domingo, 22 de abril de 2012

Desproporção entre os poderes

“Os primeiros dossiers envolvendo personalidades do mundo político perturbaram enormemente as relações de poder. A tensão adversial que a vivacidade dos debates políticos estimulara no período de transição acentuou-se e alargou-se aos agentes da justiça.
Amplificaram-se, com isto, zonas de intersecção entre justiça e o poder político que foram aproveitados pelos media.
E a tentação de consolidar fronteiras foi aumentando e culminou, já no fim da última década, com a transferência para o governo dos poderes de fiscalização do Ministério Público sobre a Polícia Judiciária e com o alargamento, sem fiscalização, das competências investigatórias atribuídas aos outros órgãos de polícia criminal.
Encerrava-se um ciclo e era cada vez mais nítida a ausência de diálogo disciplinar entre as garantias de independência e de eficácia no exercício da acção penal.
Tornava-se agora flagrante a desproporção entre poderes jurídicos e poderes de facto nas instituições que se ocupam do crime. Os poderes jurídicos que competiam ao Ministério Público e aos órgãos de polícia criminal correspondiam cada vez menos aos seus poderes de facto. A distância funcional e a ausência de mecanismos sistemáticos de fiscalização davam aos órgãos de polícia criminal, na investigação, uma discricionaridade excessiva e não controlada por uma magistratura no sentido preconizado por instrumentos internacionais.
A autonomia do Ministério Público ficou, assim, mais ao serviço da função acusatória que da investigação criminal, o que, no mínimo, parecia um subaproveitamento da directiva constitucional.”

Da intervenção do Dr. Cunha Rodrigues, em 2004, na Sessão Comemorativa dos 25 Anos do Estatuto do Ministério Público