Há uns anos largos apareceu a raspadinha, um jogo simples da Santa Casa da Misericórdia. Em qualquer quiosque comprava-se uma cautela que teria, oculto, um possível prémio monetário. Raspava-se sobre a zona cinzenta (seria cinzenta?) e ficava-se a saber, no momento, se havia alguns escudos a amealhar. Era coisa barata, uma esperança, sem ofensa, de pobres. Logo surgiram os arautos das catástrofes anunciando a desgraça das famílias. Das pobres, com certeza, já que são as que mais se conjugam com a moral. Seriam as crianças a gastarem os parcos escudos para o almoço nas cantinas nas raspadinhas. Seriam as velhinhas a darem cabo dos subsídios sociais nas raspadinhas. Seriam os trabalhadores a viciarem a estabilidade social nas raspadinhas. A final, nenhuma das desgraças anunciadas, a existirem, foi culpa das raspadinhas. As raspadinhas continuam por aí, quase envergonhadas. Os arautos das catástrofes, esses, continuam por aqui, ainda mais convictos, mais formais e mais mediáticos.