Uma reforma faz-se em nome de propósitos. Ou deveria
fazer-se.
Uma reforma na área dos recursos penais poderá justificar-se
em nome dos interesses dos potestativos recorrentes ou para satisfação daqueles
que os decidem.
Uma reforma que tenha uma vocação estatística assume um
desígnio doméstico que não se coaduna com o exercício das liberdades.
O que se pretende com esta reforma, aqui e agora, num
momento de crise identitária da justiça?
Duvido que uma reforma dos recursos na área penal seja uma
necessidade desnecessária. Ou por outras palavras: que seja desnecessariamente
urgente.
Eu sei que os recursos são incomodidades.
Eu sei que muitas reflexões em volta dos recursos poderiam
acabar nesta interrogação: e não se pode exterminá-los?
A exterminação dos recursos, traduzido no indelével
silenciamento dos recorrentes, é uma tentação antiga, sempre debaixo de uma
alegada eficácia de moralidade duvidosa.
Há quem não acredite nos recursos e há quem veja neles uma
tábua de salvação.
Parece-me óbvio que uma reforma dos recursos deverá aumentar
a sua credibilidade, reforçando a tábua e aumentando a expectativa de salvação.
O economicismo que
está subjacente a um certo discurso oficioso, e onde convergem os interesses
das corporações, é um retrocesso judiciário.
Sustenta-se que há recursos a mais. Que se recorre por tudo
e por nada. Que a banalização dos recursos não é suportável pelo sistema.
Não acredito numa reforma que tenha por fim a redução do
número de recursos estrangulando o seu âmbito: limitando a liberdade de
recorrer.
Trazendo a história a estes passos, anoto que António Manuel
Hespanha (As vésperas de Leviathan), para meados do Século XVII, sustenta que
um terço (1/3) do movimento dos tribunais de primeira instância atingia os
tribunais superiores.
Afinal, talvez a banalização não seja assim tão recente.
*De uma espécie de conferência dita em 2005, parte I.