Ex.mo
Sr. Procurador-Geral da República
Ex.mo
Sr. Vice-Procurador-Geral da República
Caros
Colegas
Minhas
Senhoras e Meus Senhores
De
Fevereiro de 1973 a Outubro de 2008, que é o meu tempo de vida nestas andanças,
tenho vivido o Ministério Público como uma causa de obediência à lei em nome
dos interesses legítimos, sociais e individuais, dos cidadãos.
Se
é verdade que a lei tem mudado, e é natural que isso aconteça, não é menos
verdade que a realidade que subjaz à actuação do Ministério Público tem também
sofrido significativas transformações.
Curiosamente,
ou talvez não, o Ministério Público, na sua essência organizativa e na sua
estratégia funcional, tem mantido um mesmo perfil, sobretudo de magistratura
reactiva.
As
exigências que hoje são feitas ao Ministério Público não são compatíveis com
esse perfil.
Sob
um contínuo escrutínio dos cidadãos, com um tempo judiciário cada vez mais
próximo do tempo quotidiano, o que importa é encontrar as dinâmicas que
possibilitem respostas adequadas e socialmente perceptíveis.
Tanto
quanto uma magistratura das leis, devemos ser uma magistratura dos factos.
Tendo
a direcção do inquérito e a promoção criminal no cerne da sua vocação, o
Ministério Público precisa de valorizar esse trabalho, integrando nele
magistrados mais experientes e qualificados.
É
nos Departamentos de Investigação e Acção Penal, é nos Tribunais de Primeira
Instância , que o Ministério Público tem o principal embate, talvez o
definitivo, que conduz a uma justiça mais pronta e mais eficaz.
A
coesão destas estruturas, geograficamente dispersas e sem guias que tornem
homogéneos os procedimentos, é precária, traduzindo, muitas vezes, uma sensação
de incerteza na aplicação do direito e de incompreensão na percepção dos
factos.
Neste
contexto, penso que é urgente para o Ministério Público a revisão do seu
próprio estatuto e que é por aí que passa o seu futuro.
Não
creio, e digo-o convictamente, que a culpa seja dos outros, que a culpa seja
dos códigos e das leis ou das suas revisões mais ou menos compulsivas.
O
reforço dos poderes de orientação e gestão do procurador-geral da República,
permitindo-lhe criar mecanismos que sejam, a um tempo, de controlo, de
responsabilização e de estímulo, torna-se imperioso.
Como
se torna imperioso uma progressão na carreira que não seja vertical, afastando
os mais experientes e competentes de uma realidade criminal cada vez mais
difusa, imperceptível e danosa.
Uma
realidade criminal que nos escapa, para a qual não temos resposta, talvez não
tanto pela falta de meios, mas pela falta de propósitos.
Não
podemos tornar a corrupção, e todos os crimes a ela associados, ou o
terrorismo, ou o tráfico de pessoas, retóricas que se esgotam no seu próprio
discurso.
São
fenómenos complexos, que estão para além do acaso de cada caso, e que não serão
alheios, por exemplo, à crise financeira global que vivemos.
São
fenómenos que exigem informação, análise e iniciativa.
São
fenómenos que exigem a coordenação das diversas estruturas que os regulam,
previnem e investigam.
A
compartimentação da regulação, da prevenção e da investigação tem sido,
continua a ser, absolutamente irresponsável, não permitindo a actuação global
que é exigida.
A
resposta a estas inquietações passa por um Ministério Público mais coeso e com
maior sentido de iniciativa e de direcção.
Ex.
Sr. Procurador-Geral da República
Sou
um militante do Ministério Público com as quotas em dia.
Permiti-me
fazer as anteriores considerações neste acto, por isso mesmo.
A
boa reflexão é sempre uma reflexão em voz alta, uma reflexão partilhada, uma
reflexão sem medo.
Pensar é o acto mais
violento que há, escreveu Agustina Bessa-Luís.
Mas
não será razão para nos remetermos ao silêncio das conveniências.
O
que posso prometer a V. Ex. é lealdade, é solidariedade, é responsabilidade, é sentido
crítico.
O
que posso prometer ao Ministério Pública é empenho.
O
serviço de inspecções do Ministério Público tem tido uma matriz redutora: a da
avaliação funcional dos magistrados que ocupam os dois primeiros patamares da
hierarquia.
É
pouco para avaliar o trabalho integrado do Ministério Público.
É
pouco para fornecer ao procurador-geral da República uma visão exaustiva do
desempenho de uma magistratura tão complexa que se ocupa, por ano, com centenas
de milhares de situações.
Não
só a avaliação das condições mas também a avaliação dos métodos, das opções, do
relacionamento com o exterior, devem estar no horizonte das tarefas dos
serviços de inspecção.
Vivemos
um momento de transição sem podermos ter muitas certezas sobre o modo e o
modelo do Ministério Público de amanhã.
Mas
espero bem que sejam o melhor que soubermos fazer dele.
Não
haverá boas mudanças, não haverá melhorias significativas no desempenho do
Ministério Público, se cada um de nós não for o obreiro dessas mudanças e
dessas melhorias.
Por
último, não poderia deixar de agradecer a presença de todos.
No
entanto, gostaria de pensar que não estão por mim mas por uma causa.
Muito
obrigado.
Palácio
de Palmela, 20 de Outubro de 2008
*Quando iniciei funções, por uma segunda vez, como Inspetor do Ministério Público.