domingo, 11 de março de 2012

Cadeias

Entrei numa cadeia, pela primeira vez, no verão de 1958. No Aljube. Acompanhava os meus pais numa visita a um familiar que se encontrava preso. Há imagens que ficaram para sempre. Da entrada, na rua, antes da porta se abrir, retenho ainda os gestos de simpatia solidária dos outros familiares. Sei, hoje, que essa simpatia era importante para que o medo se desvanecesse. O bolo que a minha mãe levava, colocado em cima de uma mesa à qual se sentava um guarda, foi religiosamente esboroado. Disse-me o meu pai, depois, que queriam ver se no bolo se escondia alguma lima. A sala da visitas estava dividida em duas partes, separadas por dois gradeamentos paralelos que não permitiam que presos e familiares, pelo menos, tocassem as mãos. Depois de um ruído de ferros, abriu-se uma porta, ao fundo, e os presos, em fila, dirigiram-se para o banco corrido onde se iriam sentar. Para nós, do lado de cá, havia um outro banco. Quando a minha mãe encostou ao gradeamento uma fotografia, um dos guardas que se encontravam na sala deu um passo rápido e arrancou-lha das mãos. Era uma fotografia da minha, e da do meu irmão, primeira comunhão que tínhamos feito havia cerca de um mês. Segundo o meu pai, pensaram que poderia ser uma mensagem. Aquele preso voltei a vê-lo no final de abril de 1974. Em liberdade.