segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Tabu inconstitucional

I
Do Código Civil transcrevo -
Artigo 1864º(Paternidade desconhecida)
Sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai.
Artigo 1865º(Averiguação oficiosa)
1. Sempre que possível, o tribunal ouvirá a mãe acerca da paternidade que atribui ao filho.
2. Se a mãe indicar quem é o pai ou por outro meio chegar ao conhecimento do tribunal a identidade do pretenso progenitor, será este também ouvido.
3. No caso de o pretenso progenitor confirmar a paternidade, será lavrado termo de perfilhação e remetida certidão para averbamento à repartição competente para o registo.
4. Se o pretenso pai negar ou se recusar a confirmar a paternidade, o tribunal procederá às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da ação de investigação de paternidade.
5. Se o tribunal concluir pela existência de provas seguras da paternidade, ordenará a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, a fim de ser intentada a ação de investigação.
Artigo 1866º(Casos em que não é admitida a averiguação oficiosa da paternidade)
A ação a que se refere o artigo anterior não pode ser intentada:
a) Se a mãe e o pretenso pai forem parentes ou afins em linha reta ou parentes no segundo grau da linha colateral;
b) Se tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento.
II
Os exames do ADN da mãe e do filho possibilitam concluir sobre se o pretenso pai poderá ser alguém com um grau próximo de parentesco com a mãe.
São frequentes as situações em que as mães recusam identificar os possíveis pais ou declaram não saber quem são, criando-se a suspeita, tantas vezes doentia, sobre a existência de relações ditas inomináveis.
Numa situação destas, é legítimo ao magistrado do Ministério Público ordenar a realização de exames ao ADN apenas da mãe e do filho com o propósito de concluir que o pretenso pai é ou não é algum familiar próximo da mãe?
Da leitura da alínea a) do artigo 1866º, não podendo ser intentada a averiguação quando estão em causa pretensos pais com aqueles graus de parentesco ou afinidade, pareceria que esta diligência probatória preliminar, obviamente inútil desse ponto de vista, não deveria ser ordenada.
III
O direito à paternidade é também, e cada vez mais, o direito à entidade genética.
Qualquer limitação a esse direito é uma discriminação que não terá suporte constitucional.
Desde a Reforma de 1977, que procedeu a profundas reformas no âmbito do direito da família, que não há restrição a que ambos os progenitores que tenham entre si laços de parentesco ou afinidade em linha reta, ou de parentesco no segundo grau da linha colateral, possam perfilhar um filho.
Vencido legalmente o interdito da perfilhação, não se vê razão para que continue a permanecer na averiguação oficiosa e na subsequente ação de investigação de paternidade caso se recolha prova naquela que viabilize a propositura desta.
Trata-se de um tabu que a lei não pode continuar a consentir.