Eugénia e Silvina, de Agustina Bessa-Luís, é um romance imprescindível no conhecimento do crime e da justiça. O julgamento da parricida ocorre num momento histórico em que, em Portugal, surge o tribunal coletivo. Agustina escreve sobre o coletivo uma das mais pertinentes reflexões que me foi dado ler:
“Ainda hoje surpreende a violência da intriga que pesou sobre o crime das Feiticeiras. Não se tratava mais dum parricídio e dos seus sórdidos pormenores, mas de uma verdadeira guerra de advogados, de gente do foro e da política, que tomaram o processo como campo de batalha em que se organizaram sob os auspícios do coletivo, que inaugurava os seus trabalhos com o famoso caso. É sabido que não é por um grupo de juízes ser mais numeroso que os seus objetivos coincidem com o interesse público. Em princípio, era de supor que Silvina tivesse esperanças nesse corpo sensível à norma jurídica e menos poderoso como indivíduo, o que lhe daria vantagens. O coletivo aparecia com um caráter social e munido de uma técnica capaz de se organizar como um serviço, deixando de parte o comportamento pessoal. Mas sucedia o que sempre sucede na teologia de grupo; há sempre um membro que controla os outros, quer pela sua mobilidade intelectual, quer pelo prestígio da carreira e o nível dos seus apoiantes. O egoísmo individual é menos ameaçador do que o egoísmo dos grupos sociais. Por isso os réus estavam mais indefesos do que dantes com um júri, empenhado em funcionar honestamente conforme os códigos de vizinhança, mais seguros do que uma justiça normativa.”