de ser um recorrido esforçado.
E, no entanto, é preciso realçá-lo, em 385 recursos interpostos pelo Ministério Público, na 1ª Instância, que foram julgados em 2003, verificou-se que 240 (62,3%) tiveram provimento e 145 (37,6%) estiveram sujeitos ao insucesso.
Mas se nos reportarmos a 1992, em 1452 recursos interpostos pelo Ministério Público e julgados nesse ano, 971 (66,8%) obtiveram provimento e 481 (33,1%) não o obtiveram.